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terça-feira, 5 de novembro de 2024

Um sítio como outro qualquer

Para lá da nossa cidade, não há cidadão ou Constituição 

«Ficámos chocados ao ouvir um deputado defender a condecoração de um polícia, só porque matou um cidadão. Por ouvir outro dizer que o País estaria melhor se a polícia atirasse mais a matar. Fui um dos que ajudou a fazer nascer uma queixa-crime contra dois dirigentes partidários. Mas esta é, infelizmente, apenas a imagem mais agressiva e caricatural da nossa violência social. No dia seguinte ao nosso choque a vida destes bairros continuou. Como, para além de umas tertúlias mediáticas, o país não pretende fazer qualquer reflexão séria sobre a violência policial, estes bairros ou o racismo, essa vida continuará ainda pior do que antes.

O dia seguinte já começou a ser contado por António Brito Guterres, que tem servido de porta-voz, porque nos traz a voz de quem não tem direito a ela: assessores municipais ameaçam retirar financiamento a associações que participam em protestos democráticos e pacíficos, há assédio de polícias e as carreiras de autocarros que servem bairros inteiros foram suprimidas, deixando-os coletivamente isolados. 
Ao Expresso, um psicólogo que dirige a Academia Johnson conta que, há uma semana, apareceram oito polícias de shotguns num jogo de futsal numa escola local e pressionaram o árbitro para apresentar cartão amarelo a um jogador que celebrou um golo exibindo uma t-shirt patrocinada para UEFA onde se lê "No to racism", a que acrescentou o nome de Odair Moniz. A arbitrariedade é absoluta e suspeito que será ainda maior quando as televisões abandonarem definitivamente o tema – é sempre tão rápido. A invisibilidade é a maior aliada da arbitrariedade.

Como sabemos, o presidente da Câmara Municipal de Loures, líder recém-eleito da Federação de Lisboa do PS, aprovou uma recomendação do Chega para despejar quem seja condenado em tribunal por ter participado em tumultos. Uma recomendação que viola várias vezes a lei e a Constituição da República: ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo crime, sanções acessórias só podem ser decididas pelo poder judicial e o castigo nunca pode ser para todo o agregado familiar – no despautério da última semana, descobri que há quem ache que os filhos são responsáveis pelos erros de pais. Uma pessoa pode ser despejada por violar as regras do uso da casa que ocupa ou por usá-la para cometer crimes (lenocínio ou tráfico de droga, por exemplo), não por cometer um crime fora dela.

Rui Rio, que assinou um manifesto contra os abusos da justiça e do Ministério Público, escreveu que acha isto muito bem. O Estado de Direito é para ele, para políticos, para empresários e para gestores. O mesmo homem que se indignou, e bem, com as buscas abusivas a sedes partidárias e à sua casa defende que autarquias sejam tribunais. Quando chega aos bairros mais pobres, desaparece tudo o que defende para quem tem poder. 

Indignei-me com a humilhação pública de Ricardo Salgado, mas descubro-me bem menos acompanhado (pelo menos na elite política e mediática) quando defendo o direito a uma justiça justa para quem mais precisa dela. 
Não estou, note-se, a escrever que não cometeram crimes e que não merecem punição. Estou a defender o Estado de Direito para todos. Uma Constituição para todos, veja-se bem. A começar, obviamente, pelos que mais facilmente são atropelados pela arbitrariedade do poder. Mesmo que sejam, como muito provavelmente é Ricardo Salgado, criminosos. 

Como se o meu espanto não pudesse descansar, vejo o jornal que me habituou a ser defensor intransigente da democracia e do Estado de Direito (ainda antes das duas coisas serem realidade neste país) a dar, nos tradicionais “altos e baixos”, nota positiva a Ricardo Leão. Escreve-se que as suas declarações, que corresponderam à aprovação de uma recomendação inconstitucional, “mesmo que feridas de ilegalidade, têm um fundo de justiça”. A ilegalidade é, portanto, um pormenor. Para quem viva nestes bairros e cometa um crime, chega “um fundo de justiça”. A lei é para a cidade legitima, onde vivem os verdadeiros cidadãos que a Constituição protege. 

Tudo isto é mais simples de explicar do que parece porque é muito mais antigo do que julgamos. A fronteira da legalidade está na porta daqueles bairros. Muitos julgam que a lei não existe para quem lá vive. Mas, na realidade, ela não existe, ali, para a maioria dos que lá não entram. Há séculos que assim é: a cidadania acaba onde acaba a cidade. A nossa. O Chega chama aos que têm direito à cidade e à lei “portugueses de bem”. Nós, mais polidos, somos menos explícitos. Apenas nos esquecemos que os outros são cidadãos. 

É deste sentimento geral que nasce o abuso policial. É por isto ser assim que um polícia pensa mais tempo antes de tocar com um dedo num branco que fale bem e use gravata do que em disparar sobre Odair ou outro como ele. Este polícia não é pior do que nós. Nada disso. É, de certa fome, vítima do que esperamos dela. Apenas sabe que, aos olhos do País, não somos todos iguais. E que, por isso, as consequências do erro perante uns e outros serão diferentes. Apenas suja as mãos para responder ao nosso classismo, servindo-o. 

NOTA: Pensei escrever sobre deputados que desrespeitaram, brincaram ou fizeram política com a morte do pai de duas pessoas com quem dividem o local de trabalho. Intriga-me como conseguirão voltar hoje ao Parlamento, tendo de se cruzar com elas, e não baixar a cabeça de vergonha. Depois desisti. Sou comentador político e o problema destas pessoas não é político. É serem, como seres humanos, uma miséria. Não merecem o nosso tempo.»

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Porque para a memória o tempo é como o vento para as dunas...

António Agostinho, 24 de setembro de 2008

 O corpo e a alma

Tempo houve em que São Pedro, Freguesia, não tinha esse nome. Chamava-se Cova, Gala, Cabedelo e Morraceira.
São Pedro, Freguesia, “foi criada em 1985”. Antes, como a maioria certamente se lembra, fazíamos parte da vizinha freguesia de Lavos.

Mas, como começou São Pedro de facto?
Segundo o Cap. João Pereira Mano, não só o maior investigador figueirense vivo, mas também o maior conhecedor da história marítima do nosso concelho, autor de obras como “Terras do Mar Salgado”, com centenas de textos avulso publicados em periódicos, tudo resultado de décadas de investigação aturada em fontes directas, “decorria o ano de 1793, quando Manuel Pereira se descolou a Lavos, com a sua mulher Luísa dos Santos e alguns familiares, para baptizar seu filho Luís, que nascera havia quatro dias, no lugar da Cova. A certidão do recém-nascido passou assim a ostentar como local de nascimento o lugar da Cova, passando a povoação a ver reconhecida oficialmente a sua existência.”

Ainda de acordo com o mesmo investigador, “a povoação da Gala nasceu da deslocação de alguns pescadores mais para nascente, na zona ribeirinha, onde ergueram barracas para recolha de redes e apetrechos de pesca. Igualmente à beira rio, surgiram depois grandes armazéns em madeira para salga, conservação e comercialização da sardinha com origem nas artes de pesca da Cova”...

