domingo, 13 de outubro de 2024

Isto, sim, é mesmo brincar com quem trabalha

Imagem via Correio da Manhã

Vital Moreira é pessoa bem informada e cuidadosa. Não ia escrever uma coisa destas se não fosse verdade. 

Transcrevo do CAUSA NOSSA:

"1. problema da pensão da ex-PGR (e dos magistrados superiores do MP em geral, quando "jubilados") não é somente o seu elevado montante, superior a 7000 euros - o maior do setor público institucional -, mas sim o facto de as suas pensões serem equivalentes ao último vencimento bruto no ativo (sem dedução da contribuição para a segurança social!...), e de assim se manterem todo o tempo. Ou seja, é maior a pensão de aposentado do que a remuneração líquida no ativo!

Trata-se de um regime altamente vantajoso em relação ao regime geral das pensões, aplicável aos demais servidores do Estado, as quais (i) dependem da carreira contributiva, (ii) equivalem a uma percentagem do última remuneração (deduzida da contribuição para a segurança social) inferior a 90% e (iii) têm regras próprias de atualização, sem indexação à atualização das remunerações no ativo. 

Ou seja, um escandaloso regime de privilégio.

2. Mesmo que o regime descrito se justificasse (e a meu ver, tal não se justifica) para os juízes, por serem titulares de órgãos de soberania (os tribunais), com especiais responsabilidades e incompatibilidades, não se vê nenhuma razão para a equiparação dos magistrados do Ministério Público, que não são titulares de um cargo público (como os juízes), tendo antes uma relação de emprego público com o Estado, e que não têm responsabilidades e incompatilidades comparáveis com as dos juízes (desde logo quanto à liberdade sindical e ao direito à greve). 

Se o regime de pensão dos "jubilados" é um privilégio dificilmente justificável no caso dos juízes, torna-se num superprivilégio sem nenhuma justificação no caso dos magistrados do MP.

3. Um dos efeitos colaterais desde regime de privilégio é a tendência natural para a aposentação e o abandono de funções logo que atingida a idade necessária (atualmente 66 anos e 6 meses), tanto mais que os candidatos ao lugar vago pressionam nesse sentido, ao contrário do que sucede noutras atividades públicas, em que muitos preferem adiar a aposentação até ao limite legal (70 anos) - salvo quando podem continuar a atividade no setor privado -, justamente por ela implicar uma significativa redução de rendimento. 

Um modo de atenuar ligeiramente este indevido privilégio seria permitir a dita jubilação somente na idade da aposentação obrigatória (70 anos), como sucede com os professores universitários, aliás sem nenhuma vantagem nas suas pensões. O mínimo que se pode exigir para obter aquele estatuto privilegiado deveria ser algum tempo de serviço extra e de contribuição adicional, assim moderando o peso dessas pensões sobre os contribuintes. Todavia, tendo em conta a experiência passada, seria estulto esperar que partidos políticos, Governo e parlamento tenham a coragem necessária para tal reforma mínima.

Em Portugal, os privilégios corporativos tendem a assumir-se como direitos adquiridos coletivos irrevogáveis.

Adenda
Um leitor acrescenta a «manutenção pelos pensionistas do chamado "subsídio de compensação" (cerca de 900€), relativamente ao qual, durante anos a fio, através de decisões judiciais, em benefício próprio, decidiram que não era tributado em sede de IRS». Inicialmente atribuído aos magistrados deslocados como compensação no caso de falta de "casa de função", foi depois estendido a todos, convolado em compensação da exclusividade das funções (como se esta não fosse já levada em conta no montante da remuneração). De facto, perante um poder político frágil e/ou pusilânime, não há limite para a imaginação na captura de benefícios pelas corporações profissionais poderosas."

