Ana Moreno
"À justa, lá conseguiu a direita subir ao poder para revigorar as furadas receitas neoliberais que, por via dos serviçais mídia e de um dedo indicador apontado para o INTA (There is no Alternative), continua a propagar o afamado “trickle-down effect” – o mesmo que, comprovadamente, vem aumentando a concentração da riqueza e a desigualdade no mundo inteiro.
Aquilo que o PS (que finge ser de esquerda) já vinha praticando há 8 anos, que levou a aumentos de PIB e a maior pobreza, será agora aplicado a fundo e descaradamente. Lucros privados, custos públicos, privatizações, Portugal vendido ao desbarato, o mercado em roda livre.
Logicamente, a escolha dos membros do governo faz jus ao que aí vem. Mas mesmo assim, custa a encaixar esta ministra da Justiça, uma advogada especialista em imobiliário no mega escritório fundado pelo seu pai, onde trabalhou 25 anos.
Na pasta da Justiça- a tal que é sonegada aos portugueses, já por via da morosidade – temos pois Rita Alarcão Júdice, filha e colaboradora de José Miguel Júdice, advogado e árbitro, inclusive em casos ISDS – ou seja, de arbitragem internacional. Para quem não saiba, o mecanismo ISDS é a alavanca a que só as multinacionais têm direito e que só por elas pode ser usado para processar Estados. Para quem não saiba, o ISDS providencia aos investidores estrangeiros uma “justiça” de tapete vermelho, para seu exclusivo uso. Para quem não saiba, essa “justiça” está acima das nacionais e refere-se unicamente a direitos especiais dos investidores (como “as suas legítimas expectativas de negócio”), consagrados em tratados internacionais de investimento e comércio; para quem não saiba, o ISDS restringe o direito dos governos a regulamentarem em nome do interesse público. Para quem não saiba, esta “justiça” não tem lugar perante tribunais institucionais; todo o processo está nas mãos de três advogados, um de acusação, outro de defesa e um terceiro que faz de ”juiz” e é escolhido pelos outros dois. Para quem não saiba, estas 3 pessoas podem rodar de função nos diferentes casos ISDS, abrindo a porta a conflitos de interesse; para quem não saiba, as indemnizações resultantes destes casos – e a serem pagas pelos contribuintes do país contra o qual o processo é intentado – são milionárias, e os próprios processos podem custar muitos milhares; para quem não saiba, está a decorrer um processo ISDS contra Portugal devido ao caso BES – ao abrigo de um acordo bilateral que Portugal assinou com as Maurícias em 1997, apesar de os queixantes serem dois fundos americanos; para quem não saiba, segundo o jornal Dinheiro Vivo, a acusação está nas mãos das firmas de advogados Fietta e PLMJ (da qual Júdice é fundador e os ex-governantes Pedro Siza Vieira (PS), e Nuno Morais Sarmento (PSD) são sócios.
O que todos nós, simples mortais, não sabemos, é o montante exigido a Portugal pelos fundos de investimento: estes casos são, muitas vezes, secretos. Mas uma coisa sabemos, já estamos todos a pagar os altos custos da “defesa de Portugal”.
A nova ministra até pode ser altamente qualificada e até pode vir a fazer um bom trabalho nesse bicho de sete cabeças que é a Justiça em Portugal. Dê-se-lhe o benefício da dúvida. Mas uma coisa é certa: é conivente com uma “justiça” toda especial para os ricos e poderosos, os tribunais VIP , e fez carreira a ajudar os ricaços a fazerem negócios imobiliários. A arraia miúda que continue na bicha para ter acesso à Justiça e para viver numa sociedade mais justa. Imagino que muitos considerem isto muito normal, mas é esta normalidade que está a estoirar a humanidade. Os efeitos estão à vista."