É possível, que estas miudezas históricas, para alguns, interessem pouco.
Mas, como escreveria Saramago, “a mim interessa-me muito, não só saber, mas ver, no exacto sentido da palavra, como veio mudando São Pedro desde aqueles dias.” Parafraseando Saramago, “se o cinema já existisse então, se as mil e uma mudanças por que São Pedro passou ao longo destes 200 e alguns anos tivessem sido registadas, poderíamos ver essa Cova e essa Gala a crescer e a mover-se como um ser vivo.”
Tal como magistralmente escreve Saramgo sobre Lisboa, “fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória. Memória que é a de um espaço e de um tempo, memória no interior da qual vivemos, como uma ilha entre dois mares: um que dizemos passado, outro que dizemos futuro. Podemos navegar no mar do passado próximo graças à memória pessoal que conservou a lembrança das suas rotas, mas para navegar no mar do passado remoto teremos de usar as memórias que o tempo acumulou, as memórias de um espaço continuamente transformado, tão fugidio como o próprio tempo. Esse filme, comprimindo o tempo e expandindo o espaço, seria a memória perfeita da Cova e Gala.
O que sabemos dos lugares é coincidirmos com eles durante um certo tempo no espaço que são. O lugar estava ali, a pessoa apareceu, depois a pessoa partiu, o lugar continuou, o lugar tinha feito a pessoa, a pessoa havia transformado o lugar.”


A Cova e Gala da minha infância foi sempre a das casas térreas e pobres de madeira, cheias de aberturas nas paredes, por onde no inverno o ar gélido passava como cão por vinha vindimada .
Quando, mais tarde, as circunstâncias me permitiram viver noutros ambientes, a memória que prefiro guardar é a da Cova e Gala dos meus primeiros anos, a Cova e Gala “da gente de pouco ter e de muito sentir”, a Terra pequena e modesta nos costumes e nos horizontes da compreensão do resto do País e do mundo.

São Pedro, entretanto, transformou-se muito por fora nos últimos anos.
Em nome do chamado progresso, alterou-se o perfil e o panorama da Cova e Gala, colocaram-se toneladas de betão onde outrora existiu a madeira das casas antigas.
Tal como Saramago, gostaria de poder continuar a acreditar que, apesar de tudo, “o espírito da Cova e Gala sobrevive”, pois “é o espírito que faz eternas terras”.
Para mim, chegava que a Cova e Gala fosse uma Terra culta, moderna, limpa e organizada – e, se possível, sem perder nada da sua alma.

Como comprova a realidade em 2024, foi desejar demais.

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Ter memória é tramado: recordamos o que aconteceu com as freguesias em 2012, porquê e para quê...

Cito uma crónica de Ruy Ventura:
"Senhoras e senhores deputados, 
Sabemos o que sucedeu, porquê e para quê. Conhecemos as consequências — e as causas — da agregação de freguesias, ocorrida por imposição da troika. Para que a assistência financeira externa entregasse o dinheiro necessário, tínhamos de diminuir o número de autarquias locais. Não havendo qualquer vontade — ou coragem — de suprimir municípios, as freguesias foram as vítimas escolhidas. Se analisarmos a Lei n.º 22/2012 e o que dela resultou, percebemos bem a ligeireza que presidiu a todo o processo e, sobretudo, o desrespeito completo pelas populações residentes. Foi dada a palavra às assembleias de freguesia e às assembleias municipais, mas nada do que disseram foi tido em conta. A sentença estava previamente redigida e a execução determinada. 
Mestres como somos nas artes do engano, aproveitámos uma singularidade nacional: a existência de dois níveis de poder local. Ludibriámos a troika — e lixámos o mexilhão nacional, o mais desprotegido dos mexilhões: as pobres freguesias, nomeadamente as de “territórios de baixa densidade”. 
Num acto positivo, o Parlamento reconheceu mais tarde os erros cometidos. Os critérios nem sempre haviam sido respeitados, dando lugar a injustiças difíceis de suportar. Publicou-se a Lei n.º 39/2021, na qual se inseriu um artigo destinado a emendar o “erro manifesto e excepcional que cause prejuízo às populações” (artigo 25.º). As freguesias mais afectadas iniciaram o processo de reparação. Houve reuniões. A desagregação foi aprovada em assembleia de freguesia e, depois, em assembleia municipal. Teve o apoio unânime dos vereadores do seu concelho. Esperava-se um tratamento limpo... 
A água começou, todavia, a inquinar-se, apesar do entendimento em sentido contrário da Anafre — Associação Nacional de Freguesias e de outras instâncias. Surgiram “dúvidas” sobre a data de conclusão do processo. Esse ponto poderia e deveria ter sido esclarecido a tempo de todos terem as mesmas oportunidades. Tal não sucedeu. Com as propostas de desagregação já no Parlamento, parece ser agora entendimento deixar algumas de fora. 
Não irão sequer a votação. Que balde de água fria, quase gelada! Há fundamento nas suas reivindicações, mas chegaram tarde, diz-se. A lei permite outra interpretação bem mais justa, que trataria todos por igual, mas não será esse o caminho seguido, relatou o PÚBLICO. Portugal, diz-se, é um Estado de direito, mas, infelizmente e para nossa desgraça, às vezes caminha bem torto. Se se concretizar a exclusão de 31 freguesias, não se aplica o velho e saudável princípio jurídico: em caso de dúvida, beneficia-se… Se suceder, prejudica-se."
Fim de citação.
Foto Pedro Agostinho Cruz. Assembleia Municipal de 10 de outubro de 2012.
A leitura deste texto fez-me recuar no tempo. Passaram os anos sobre a chamada reorganização administrativa de outubro de 2012. Continuo a sentir o mesmo: sem berros e no tom mais ameno que é possível, como eleitor e espectador o mais atento que me é possível da política local, deixo explícito que continua a ser-me  difícil entender o “negócio figueirense" PPD/PSD/100% de 10 de outubro de 2012.
Recuemos à edição do Diário as Beiras de 10 de Outubro de 2012.
“Os presidentes das 18 juntas do concelho da Figueira da Foz sempre foram solidários uns com os outros quando estavam em causa situações que afectassem o conjunto ou alguns dos seus elementos. Na sessão da Assembleia Municipal da passada segunda-feira, porém, essa solidariedade foi quebrada, quando os autarcas do PSD e da Figueira 100% mais os independentes José Elísio (Lavos) e Carlos Simão (S. Pedro) se colocaram ao lado dos sociais-democratas e do movimento independente.”
Jot´Alves, (edição impressa)…
Em 12 de outubro de 2012, Miguel Almeida, com a colaboração do Movimento 100% e o alheamento do PS, impôs às freguesias figueirenses, não uma reforma político-administrativa, mas, apenas um conjunto de alterações avulsas, coercivas e apressadamente gizadas, feitas à medida do chamado plano de reajustamento, ou Memorando de Entendimento (ME), celebrado pelo estado português sob a batuta do governo socialista de Sócrates com a Troika (FMI, CE e BCE), e com o acordo do PSD e CDS-PP.
Recordemos.
A Assembleia Municipal votou o novo mapa das freguesias.
Foi aprovada a proposta conjunta apresentada pelo PSD, Figueira 100%,  Presidente da junta de freguesia de S. Pedro (Carlos Simão) e Presidente da junta de Lavos (José Elísio).
A  extinção das Freguesias de S. Julião, Brenha, Borda do Campo e Santana foi aprovada com os votos contra do PS, da CDU e da presidente da junta de freguesia de Santana (PSD).
O presidente da junta de freguesia de Tavarede (PS) absteve-se.
Ficou assim a votação: 22 votos a favor; 19 contra; e 1 abstenção.
Resultado:
BUARCOS  AGREGOU S. JULIÃO;
ALHADAS AGREGOU BRENHA;
PAIÃO AGREGOU BORDA DO CAMPO;
FERREIRA A NOVA AGREGOU SANTANA.