Guterres e a virtude da insistência

«...o que se pede a um secretário-geral das Nações Unidas é que ele consiga ser uma voz lúcida, esclarecida, sensata e justa para o mundo. Uma voz que saiba aliar a prudência com a neutralidade inerente ao cargo, e exercida de forma profissionalmente diplomática. Nos tempos difíceis e tumultuosos em que vivemos, o secretário-geral das Nações Unidas tem de ser aquilo que Guterres demonstra: uma voz inspiradora e corajosa, comprometida com o respeito incondicional dos direitos humanos, em todas as vertentes e situações. E isto não é coisa pouca. Num mundo em que, a uma velocidade estonteante, os líderes políticos mudam depressa de opinião ou alteram os seus argumentos, de acordo com as regras da popularidade, António Guterres tem sabido ser sempre insistente nos mesmos temas e princípios. Na batalha pela atenção das audiências globais, Guterres não cede à ditadura dos algoritmos ou às sondagens de opinião. Mesmo correndo o risco de ser mal interpretado ou considerado cansativo, ele fez da insistência na determinação das suas convicções a principal arma. E, nos dias que correm, essa é uma excecional virtude. Até porque os seus temas de eleição não mudaram desde o dia que tomou posse: o desafio climático, a necessidade de cooperação, a luta pela paz, o combate à desigualdade, a defesa da democracia. Enquanto muitos desistem, Guterres tem sabido usar a sua voz como exemplo.»

Rui Tavares Guedes

sábado, 12 de outubro de 2024

A nossa degradação moral face à impunidade da guerra de Israel

José Pacheco Pereira


«... é inadmissível a complacência que a União Europeia e o Governo português têm mostrado face a esta guerra. Lestos, e bem, em condenar e sancionar a Rússia pela invasão da Ucrânia, nem de perto nem de longe responderam às violências israelitas, nem às sistemáticas violações do direito internacional, nem sequer se mexeram muito para defender a ONU e António Guterres, ambos alvos de Israel, que ataca tudo à sua frente no terreno e na diplomacia, que não merece esse nome. Há que compreender que esta hesitação miserável da Europa (Portugal incluído), que nem sequer tem grande papel como realpolitik, a não ser nalguns países por medo eleitoral, significa uma abjecção moral e uma cumplicidade inaceitável. Degrada-nos como país e como pessoas pela imoralidade.»

Filhos de um deus menor?

Maria do Rosário Gama
Presidente da direcção da APRe!
«Com o aproximar da discussão do OE na AR, começa a ficar delineada a política de rendimentos dos aposentados, pensionistas e reformados para 2025. Importa sublinhar alguns factos que devem ser tidos em conta, como que 65,7% das pensionistas de velhice e 37,7% dos pensionistas de velhice têm uma pensão inferior a 600 euros. Tendo em conta que o “bónus” atribuído este mês aos pensionistas da Segurança Social e a atribuir aos aposentados da Caixa Geral de Aposentações é na sua maioria de 200 euros, confirma-se a miséria em que vivem cerca de 1,400 milhões de cidadãos com pensões abaixo de 509 euros, verdadeiros filhos de um deus menor, porque não é com bónus esporádicos que atingem sequer o limiar da pobreza: 591 euros em 2024. Ainda não sabemos o que o OE2025 fixará mas sabemos o que queríamos que trouxesse: que nenhuma pensão tenha uma actualização inferior à taxa de inflação e que todas tenham um aumento superior a essa taxa para compensar as perdas dos últimos anos. Com a disposição do Governo em aumentar salários em 50 euros, o mínimo exigível para aumento das pensões deve ser de 50 euros.As pensões mínimas do regime contributivo devem aproximar-se do salário mínimo, devendo as pensões até dois Indexantes de Apoios Sociais (IAS) ter uma revalorização superior à média. 
A APRe! tem defendido que da Lei 53-B/2006 deve ser retirado o mecanismo que limita o seu alcance, com a evolução do Índice de Preços ao Consumidor condicionada pela média da evolução do PIB nos últimos anos. Defende medicação gratuita à para quem tem pensões abaixo do limiar da pobreza. Desconhecemos ainda as decisões quanto aos sectores da Saúde, Habitação, Apoio Domiciliário e acesso a uma rede de cuidados. São áreas determinantes na garantia de uma vida digna e com respeito pelos direitos fundamentais das pessoas mais velhas. Defenderemos sempre que a longevidade não as faça serem tratadas como filhos de deus menor!»