Nessa altura, na Figueira da Foz, na reforma administrativa feita para troika verforam extintas quatro. Das 18 então existentes, sobraram  14. 
Buarcos e São Julião fundiram-se. Ficou uma freguesia enorme: tem mais de 20 mil habitantes, o que representa cerca de um terço da população do concelho.
Em Julho de 2012, pensava o que penso hoje.
Antes do mais, a meu ver, convém  esclarecer que aquilo que o  governo de então impôs às freguesias, não foi uma reforma político-administrativa, mas  um conjunto de alterações avulsas, coerciva e apressadamente gizadas, feita  à medida do chamado plano de reajustamento, ou Memorando de Entendimento (ME), celebrado pelo estado português sob a batuta do governo socialista de Sócrates com a Troika (FMI, CE e BCE), e com o acordo do PSD e CDS-PP.
Desde já, um ponto prévio.
Não sou  defensor  de que tudo, nomeadamente no que concerne às organizações humanas, é eterno.
Daí, encarar como perfeitamente natural  reformas dos sistemas político-administrativos. Contudo, essas reformas têm de assentar em estudos fundamentados e tendo em conta a realidade.
Reformas político-administrativas coerentes e sérias,  só se justificam quando ocorrem três condições fundamentais: necessidade comprovada de reforma (através do resultado de trabalhos científicos, do debate e acção política e de comparações/imposições internacionais), existência de tempo e de recursos para promover a reforma mais adequada às circunstâncias e, finalmente, vontade de promover a reforma por uma via democrática no referencial constitucional em vigor.
Em 2024, creio que continua a não ser estultícia apontar que não se verificou nenhuma das três condições formuladas (salvo a imposição da Troika, que não é coisa pouca).
Verificou-se, isso sim, que o governo impôs um conjunto de alterações no referencial autárquico desajustado ao caso concreto português,  no geral, e à Figueira, em particular.
O ministro Relvas, que quase sempre se descontrolava quando abordava este tema, disse, em tempos, entre outras coisas, que essa reforma é incontornável porque, pasme-se, a última tinha sido feita há 150 anos!
Esqueceu-se foi de clarificar qual seria  o ciclo mínimo para fazer este tipo de reformas: 10, 20, 30, 40, 50, 60, 70 80, 90 ou 100 anos?
Além do mais, não é verdade que, no que às freguesias diz respeito, a tal reforma  tenha sido feita há 150 anos. O ministro confunde a reforma administrativa municipalista liberal com a realidade, diferente, das freguesias, porque essas só foram estabilizadas mais tarde, já no advento da república. E, em todo o caso, seria bom recordar ao ministro que, Portugal, lá por existir há cerca de um milénio, não tem que ser extinto!
Uma reforma séria, profunda e coerente de todo o universo autárquico português, implica muito mais do que a questão simples, mas muito polémica, do desenho administrativo territorial de municípios e freguesias.
Recorde-se que em Fevereiro de 2006, foi  anunciado a Lei-Quadro de Criação de Autarquias Locais, que passaria a chamar-se "Lei-Quadro de Criação, Fusão e Extinção de Autarquias Locais". Aquela Lei visava pôr em marcha a fusão de freguesias com dimensões mínimas. A operação, segundo o secretário de estado que então tinha a tutela do assunto (Eduardo Cabrita), começaria nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, nos municípios com mais de 50 mil habitantes. É por esta razão que António Costa veio, mais tarde, a iniciar um processo nesse sentido em Lisboa.
A ANAFRE reagiu, então, de forma enérgica, e os jornais passaram a dizer que o governo apenas queria agrupar algumas freguesias das zonas urbanas. Depois, o assunto caiu no esquecimento.
O ministro Relvas, a própria Troika e  António Costa, que já  reduziu o número das freguesias de Lisboa, não estão a tentar materializar nada caído do céu recentemente.
A questão, não obstante as suas características artificiais, tem, pelo menos, seis anos.
Aqui chegados, impõe-se perguntar se, numa situação de profunda crise económica, financeira e social, se deveria dar prioridade a reformas deste tipo? Parece, a meu ver,  que a resposta sensata, é negativa, até porque é muito incerto que a redução do número de freguesias conduza, por si só, a uma redução sensível das despesas públicas. Por esse mesmo motivo, e em coerência, também não parece ser a altura mais adequada para avançar com a regionalização, não obstante os seus méritos potenciais.
É quase surreal que, numa conjuntura como era de 2012, se viesse a forçar esta reforma, que seria sempre difícil e complexa em si mesma, quanto mais quando conduzida sob a batuta coerciva e antidemocrática dos princípios defendidos pelo ministro Relvas em nome da Troika.
No caso concrecto da Figueira colocar a questão em 18, 10 ou apenas uma freguesia, quanto a mim é um falso problema.
Quanto a mim,  a verdadeira questão é: para que servem as freguesias?.. E como servem!..
Freguesia é o nome que têm, em Portugal, as mais pequenas divisões administrativas. Trata-se de subdivisões dos concelhos e são obrigatórias, no sentido de que todos os concelhos têm pelo menos uma freguesia (cujo território, nesse caso, coincide com o do concelho), excepto o de Vila do Corvo onde, por força do artigo 86.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, essa divisão territorial não existe.
Em 2024, As freguesias portuguesas são a representação civil das antigas paróquias católicas; surgiram muitas das vezes decalcadas das antigas unidades eclesiásticas medievais. Daí que, em tempos mais recuados, o termo «freguês» servisse para designar também os paroquianos, os quais eram «fregueses», por assim dizer, do pároco.
Nas freguesias, nos tempos que correm, os “fregueses” não acabaram.
Só que agora não são do pároco.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

O isolamento da classe política e o rumo ao caos

Para o jornal Público, Montenegro fez “mau cálculo político” ao não revelar reuniões com Ventura.

António Capucho, antigo ministro de Cavaco Silva: “André Ventura iria inventar qualquer pretexto e criar todos os incidentes possíveis e imaginários” para “conseguir atenção mediática dia sim, dia sim, e ser entrevistado todos os dias nas televisões”.

Ferreira Costa, politólogo: se o Governo insistir em manter um diálogo com o Chega, passará a ideia de que “está a fazer tudo para se manter no poder” — o primeiro-ministro “não se pode colocar numa posição em que fica prisioneiro de um partido com uma estratégia assente na sobrevivência política e na tentativa de se manter na ordem do dia”.

Nota de rodapé.

Em Portugal, temos uma a classe política que vive numa redoma. Entregue a si mesma, às suas conversas e encontros, no isolamento das suas mordomias. A vida do cidadão comum, que anda em transportes colectivos, anda na rua, sente regularmente um local de trabalho colectivo ou um mercado, passa-lhes ao lado. A política em Portugal tornou-se um misto de palavras e intrigas. Sobrevivem os piores. A falta de diálogo que se está a acentuar entre as cúpulas partidárias resulta as mais das vezes, de tricas, questões e rivalidades puramente pessoais. A mediocracia (expressão criada por Balzac para designar “nova classe política burguesa”) é dominante no espaço político. Desde o 25 de Abril tivemos políticos e técnicos capazes, que a revolução cilindrou. E como o rumo dos acontecimentos não vai mudar, teremos mais políticos incompetentes, e caminharemos para uma sociedade cada vez mais cruel e desumana.

sábado, 12 de outubro de 2024

Inês, a mulher que mais prostitutas tirou da rua

Nunca estive pessoalmente com Inês Fontinha. Todavia, Inês Fontinha é das pessoas que mais julgo conhecer, pois acompanha-me há mais de 4 décadas.
Durante anos, entre 1978 e 1983, quando pouca gente a conhecia, li inúmeros textos de Inês Fontinha, antes de serem publicados pelo semanário Barca Nova.

O seu nome nunca saíu do meu radar. 
A prostituição continua a ser um problema social do qual pouca gente quer falar.
A socióloga Maria Inês Gomes Rodrigues Fontinha, nasceu na Madeira no ano de 1943. Filha de Georgina de Jesus Gomes e de Júlio Roque Gomes, cresceu numa família numerosa de sete filhos. Segue os seus estudos na Ilha da Madeira e, em 1964, vem para Lisboa onde ingressa no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, licenciando-se em Ciências Sociais e Políticas no ano de 1969. Foi pela mão de um seu amigo jurista que, em 1975, conhece a Associação O Ninho, instituição particular de solidariedade social fundada em 1967 por  impulso de Ana Maria Braga da Cruz, com o objectivo da promoção humana e social das mulheres vítimas de prostituição. Em 1976, torna-se monitora do lar de acolhimento das raparigas. Anos mais tarde será a coordenadora de lar e posteriormente directora de serviços. Trabalhou quase 40 anos na reinserção social das mulheres que se prostituem no sentido do desaparecimento da prostituição o que lhe dá uma indiscutível autoridade na matéria.