As reuniões entre Montenegro e Ventura, o que se sabe, o que falta saber. Resta uma curiosidade: será que Ventura saíu mesmo pelas traseiras?

André Ventura disse que o primeiro-ministro lhe propôs um lugar no Governo em troca da aprovação do Orçamento do Estado. Luís Montenegro respondeu de imediato ao líder do Chega e, sem papas na língua, acusou André Ventura de mentiroso, assegurando que nunca propôs um acordo de governação ao Chega. Poucos minutos depois de o ministro das Finanças ter levado a pen com o Orçamento do Estado ao presidente da Assembleia da República, André Ventura acusou Luís Montenegro de “traição à direita” em declarações aos jornalistas, mas admitiu revogar a sua decisão “irrevogável” no sentido de o Chega votar contra o Orçamento do Estado.
Nos últimos meses, André Ventura tem-se colocado à margem das negociações para o Orçamento do Estado para 2025. Disse, até à exaustão, que o Governo escolheu o PS e colocou o Chega de fora. Ontem, depois da entrega do documento ao Presidente da Assembleia da República, o líder do Chega foi à televisão dizer que esteve em negociações secretas com Luís Montenegro e que lhe foi proposto um acordo para este ano e até uma integração no Executivo num futuro próximo. 
O primeiro-ministro negou o acordo e recusou-se a falar mais sobre o assunto.
Ontem à noite, à hora em que costumo estar no primeiro sono no sofá, tive uma insónia. Por isso, calhou ver a entrevista a André Ventura no NOW.
Na minha opinião a jornalista até nem esteve mal. Todavia, tudo aquilo foi muito mau, desagradável e degradante.
Julgo ter percebido o seguinte: "Ventura diz que Montenegro mentiu aos eleitores na entrevista. Que Montenegro andou a negociar com o Ventura, mas não quis que se soubesse. Que Montenegro, recentemente desqualificou e insultou o Chega em público, depois dos encontros negociais, pelos vistos da iniciativa do Montenegro, que não levaram a nada, porque o Ventura queria um acordo de governo para toda a legislatura e o Governo só queria que o orçamento passasse. Ao mesmo tempo, Montenegro fingia que negociava com o PS, enquanto o PSD e a sua entourage de comentadores apelavam à responsabilidade deste partido na aprovação do orçamento."
Por onde anda o Professor Marcelo? 
Dada a degradação, que tal eleições?

Saúde mental foi debatida na Figueira

 Via Diário as Beiras

Câmara da Figueira da Foz rejeita suspeições sobre unidade de biocombustíveis

Texto: Diário as Beiras

Foto: Campeão das Províncias

«A Câmara da Figueira da Foz, repudiou ontem as suspeições lançadas sobre a instalação da unidade de combustíveis avançados da empresa portuguesa BioAdvance no terminal de granéis líquidos do porto marítimo.

O executivo liderado por Pedro Santana Lopes esclareceu, em assembleia municipal extraordinária, que a instalação resultou de um contrato de concessão assinado em agosto de 2022 com a administração do porto, que emitiu em dezembro do mesmo ano o alvará de licença.

Numa reunião bastante agitada, que foi convocada para discutir a situação da empresa, depois de na última assembleia a oposição ter manifestado dúvidas sobre a sua legalidade, os serviços técnicos da Câmara apresentaram todos os passos do projeto, que pretende produzir anualmente mais de 20 mil toneladas de biodiesel a partir de óleos alimentares usados.

A empresa, sediada no concelho de Pombal, onde possui uma unidade mais pequena, instalou-se junto ao terminal de granéis líquidos do porto da Figueira da Foz, depois de uma candidatura aprovada ao “Sistema de Incentivos à Inovação Empresarial – Verde” e do projeto ter sido reconhecido com o estatuto de Potencial Interesse Nacional (PIN).

O presidente da Junta de Freguesia de Vila Verde, Vítor Alemão (PS), insistiu hoje que a unidade está a laborar sem licença e a provocar poluição ambiental através de cheiros e odor incomodativo, que já motivou, segundo afirmou, queixas na PSP e da própria Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC).

Uma afirmação rejeitada pelo município, que garante não ter conhecimento de que a empresa esteja a funcionar.