Inicia a sua actividade em O Ninho, em 1975, vivendo um período de mudanças profundas advindas da Revolução de Abril de 1974. Em plena euforia da liberdade conquistada, viu-se confrontada com uma realidade que desconhecia, a realidade das raparigas que residiam no Lar de Acolhimento, buscando caminhos de mudança, encontrando nele uma alternativa para a saída do sistema prostitucional que as acorrentava. Assinale-se que O Ninho, criado em Portugal à semelhança da instituição francesa Le Nid, com ela partilha objectivos e métodos, mas a sua singularidade apresenta um traço notável de persistência reconhecida quer dentro do País quer no estrangeiro. Em Portugal, O Ninho teve um papel fundamental na alteração da lei existente ao tempo do fascismo, quando a prostituição era proibida e as mulheres eram presas por se prostituírem (lei nº44 579 de 19 de Setembro de 1962) deixando a prostituição de ser crime a partir dos anos 80. Sempre atenta às mudanças operadas na sociedade – e no mundo – a instituição portuguesa foi membro fundador da Federação Europeia para o Desaparecimento da Prostituição, criada porque “a comunidade europeia está a ser pressionada pelo proxenetismo organizado no sentido da legalização”. Em 1992, Inês Fontinha é eleita Presidente dessa instituição europeia.
É membro do Conselho Nacional do MDM, tendo recebido a Distinção de Honra do MDM em 1992. Recebeu o Prémio da Revista Mulheres e muitas outras Revistas a consagraram nas suas páginas. Condecorada por Jorge Sampaio, recebe a Medalha de Mérito em 6 de Março de 1998. O Ninho, de que é Directora, é homenageado pela Assembleia da República com o Prémio de Direitos Humanos em 2003, sendo galardoado por várias organizações, entre as quais a Ordem dos Advogados.
Em 2005, em reconhecimento do seu mérito e prestígio pessoal, Inês Fontinha integra uma lista de mil mulheres proposta ao Prémio Nobel da Paz, lista apoiada pela organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), para se contrapor ao facto de que desde 1901 apenas 12 mulheres terem sido galardoadas com o Prémio Nobel. Ainda que tal não tenha sido aprovado, Inês Fontinha sentiu-se muito honrada com essa proposta, tendo considerado na altura que, em geral, “só as mulheres que têm sucesso na política ou a nível empresarial são reconhecidas, e que as que desenvolvem um trabalho social têm pouca visibilidade”, e nessa medida, considerou essa distinção muito importante para “dar visibilidade às mulheres” que desenvolvem “trabalhos ocultos” e apoiam pessoas marginalizadas.
Inês Fontinha é uma figura surpreendente e muitas vezes polémica que se entregou de corpo e alma a uma causa sem nunca perder a verticalidade para poder denunciar quem produz o mal que, entretanto, diz querer erradicar. Sem nunca deixar de reivindicar e propor, mesmo nos tempos do fascismo, uma solução mais digna para as mulheres caídas na prostituição por razões económicas e vítimas de uma sociedade em que os homens pretendem ser donos e dominadores das mulheres e dos seus corpos. Nesse sentido, pronunciou-se ativamente contra a criação na Mouraria, em Lisboa, de uma casa-refúgio, um anunciado prostíbulo camarário para prostitutas, onde estas também poderiam praticar sexo pago. Admitindo que esta proposta possa representar uma “forma camuflada de tentar legalizar a prostituição”, considera que é um projeto perigoso e aberto a novas formas de exploração. A pretexto de proteger as mulheres contra a Sida (quem sobretudo protege são os clientes!), pode ao contrário estimular o proxenetismo e o negócio. Os direitos das mulheres à igualdade e os direitos humanos estão sempre no seu horizonte quando equaciona a problemática da prostituição. “A legalização é um atentado aos direitos das mulheres, aos direitos humanos, é completamente perverso legalizar a prostituição”[2] . Conhece todo o argumentário a favor da legalização da prostituição e facilmente o desmonta, baseada na sua experiência acumulada junto das cerca de 8 000 mulheres que acompanhou na Instituição ao longo dos 40 anos em que nela trabalhou e das histórias de vida contadas num ambiente de psicoterapia institucional. Inconformada com a peregrina ideia de que a mulher é livre e tem legitimidade para “vender” o seu corpo, responde “Defendemos uma sociedade onde as mulheres tenham igualdade e agora vamos criar uma situação de subalternização ao homem, conceder ao homem o poder legítimo de comprar uma mulher?” O que existe, nesta situação, isso sim, “É o poder legítimo de o homem querer e poder comprar”. E adianta, “Não conheço nenhuma mulher que goste de ou queira ser prostituta. Não conheço nenhuma família, por muito desorganizada que esteja, que tenha como projecto de vida para os seus filhos serem prostitutas ou prostitutos” [3].
Vivemos numa sociedade em que, apesar dos avanços no campo dos direitos das mulheres, muita gente ainda concorda com uma situação em que a mulher está completamente subalternizada ao homem, é um objecto, um instrumento de prazer. Não há vazio legal. Temos um sistema abolicionista que imperou na Europa durante muitos anos. Porquê este frenesim de alguns países europeus em legalizar a prostituição, afirmando que vão combater o tráfico? É falso, está provado!
Legalizando a prostituição, fomenta-se o tráfico. Há governos que defendem a legalização escudando-se na saúde pública: “Alguns governos pensam que a regularização das casas de passe seria um passo no sentido de maior segurança para a saúde pública”, porém, para Inês Fontinha existe neste argumento um sentido discriminatório, visto apenas as mulheres ficarem sujeitas ao rastreio, para não contaminarem os homens. E ironiza: “A igualdade de género caiu por terra quando a mulher é considerada um objecto”.
Sobre a questão de que quem se prostituir ficará mais protegido se for encarado como trabalhador, Inês Fontinha recusa taxativamente a concepção de que a prostituição é um trabalho e insiste que “vender o corpo” não é um trabalho. Fala-se muito em trabalho digno, mas pergunta-se: Será que isto é um trabalho digno? Defende que se deveria dar um verdadeiro estatuto de vítima a uma prostituta, tal como se deu às mulheres vítimas de violência doméstica, não para as menorizar mas antes para poderem decidir da sua própria vida. A sua desvalorização nas ruas é profunda. Por isso, a ajuda externa é de extrema importância para poder abrir portas, e dizer: há esta possibilidade. O que falta são os apoios necessários para proporcionar reais oportunidades às pessoas.
A luta contra a prostituição como flagelo social, a dedicação total à protecção das mulheres prostituídas e sua reinserção social foi o grande motivo da sua vida. Por esta causa se notabilizou e foi pioneira. Porque esta problematização se impõe nos nossos dias com diversos matizes, replicamos alguns dos seus pensamentos sobre uma realidade que afinal é de muitos milhares de mulheres, e que traduzem seguramente o essencial desta mulher que na primeira pessoa nos conta a sua lancinante experiência.
“Fui aos locais onde as mulheres procuravam os clientes, ruas, bares, casas de passe. Ouvi histórias inabitadas de afectos, de abusos sexuais persistentes pelo pai, pelo padrasto, pelo irmão, por um amigo da família. Escutei a fome, o trabalho infantil, a pobreza que habitou a infância de todas elas. Escutei o sofrimento de corpos desvalorizados pela violência a que foram sujeitos, vi a dissociação/clivagem entre o psicológico e o físico, quando afirmavam “o meu corpo vai para o quarto, mas a minha alma fica de fora”.
Também no 9º Congresso do MDM realizado em Outubro de 2015, confirma perante centenas de mulheres, a sua experiência pessoal: “Acompanhei durante estes longos anos cerca de 8000 mulheres e afirmo com segurança que a prostituição viola severamente a dignidade humana e os Direitos Humanos. É contra a igualdade de género e quem defende a igualdade não pode afirmar que a prostituição é uma forma de a mulher utilizar o seu corpo conforme entender. Não! É uma forma de o homem usar o corpo da mulher como entender (…) Aprendi que a mulher se sente uma “coisa”, um objecto, um utensílio para uso do homem, para satisfazer as suas fantasias ” eu sou reciclável, sou usada e posta de parte (…) Aprendi que o homem cliente é proveniente de todas as classes sociais. O local onde procura a mulher é diferenciado consoante o seu poder de compra. Num hotel ou bar de luxo o cliente tem poder económico e exige que a mulher corresponda ao seu estatuto social, na forma de se vestir, de se comportar. Exige que se confunda com o seu próprio estatuto social. Por isso, quando entrei num bar de luxo vi mulheres que pareciam pertencer a classes sociais com poder económico, mas quando me contaram a sua vida, tinham tido percursos muito semelhantes a de outras mulheres que se prostituíam em outros locais, frequentados por homens/clientes com fracos recursos económicos. Vi, assim, a oferta a adaptar-se à procura.”
“Compreendi que o negócio da prostituição rende ao proxenetismo milhões de euros, porque a prostituição não se reduz a um acto individual de uma pessoa que aluga o seu sexo por dinheiro, é uma organização comercial com dimensões locais, nacionais, internacionais onde existem três parceiros; pessoas prostituídas, proxenetas e clientes.
Aprendi que a prostituição diz sempre respeito à sexualidade… está perante o sexo separado de todo o significado humano, sexo/objecto. Compete-me pôr as minhas dúvidas em relação a esta banalização do sexo (…) Na prostituição todos estes actos íntimos são rebaixados a um nível único – ao de um valor mercantil (…) A sexualidade é vivida como uma procura de prazer á custa do outro. É uma forma de violência”.
Inês Fontinha é uma Mulher de Abril, porque Abril deixou rasto na sua vida e contaminou a sua forma de encarar o mundo.
Ao ouvir na Antena 1 o Postal do Dia que Luís Osório lhe dedicou, tive um sobressalto ao recordar a história de vida de Inês Fontinha, a mulher que mais prostitutas tirou da rua. Hoje, com mais de 80 anos, a sua cabeça é a de uma jovem que continua todos os dias a mudar o mundo um bocadinho que seja.
Fica, para ouvir, o Postal do Dia.

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

A involução do poder local

Daqui a um ano (...e um ano passsa tão rapidamente...) já saberemos quem será o presidente de câmara da Figueira para os quatros anos a seguir a setembro de 2025.
No país em que já acreditei piamente,  o poder local era a  grande conquista da democracia. Depois, com o passar dos anos, fui verificando que os eleitores escolhiam mal os seus autarcas. 

Fátima Felgueiras. Imagem daqui
Tivemos grandes vedetas autárquicas como, por exemplo, Fátima Felgueiras, Avelino Ferreira Torres, Valentim Loureiro e tantos outros. 
E ainda temos o Isaltino de Morais.

À medida que o idealismo ia ficando pelo caminho, dei conta  de várias poucas pouca-vergonhas pré-eleitorais: passeios oferecidos aos velhotes, toneladas de pólvora queimadas em festas populares abrilhantadas por musica pimba e grandes festarolas oferecidos pelos candidatos. 
Muitas das nossas autarquias são verdadeiras escolas de manipulação eleitoral, recorrendo a métodos e truques próprios de uma qualquer ditadura rasca.

Há pouco tempo assistimos à discussão dos pacotes fiscais a vigorar na Figueira em 2025. Independentemente do presidente de câmara ser Santana Lopes ou outro qualquer, a meu ver, é urgente uma mudança profunda do modelo de financiamento das autarquias, limitando o despesismo e condicionando os investimentos em função das prioridades nacionais, regionais e locais. 
Todos nos lembramos na gestão socialista de João Ataíde e Carlos Monteiro das atrocidades urbanísticas cometidas no Cabebedelo e em Buarcos, só porque havia milhões da europa para gastar.