A vice-presidente Anabela Tabaçó disse que a empresa ainda não possui licença de utilização para funcionar e que efetua apenas testes de equipamentos, enquanto decorre o processo de obtenção da licença industrial.

A autarca explicou que o município licenciou as obras de construção, mas que a licença de utilização só pode ser emitida quando estiver concluído o processo de licenciamento industrial na CCDRC, iniciado em 2023.

Anabela Tabaçó acusou o presidente da Junta de Vila Verde de acusações gravíssimas ao executivo por causa daquela unidade, lamentando que o autarca “só agora seja tão enérgico” sobre um processo iniciado em 2022.

Segundo os serviços técnicos municipais, encontra-se ainda em curso o processo de licenciamento ambiental daquela unidade da competência da Agência Portuguesa para o Ambiente (APA).

As suspeições lançadas sobre o executivo a propósito deste projeto motivaram hoje duras críticas do presidente da autarquia, que pediu a reunião extraordinária para esclarecer todo o processo de legalização da empresa, que resultou de um investimento privado de aproximadamente 27 milhões de euros.

Santana Lopes chegou mesmo a acusar o presidente da Assembleia Municipal, José Duarte Pereira, eleito pelo PS, de não ter atuado com a mesma atitude no tratamento do assunto e de não o ter defendido enquanto presidente da Câmara, quando estava em causa “a sua honra e dignidade”.

“Não tenho obrigação, nem que tivesse 21 anos, ser eleito e vir para uma reunião ser ofendido e o senhor presidente não por cobro às ofensas”, enfatizou Santana Lopes, bastante irritado, salientando que ao convocar esta assembleia cumpriu o seu dever de esclarecer.

O proprietário da BioAdvance, Paulo Gaspar, disse à agência Lusa que se encontra a decorrer na Agência Portuguesa do Ambiente (APA) o processo para a emissão do regime de Prevenção de Controlo Integrado de Poluição, que vai permitir a emissão da licença industrial.

No final da reunião, o presidente da Junta de Freguesia de Vila Verde referiu à Lusa que as explicações não inibem as consequências do funcionamento da empresa junto ao interface urbano, num processo “em que as pessoas não foram ouvidas e em que não há garantias que a população não seja afetada”

Inês, a mulher que mais prostitutas tirou da rua

Nunca estive pessoalmente com Inês Fontinha. Todavia, Inês Fontinha é das pessoas que mais julgo conhecer, pois acompanha-me há mais de 4 décadas.
Durante anos, entre 1978 e 1983, quando pouca gente a conhecia, li inúmeros textos de Inês Fontinha, antes de serem publicados pelo semanário Barca Nova.

O seu nome nunca saíu do meu radar. 
A prostituição continua a ser um problema social do qual pouca gente quer falar.
A socióloga Maria Inês Gomes Rodrigues Fontinha, nasceu na Madeira no ano de 1943. Filha de Georgina de Jesus Gomes e de Júlio Roque Gomes, cresceu numa família numerosa de sete filhos. Segue os seus estudos na Ilha da Madeira e, em 1964, vem para Lisboa onde ingressa no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, licenciando-se em Ciências Sociais e Políticas no ano de 1969. Foi pela mão de um seu amigo jurista que, em 1975, conhece a Associação O Ninho, instituição particular de solidariedade social fundada em 1967 por  impulso de Ana Maria Braga da Cruz, com o objectivo da promoção humana e social das mulheres vítimas de prostituição. Em 1976, torna-se monitora do lar de acolhimento das raparigas. Anos mais tarde será a coordenadora de lar e posteriormente directora de serviços. Trabalhou quase 40 anos na reinserção social das mulheres que se prostituem no sentido do desaparecimento da prostituição o que lhe dá uma indiscutível autoridade na matéria.

Inicia a sua actividade em O Ninho, em 1975, vivendo um período de mudanças profundas advindas da Revolução de Abril de 1974. Em plena euforia da liberdade conquistada, viu-se confrontada com uma realidade que desconhecia, a realidade das raparigas que residiam no Lar de Acolhimento, buscando caminhos de mudança, encontrando nele uma alternativa para a saída do sistema prostitucional que as acorrentava. Assinale-se que O Ninho, criado em Portugal à semelhança da instituição francesa Le Nid, com ela partilha objectivos e métodos, mas a sua singularidade apresenta um traço notável de persistência reconhecida quer dentro do País quer no estrangeiro. Em Portugal, O Ninho teve um papel fundamental na alteração da lei existente ao tempo do fascismo, quando a prostituição era proibida e as mulheres eram presas por se prostituírem (lei nº44 579 de 19 de Setembro de 1962) deixando a prostituição de ser crime a partir dos anos 80. Sempre atenta às mudanças operadas na sociedade – e no mundo – a instituição portuguesa foi membro fundador da Federação Europeia para o Desaparecimento da Prostituição, criada porque “a comunidade europeia está a ser pressionada pelo proxenetismo organizado no sentido da legalização”. Em 1992, Inês Fontinha é eleita Presidente dessa instituição europeia.
É membro do Conselho Nacional do MDM, tendo recebido a Distinção de Honra do MDM em 1992. Recebeu o Prémio da Revista Mulheres e muitas outras Revistas a consagraram nas suas páginas. Condecorada por Jorge Sampaio, recebe a Medalha de Mérito em 6 de Março de 1998. O Ninho, de que é Directora, é homenageado pela Assembleia da República com o Prémio de Direitos Humanos em 2003, sendo galardoado por várias organizações, entre as quais a Ordem dos Advogados.
Em 2005, em reconhecimento do seu mérito e prestígio pessoal, Inês Fontinha integra uma lista de mil mulheres proposta ao Prémio Nobel da Paz, lista apoiada pela organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), para se contrapor ao facto de que desde 1901 apenas 12 mulheres terem sido galardoadas com o Prémio Nobel. Ainda que tal não tenha sido aprovado, Inês Fontinha sentiu-se muito honrada com essa proposta, tendo considerado na altura que, em geral, “só as mulheres que têm sucesso na política ou a nível empresarial são reconhecidas, e que as que desenvolvem um trabalho social têm pouca visibilidade”, e nessa medida, considerou essa distinção muito importante para “dar visibilidade às mulheres” que desenvolvem “trabalhos ocultos” e apoiam pessoas marginalizadas.
Inês Fontinha é uma figura surpreendente e muitas vezes polémica que se entregou de corpo e alma a uma causa sem nunca perder a verticalidade para poder denunciar quem produz o mal que, entretanto, diz querer erradicar. Sem nunca deixar de reivindicar e propor, mesmo nos tempos do fascismo, uma solução mais digna para as mulheres caídas na prostituição por razões económicas e vítimas de uma sociedade em que os homens pretendem ser donos e dominadores das mulheres e dos seus corpos. Nesse sentido, pronunciou-se ativamente contra a criação na Mouraria, em Lisboa, de uma casa-refúgio, um anunciado prostíbulo camarário para prostitutas, onde estas também poderiam praticar sexo pago. Admitindo que esta proposta possa representar uma “forma camuflada de tentar legalizar a prostituição”, considera que é um projeto perigoso e aberto a novas formas de exploração. A pretexto de proteger as mulheres contra a Sida (quem sobretudo protege são os clientes!), pode ao contrário estimular o proxenetismo e o negócio. Os direitos das mulheres à igualdade e os direitos humanos estão sempre no seu horizonte quando equaciona a problemática da prostituição. “A legalização é um atentado aos direitos das mulheres, aos direitos humanos, é completamente perverso legalizar a prostituição”[2] . Conhece todo o argumentário a favor da legalização da prostituição e facilmente o desmonta, baseada na sua experiência acumulada junto das cerca de 8 000 mulheres que acompanhou na Instituição ao longo dos 40 anos em que nela trabalhou e das histórias de vida contadas num ambiente de psicoterapia institucional. Inconformada com a peregrina ideia de que a mulher é livre e tem legitimidade para “vender” o seu corpo, responde “Defendemos uma sociedade onde as mulheres tenham igualdade e agora vamos criar uma situação de subalternização ao homem, conceder ao homem o poder legítimo de comprar uma mulher?” O que existe, nesta situação, isso sim, “É o poder legítimo de o homem querer e poder comprar”. E adianta, “Não conheço nenhuma mulher que goste de ou queira ser prostituta. Não conheço nenhuma família, por muito desorganizada que esteja, que tenha como projecto de vida para os seus filhos serem prostitutas ou prostitutos” [3].
Vivemos numa sociedade em que, apesar dos avanços no campo dos direitos das mulheres, muita gente ainda concorda com uma situação em que a mulher está completamente subalternizada ao homem, é um objecto, um instrumento de prazer. Não há vazio legal. Temos um sistema abolicionista que imperou na Europa durante muitos anos. Porquê este frenesim de alguns países europeus em legalizar a prostituição, afirmando que vão combater o tráfico? É falso, está provado!