Isto anda tudo ligado. Muitos dos nossos políticos subiram nos seus partidos graças aos apoios locais e regionais.
Portanto, ficaram reféns e credores dos esquemas alimentados pelo poder autárquico.

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

As comportas da Maria da Mata e a politiquice em que estamos mergulhados

 "O colapso das comportas de Maria da Mata e do Alvo, perto da estação de bombagem das celuloses, no Alqueidão, representa um problema cada vez mais grave." 
 "A obra é da APA. O problema foi causada pela tempestade Elsa"... 
A depressão Elsa aconteceu em meados de Dezembro de 2019!.. 
Entretanto, passaram mais de 5 anos.

Em 5 Abril de 2023, a presidente da Junta do Alqueidão, Clarisse Oliveira, em declarações ao DIÁRIO AS BEIRAS, disse que a "Agência Portuguesa do Ambiente (APA) vai candidatar a reparação das comportas que permitem a passagem de água salgada para o canal de rega dos campos de arroz, na zona onde o Rio Pranto se junta ao Rio Mondego. 

Através das diligências que fez junto da eurodeputada e da deputada socialistas, Maria Manuel Leitão Marques e Raquel Ferreira, respetivamente, a autarca daquela freguesia da zona Sul do concelho da Figueira da Foz foi contactada, via telefone, pelo Secretário de Estado do Ambiente, Hugo Pires, e pelo vicepresidente da APA, Pimenta Machado."
Contudo, segundo ainda o DIÁRIO AS BEIRAS , "depois do eurodeputado do PCP, João Pimenta Lopes, ter estado no local no dia anterior.
Clarisse Oliveira voltou a telefonar à deputada e à eurodeputada do PS. Foi na sequência destes telefonemas que a autarca foi contactada por aqueles dois responsáveis do Ambiente. “[Pimenta Machado] disse que tinha um projeto e que estava à espera do aviso de uma candidatura [a fundos europeus] e, de seguida, fazer a obra”, adiantou Clarisse Oliveira. 
Segundo os orizicultores, nos últimos anos, a mistura da água salgada com a água doce provocou uma redução na produção de arroz superior a 25 por cento."

Em Abril deste ano, depois da demissão apresentada por António Costa e realização de eleições, tomou posse um novo governo liderado por Luís Montenegro.
Entretanto, segundo se pode ler na edição de hoje do Diário as Beiras, os deputados do PS eleitos por Coimbra Pedro Coimbra e Raquel Ferreira, partido que esteve no poder vários anos depois de Dezembro de 2019, data do colapso das comportas da Maria da Mata e do Alvo, deslocaram-se às Comportas Maria da Mata, no Alqueidão.
Em finais de Setembro de 2024 a obra está por realizar.
Fica a notícia da recente visita dos deputados do PS, via Diário as Beiras.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Na reentre, mais do mesmo na política figueirense...

Tendo mais com que ocupar o tempo que resta de uma vida, tenho andado desatento aos melodramas da ficção política local.
Aliás, penso ser esta a posição maioritária do figueirense comum. 

Em Setembro de 2024, um leigo político como eu, não consegue ver vida política na Figueira, muito menos vida partidária, oposição - muito menos ainda líder da oposição.
Politicamente falando, em Setembro de 2024, a Figueira tem a situação - que o mesmo é dizer: Pedro Santana Lopes.

O resto são inutilidades avulsas que não sabem o que fazer.
A oposição sombra, acaba na sombra: as caras são poucas, os porta-vozes são ineficazes e as venerandas figuras não têm disponibilidade para criticar o executivo. 

Num concelho relativamente pequeno, onde as oportunidades não abundam, a sociedade civil (esse sonho de todos os conspiradores, renovadores e revolucionários) prefere ter boas relações com o poder, a dar apoio explícito a uma oposição que tem apenas a oferecer um futuro longínquo, portanto, pouco aliciante no imediato.

O resto, as diferenças ideológicas e as alternativas políticas, não existe.
Por conseguinte, as saídas são redutoras. Não esquecer que, em 50 anos de regime democrático, por escolha do Povo, vivemos num concelho governado quase sempre pelo PS e por Santana Lopes.

O eleitorado é conservador e não está disponível para grandes transformações.
O normal, por cá, é um discurso político cuidadoso, que não perturbe, assuste, nem comprometa o status, que é aquilo que rende votos no eleitorado do centro. 

Para não ir mais longe, recordo que foi assim que João Ataíde ganhou. 
E foi também assim que Santana Lopes chegou, nas duas vezes em que concorreu, a presidente de Câmara da Figueira da Foz. 

Porém, a reentre política, em 2024, na Figueira, tem sido acidentada.
O que se passa?
Já estão a ser aquecidos os motores para Março/Abril/Maio/Junho de 2025, quando começar a disputa pelos lugares nas listas? 

Quem já viveu muito, sabe que os cravos na Figueira nunca tiveram muita saúde.
Por outro lado, quem há cinquenta anos viveu o dia de todos os sonhos do mundo, sabe também que é muito difícil voltar a viver (se alguma vez voltar...) um novo e verdadeiro “dia das surpresas”.
Entretanto, não deprimam e, sobretudo, não desesperem.
Na Figueira, a esperança está  sempre nesse elemento fundamental das nossas vidas e que nos acompanha 365 dias por ano: o vento
Será que alguma vez soprará a favor da mudança?
O banco, sem utilizadores, faz lembrar o vazio da tristeza em que vegeta a vida politica figueirense. Presumo que este banco tenha sido colocado naquele lugar, para facilitar o diálogo, mesmo em silêncio, ou em contemplação. Presumo, também, que o objectivo fosse estabelecer algum tipo de relacionamento. Será que os figueirenses alguma vez se vão conseguir sentar num banco (mesmo poético) para trocar ideias?..

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

A pesca do bacalhau. Viana do Castelo e Figueira. Gil Eanes e José Cação

GIL EANNES, atracado ao fundo da antiga doca comercial, quase junto da moderna Praça da Liberdade

Foto: António Agostinho

Artigo do Tomo 41 dos Cadernos Vianenses, 2008, escrito por António de Carvalho, investigador da história local.

"O emblemático navio hospital GIL EANNES, atracado ao fundo da antiga doca comercial, quase junto da moderna Praça da Liberdade, sendo considerado desde há alguns anos a esta data como um dos elementos mais marcantes da cidade, afirma-se cada vez mais como seu pólo atractivo, como comprovam as centenas de milhares de visitantes já nele recebidos desde que abriu ao público como núcleo museológico em 19 de Agosto de 1998. (...)"

Hoje, o navio representa um património histórico e emocional muito importante para Viana do Castelo.  Pois, além de ter sido construído no ano 1955 nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, também é um "símbolo vivo da qualidade da nossa construção naval" e prestou "assistência médica e social aos pescadores portugueses da frota bacalhoeira (...)."