Legalizando a prostituição, fomenta-se o tráfico. Há governos que defendem a legalização escudando-se na saúde pública: “Alguns governos pensam que a regularização das casas de passe seria um passo no sentido de maior segurança para a saúde pública”, porém, para Inês Fontinha existe neste argumento um sentido discriminatório, visto apenas as mulheres ficarem sujeitas ao rastreio, para não contaminarem os homens. E ironiza: “A igualdade de género caiu por terra quando a mulher é considerada um objecto”.
Sobre a questão de que quem se prostituir ficará mais protegido se for encarado como trabalhador, Inês Fontinha recusa taxativamente a concepção de que a prostituição é um trabalho e insiste que “vender o corpo” não é um trabalho. Fala-se muito em trabalho digno, mas pergunta-se: Será que isto é um trabalho digno? Defende que se deveria dar um verdadeiro estatuto de vítima a uma prostituta, tal como se deu às mulheres vítimas de violência doméstica, não para as menorizar mas antes para poderem decidir da sua própria vida. A sua desvalorização nas ruas é profunda. Por isso, a ajuda externa é de extrema importância para poder abrir portas, e dizer: há esta possibilidade. O que falta são os apoios necessários para proporcionar reais oportunidades às pessoas.
A luta contra a prostituição como flagelo social, a dedicação total à protecção das mulheres prostituídas e sua reinserção social foi o grande motivo da sua vida. Por esta causa se notabilizou e foi pioneira. Porque esta problematização se impõe nos nossos dias com diversos matizes, replicamos alguns dos seus pensamentos sobre uma realidade que afinal é de muitos milhares de mulheres, e que traduzem seguramente o essencial desta mulher que na primeira pessoa nos conta a sua lancinante experiência.
“Fui aos locais onde as mulheres procuravam os clientes, ruas, bares, casas de passe. Ouvi histórias inabitadas de afectos, de abusos sexuais persistentes pelo pai, pelo padrasto, pelo irmão, por um amigo da família. Escutei a fome, o trabalho infantil, a pobreza que habitou a infância de todas elas. Escutei o sofrimento de corpos desvalorizados pela violência a que foram sujeitos, vi a dissociação/clivagem entre o psicológico e o físico, quando afirmavam “o meu corpo vai para o quarto, mas a minha alma fica de fora”.
Também no 9º Congresso do MDM realizado em Outubro de 2015, confirma perante centenas de mulheres, a sua experiência pessoal: “Acompanhei durante estes longos anos cerca de 8000 mulheres e afirmo com segurança que a prostituição viola severamente a dignidade humana e os Direitos Humanos. É contra a igualdade de género e quem defende a igualdade não pode afirmar que a prostituição é uma forma de a mulher utilizar o seu corpo conforme entender. Não! É uma forma de o homem usar o corpo da mulher como entender (…) Aprendi que a mulher se sente uma “coisa”, um objecto, um utensílio para uso do homem, para satisfazer as suas fantasias ” eu sou reciclável, sou usada e posta de parte (…) Aprendi que o homem cliente é proveniente de todas as classes sociais. O local onde procura a mulher é diferenciado consoante o seu poder de compra. Num hotel ou bar de luxo o cliente tem poder económico e exige que a mulher corresponda ao seu estatuto social, na forma de se vestir, de se comportar. Exige que se confunda com o seu próprio estatuto social. Por isso, quando entrei num bar de luxo vi mulheres que pareciam pertencer a classes sociais com poder económico, mas quando me contaram a sua vida, tinham tido percursos muito semelhantes a de outras mulheres que se prostituíam em outros locais, frequentados por homens/clientes com fracos recursos económicos. Vi, assim, a oferta a adaptar-se à procura.”
“Compreendi que o negócio da prostituição rende ao proxenetismo milhões de euros, porque a prostituição não se reduz a um acto individual de uma pessoa que aluga o seu sexo por dinheiro, é uma organização comercial com dimensões locais, nacionais, internacionais onde existem três parceiros; pessoas prostituídas, proxenetas e clientes.
Aprendi que a prostituição diz sempre respeito à sexualidade… está perante o sexo separado de todo o significado humano, sexo/objecto. Compete-me pôr as minhas dúvidas em relação a esta banalização do sexo (…) Na prostituição todos estes actos íntimos são rebaixados a um nível único – ao de um valor mercantil (…) A sexualidade é vivida como uma procura de prazer á custa do outro. É uma forma de violência”.
Inês Fontinha é uma Mulher de Abril, porque Abril deixou rasto na sua vida e contaminou a sua forma de encarar o mundo.
Ao ouvir na Antena 1 o Postal do Dia que Luís Osório lhe dedicou, tive um sobressalto ao recordar a história de vida de Inês Fontinha, a mulher que mais prostitutas tirou da rua. Hoje, com mais de 80 anos, a sua cabeça é a de uma jovem que continua todos os dias a mudar o mundo um bocadinho que seja.
Fica, para ouvir, o Postal do Dia.

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

O núcleo duro do PS

Pedro Nuno Santos diz que "ainda há tempo" para decidir sentido de voto.
Quais são os riscos que pode correr o núcleo duro do PS?
Se o PS não aprovar o OE2025, o André Ventura avança: apresenta-se como o salvador da pátria. 
Se o PS não aprovar o OE2025, só para respeitar as ordens e honrar o núcleo duro do PS, é por ter medo do Bloco.
Portanto: se o núcleo duro do PS chumbar o OE2025 de Direita, o dr. André Ventura agradece, tal como naturalmente e por essência o senhor primeiro-ministro. 
O núcleo duro do PS parece aqueles machões que de discurso dizem respeitar a igualdade das mulheres, mas na prática não é bem assim... 
O BE tem cinco deputados. O PS tem o mesmo número de deputados que o PSD. O Chega tem 50 deputados, mas até o Ventura sabe que, se formos a votos, fica com 25. O que seria uma vergonha para ele. 
Antes, queria eleições e irrevogavelmente nunca, nunca na vida aprovaria o OE2025. Jamais. 
Agora, anseia que o PS o chumbe para o salvador Ventura não ficar com 25 deputados. 
RTP é para privatizar? SNS é para privatizar? Educação é para privatizar? 
Que interessa isso? 
Entretanto, o primeiro-ministro fala pouco. Quando o faz, em registo perfeitamente controlado, diz quase nada...

Um projeto que tem como objetivo alertar para as consequências das alterações climáticas

 Via Diário as Beiras

Nota de rodapé:
- não se esqueçam da erosão costeira.

"É quase certo": o governo não gosta é do "preço certo"...


Lido na edição de ontem do Jornal de Notícias.
«A decisão de terminar com a publicidade na RTP vai pôr em risco programas como o “Preço certo”, de Fernando Mendes, revelou ao JN fonte próxima do processo. A mesma fonte sustenta que o fim do programa iniciado em 2002 “é quase certo” e “vai ter impacto na audiência do Telejornal”, que é transmitido logo a seguir.»

Portanto: todos aqueles que pensam e acusam este governo de querer levar RTP à falência por ideologia, deveriam saber que existem cidadãos superiores (por isso são ministros!..) que não têm ideologia.
Não gostam é do "preço certo"...

Dª. Maria João...

Video via Aventar


 ..."jornalismo sustentável, tranquilo, menos ofegante e sem perguntas sopradas", é isto?