O navio hospital GIL EANNES "não é apenas um estimável emblema da tradição e da qualidade da secular construção naval vianense, tem tão só a mais original Pousada da Juventude do País, pois é também o núcleo museológico que se tornou num dos principais pólos de atracção da Frente Ribeirinha, e como tal, um dos espaços mais procurados da cidade, sendo hoje o segundo museu em número de visitas no Norte do País (sendo apenas precedido pelo Museu de Serralves, no Porto), o que é bastante honroso para todos os vianenses. (...)"


Nota de rodapé (1).

1911, Figueira da Foz. Nesse já longínquo ano, é fundada na Figueira da Foz pelos irmãos António e João Neto BrazJosé Ribeiro Gomes e outros, nomeadamente Manuel Gaspar de Lemos, a Sociedade de Pesca Oceano, Lda.
O primeiro navio da empresa foi o lugre Oceano, comprado em Hamburgo em 1912.
Anos mais tarde, os irmãos Alberto e José Sotto Maior adquiriram a SPOL.
Foram eles que trouxeram para a Figueira um dos mais belos navios de que tenho memória: o José Alberto.
Os irmãos António José Cação, passados alguns anos, assumiram a gerência da empresa, tendo depois ficado seus proprietários.  
E é assim que chegamos a 1973 e a minha vida se cruza, durante 10 anos, com o mundo SPOL, comandado pelo eng. Carlos António Andrade Cação.
eng. Andrade Cação, nasceu na Figueira a 24 de julho de 1938. Licenciou-se em engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia do Porto. Depois de ter passado pela Administração Geral do Porto de Lisboaem 1967 tornou-se sócio da Sociedade de Pesca Oceano. Anos mais tarde, quando já era seu único dono, alargou a actividade da empresa ao arrasto costeiro, com os barcos Irene Doraty (a junção dos primeiros nomes da sua mãe e da sua tia) e o Natália Eugénia. A frota de arrasto costeiro da SPOL alargou, e na década de 80, chegou a ser composta por 6 unidades.
Porém, do meu ponto de vista, aquilo onde o eng. Andrade Cação deixou  a sua marca pessoal, aconteceu no final da década de 60 ao transformar o navio de pesca à linha Soto Maior (na altura o nome foi mudado para José Cação, o nome do seu tio) para o sistema de redes de emalhar, o que constituiu na altura uma atitude pioneira em Portugal.
Em 1971, comprou o Vaz, irmão gémeo do José Cação, que depois de também transformado para poder pescar com redes de emalhar, foi baptizado com o nome do seu pai - António Cação

Navio "JOSÉ CAÇÃO"o último bacalhoeiro da  Figueira da Foz,
 
numa foto tirada a 14 de Maio de 2002

Estes barcos pescaram até 1990 e foram os últimos navios da "Faina Maior" a operar no porto da Figueira da Foz.
Lamentavelmente, na Figueira, dessa memória nada resta.  
“José Cação”, apesar dos esforços de homens como Álvaro Abreu da SilvaManuel Luís Pata e Marques Guerra,  foi para a sucata. Como sublinhou Álvaro Abreu da Silva, um dos seus últimos Capitães, "foi e levou com ele, nos ferros retorcidos em que se tornou, a memória das águas que sulcou e dos homens que na sua amurada se debruçaram para vislumbrar os oceanos”.


Nota de rodapé (2).
Quem quiser saber a importância que a "faina maior" teve na Figueira da Foz, até à década de 80 do século passado, tem de recorrer aos livros que Manuel Luís Pata publicou em 1997, 2001 e 2003. Lá estão coligidas notícias, referências escritas e testemunhos orais, textos, comentários e recordações pessoais, sobre a Figueira da Foz e a relevância da Pesca do Bacalhau no desenvolvimento do nosso concelho. Como escreveu Pinheiro Marques: "se a Figueira da Foz tem reunidos os elementos para a sua História Marítima nos séculos XIX-XX, deve-o à Cova-Gala (São Pedro): deve-o ao Capitão João Pereira Mano e ao Senhor Manuel Luís Pata."

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

E depois do "querido mês de Agosto" de 2025?

Passado que está o "querido mês de Agosto", seria a hora da silly season ter chegado ao fim na Figueira.
Com a ausência de reuniões de câmara (a última realizou-se no dia 26-07-2024) e da assembleia municipal (a última, uma sessão extraordinária, teve lugar no dia 31.7.2024), politicamente, no último mês, só existiu na Figueira Pedro Santana Lopes. 
Pedro Santana Lopes preside pela segunda vez à Câmara da Figueira da Foz.
Foto Rui Gaudencio

Na Figueira não é só a praia que é um deserto. 
Infelizmente a moda veio para ficar. Estende-se por muito lado. Também à política local.
É triste, para não dizer patético, mas a política por aqui, tirando as lutas intestinas, por lugares nas listas, é um deserto.
 
Sejamos claros: a indigência política é uma realidade. 
Não apenas do lado do Poder, mas também do lado das Oposições. 
Alguém conhece uma ideia, vinda do PS ou PSD, ou de qualquer outro Partido na Figueira, alternativa à actual gestão da FAP? 
Alguns, de vez em quando, tentam colocar-se em bicos de pés, mostrando que continuam vivos, aproveitando tudo aquilo que julgam ser uma boa ocasião para aparecer
Infelizmente, normalmente, não têm é tempo para pensar. 
A questão não é fácil de resolver - e é um problema nacional. 
Para se estar na política, não sendo rico, não tendo um pai ou avô rico, é muito difícil estar a sério sem "ir ao Totta".

Objectivamente, temos o que temos na Figueira, pois estão criadas as condições: existe cada vez mais uma maior funcionalização da política autárquica, com danos para o desenvolvimento do concelho cada vez mais evidentes.
Só não vê quem não quer o miserabilismo funcional do sistema político local.

Daqui a uns meses veremos o habitual: tudo à paulada no PS e no PSD, pela procura dos lugares elegíveis nas listas, pois é isso que move os protagonistas. 
Não ver isto - que é o óbvio - é de tal maneira grosseiro e redutor que dispensa mais comentários. 

Fica uma garantia: em 2025, na Figueira, a silly season vai ser muito animada.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Se as eleições fossem hoje, os figueirenses davam maioria absoluta a Santana Lopes e à FAP

Não sou bruxo, nem tenho informação privilegida. Contudo, ando na rua, nos supermercados, nos cafés, nos restaurantes, falo com imensa gente. Resumindo: ouço o Povo.
Por isso, apenas por isso, há 3 dias escrevi o seguinte na minha página do facebook.
"Governar um País ou um Concelho, não é fácil.Que o diga o Dr. Luís Montenegro, agora na posição de primeiro-ministro.Na Festa do Pontal, quando era oposição ao Governo de António Costa, o discurso era mais fácil. Tudo estava mal.
Penso que já deu para ver que o seu desempenho como primeiro-ministro a comandar este Governo não tem sido brilhante.
Ser Governo em Portugal, em 2024, não é fácil. Basta olhar para Saúde, nomeadamente a grave crise nas urgências nos hospitais e na maternidades.