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Como dizia um velho Amigo: "ser velho é um posto, mas é um posto muito ingrato"

Via Público

Amor


Amar é algo de transcendente. 
No limite, é um acto revolucionário. 
Existe no amar algo que pode transformar a sociedade e cada um de nós.
Quem ama troca a segurança e o bem estar pelo gesto assertivo.
Com isso a vida ganha cor. 
A existência, antes vazia, passa a ser preenchida com a excitação dos riscos, mas também das recompensas.
O medo e a felicidade, ganham significado onde antes só existia o comodismo.
Porventura, descobre-se um rumo onde antes reinava a desorientação e a alienação. 
O amor pode mover montanhas, por ser um sentimento que devolve significado à existência. 
Colectiva e de cada um de nós.

A obra do pintor Mário Silva vai ter o espaço que merece na Tocha

Segundo o jornal Diário as Beiras, em junho de 2020 «a Câmara de Cantanhede já tinha feito o projeto para a futura Casa-Museu Mário Silva, no antigo posto da GNR da Tocha. 

Para quem já não se recorda,lembremos o que aconteceu.
O espaço será preenchido com obras que estão à guarda da Junta da Tocha desde a tempestade “Leslie”, em outubro de 2018. 
“Tiveram a amabilidade de acolher as obras que estavam debaixo do palco do CAE, sem as melhores condições. Entretanto, propuseram a ideia da casamuseu e eu aceitei. Na altura, falei com os autarcas de Coimbra e da Figueira da Foz, mas não deram uma resposta [conclusiva]”, contou o filho e homónimo do pintor ao DIÁRIO AS BEIRAS. 
Em Junho de 2020, na reunião de Câmara da Figueira da Foz, o vereador Miguel Babo alertou para a o projeto da Tocha, defendendo que o espólio de Mário Silva devia ficar na cidade. O presidente da autarquia, desde abril de 2019, Carlos Monteiro, admitindo que desconhecia o assunto, sugeriu que parte da obra do artista plástico fosse exposta no Museu Etnográfico de Lavos, freguesia onde o pintor residia. 
“O espaço é pequeno, mal vai dar para acolher a etnografia de Lavos, quanto mais uma exposição permanente de um pintor consagrado como era o meu pai”, reagiu Mário Silva, filho. “A obra devia ser exposta num espaço condigno da Figueira da Foz ou de Coimbra”, defendeu.»
Na edição de hoje, 10 de outubro de 2024, o Diário as Beiras informa que o Museu dedicado ao pintor Mário Silva em Cantanhede vai estar pronto daqui a um ano.

“Cartão abem”

 Via Diário as Beiras

Durão Barroso...

"Não ter a puta da vergonha na cara é isto."


«Em 16 de Março de 2003, Durão Barroso, então primeiro-ministro, servia de mordomo numa cimeira que juntava W. Bush, Tony Blair e José Maria Aznar na base aérea das Lajes e que com base numa mentira antecedia em quatro dias a invasão de um país soberano, a desestabilização de toda uma região, inventar uma guerra onde ela não existia, estar na génese do nascimento do ISIS, dor e sofrimento, criar milhões de refugiados que se fazem diariamente ao Mediterrâneo em busca de paz e de uma vida decente na Europa. Hoje, 21 anos passados sobre um crime de guerra, um dos criminosos implicados, Durão Barroso, vem dizer com a maior cara de pau que "os europeus não querem muito mais imigração e que há limites para o multiculturalismo" como se não tivesse nada a ver com isso.»

Substituir é preciso

Miguel Esteves Cardoso

"É mentira que sejamos insubstituíveis. 

Somos é diferentes — o que é muito diferente. Somos diferentes precisamente para podermos ser substituídos. Os velhos que vêem morrer os amigos não podem ser preguiçosos — têm de os substituir.

Nem que seja para ser fiel à amizade e à memória dos amigos. A saudade não é afectada pela substituição. Persiste sempre. Não somos máquinas. Não são peças o que podemos substituir. Ficamos sempre com a alegria de dizer que aquele era melhor e que este não vale nada. 

Comparar é sinal de riqueza e, para comparar, um não chega: é preciso, pelo menos, dois.»