Na Figueira, porém, ser poder tem sido um passeio para a minoritária FAP.
No poder, está o Dr. Pedro Santana Lopes.
A oposição é, não digo inexistente, mas tornou-se invisível há muito.
Não passa de uma ficção democrática sem préstimo ou valor, mesmo para quem está no Poder.
A opinião pública ignora-a.
Pode ser que o concelho se lembre dela, numas próximas eleições, quando se quiser vingar da governação anterior..."
Hoje via Diário as Beiras, tive a confirmação da realidade daquilo que era a minha percepção.
«Uma sondagem da Intercampus tendo como cenário as eleições autárquicas de 2025, através de inquérito presencial realizado nas 14 freguesias do concelho da Figueira da Foz, dá maioria absoluta ao movimento independente Figueira A Primeira (FAP), com Santana Lopes como recandidato. 
De acordo com a sondagem, as intenções de voto sem abstenção dão 42,1% à FAP (ganhou em 2021 com 40,4%) e 22,6% ao PS (registou 38,4% em 2021). O PSD atingiria 15,2% dos votos, (obteve 10,8% em 2021). Na mesma sondagem, o Chega, que em 2021 viu a sua candidatura anulada pelo tribunal, em 2025 não obteria mais do que 2,9% dos votos. A CDU, por seu lado, alcançaria 2,3% e o BE 1,8%. O CDS/ PP ficar-se-ia pelos 0,4%. 
Esta sondagem permite ainda inferir que, de acordo com os resultados da mesma, Santana Lopes, recandidatando-se pela FAP, não precisaria do apoio do PSD para vencer com maioria absoluta, embora a reforçasse de forma significativa. 
Por outro lado, quando os inquiridos respondem à pergunta sobre quem seria o melhor presidente da Câmara da Figueira da Foz, Santana Lopes é o vencedor “absoluto”, ao reunir 65,6% das preferências. Carlos Monteiro (PS) reúne 15,6%, João Portugal (PS) 1,7% e Anabela Tabaçó (FAP) 0,5%. 
Acerca da notoriedade daqueles quatro nomes propostos na sondagem da Intercampus, mais uma vez, Santana Lopes arrasa a concorrência. O presidente da Câmara da Figueira da Foz é conhecido por 99,7 dos inquiridos. O antecessor Carlos Monteiro, por seu lado, surge em segundo lugar, com 68,9%. João Portugal chega aos 47,% e Anabela Tabaçó fica-se pelos 27,8%. 
A sondagem faz ainda a avaliação (de um a cinco) dos candidatos e do executivo camarário, com Santana Lopes de novo com vantagem destacada, chegando aos 4,1. Por sua vez, o executivo camarário obtém 3,9, Carlos Monteiro 3,6, Anabela Tabaçó 3,4 e João Portugal 3,3. 
Contactado pelo DIÁRIO AS BEIRAS, sobre os resultados da sondagem, Santana Lopes foi comedido na reação. “Agora é agora; daqui a um ano, se verá como será”, respondeu o autarca. Santana Lopes, que afirmou recentemente ao DIÁRIO AS BEIRAS que ainda não decidiu se vai recandidatar-se, foi eleito presidente da Câmara da Figueira da Foz em 2021, sendo candidato da FAP, com maioria relativa. O movimento independente elegeu quatro vereadores, o mesmo número do PS. O PSD elegeu um, que acabaria, em junho do ano passado, por integrar o executivo camarário. 
Em 2021, o PS, após 12 anos consecutivos no poder local na Figueira da Foz, manteve a maioria na Assembleia Municipal. Por outro lado, conquistou 11 das 14 juntas de freguesia - a FAP governa em duas e o PSD numa.»

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

UM RAPAZ DE VISEU, EM LOS ANGELES (E NO SEU PRÓPRIO PAÍS…)


FOTO:
DAQUI

TEXTO: ALFREDO PINHEIRO MARQUES, DATADO DE 12 DE AGOSTO DE 2024

«12.08.2024, completaram-se quarenta (40) anos desde 12.08.1984… o dia em que o Homem da Maratona — o rapaz de Viseu… — conquistou para Portugal a primeira Medalha de Ouro dos Jogos Olímpicos. E conquistou-a nem mais nem menos do que na prova da maratona… A mais importante, mais simbólica e mais difícil de todas, na versão moderna desses Jogos que os Gregos criaram na Antiguidade e que a finura francesa renovou e recomeçou a partir do século XIX, e que, por isso, depois, a partir do século XX, se tornou o principal palco mundial, e ainda hoje (nesta semana que agora passou) o continua ser.

Carlos Lopes, o rapaz de Vildemoinhos (Viseu), é o homem por quem o autor destas linhas tem, e sempre teve, a maior admiração e o maior respeito, por entre todos os seus concidadãos e contemporâneos portugueses da segunda metade do século XX e dos inícios do século XXI. E eu sempre soube que, um dia, mais cedo ou mais tarde, iria escrever sobre ele, e dizer publicamente isso mesmo. E esse dia chegou. É hoje, quarenta anos depois.

Quando eu próprio estive em Los Angeles, em 1992 — em Westwood, na UCLA, ali ao lado de Beverly Hills, de Rodeo Drive, e de Hollywood… —, foi a sombra desse rapaz de Vildemoinhos que eu lá então pressenti, e procurei… Quando percebi que, sendo eu também vindo de Viseu, tinha chegado lá… E lá estava, eu, ao lado da "Meca" dos sonhos e das ilusões do mundo moderno inteiro… Do verdadeiro centro do mundo, da "Sociedade do Espectáculo".

Essa sombra foi a coisa mais verdadeira que lá encontrei (talvez só acompanhada pelo bronze de um busto de Aldous Huxley, na biblioteca da UCLA, de que também ia à procura?).

Pensei em Séneca. "Não há nada pior para a formação de um bom carácter do que perder tempo a assistir a espectáculos"… Estamos sós. Nascemos sós. Devemos fazer a nossa própria corrida (mas, contra nós próprios…). Sós. Para nos testarmos a nós próprios. Para sabermos até onde poderemos chegar. É esse o espírito ("that's the spirit…"). Olímpico.

Devemos ser nós a escolher a direcção e a disciplina, seja ela qual for. Seja ela mais ou menos difícil (mas as mais difíceis são as melhores). Ou aceitar a que o acaso do destino nos propiciou, mas… tornando-a nossa, por vontade ("dúplice dono de dever e de ser"… "calmo sob mudos céus"…). Tornarmo-nos naquilo que já somos, segundo o conselho nietzscheano.

E… sobretudo, depois, devemos correr… Correr por correr. Como se fosse sem ser por nada (nós sabemos porquê…). Por uma coroa de ramos de oliveira, ou qualquer outra coisa assim, que tivermos escolhido. Devemos ser olímpicos. Na nossa vontade, pelo que queremos, e no nosso desprezo, pelo que desprezamos.

Carlos Lopes, o homem que se fez a si próprio e que, em 1984, neste mundo (no centro deste mundo, tal como ele já então era… i.e. em LA.…), veio a ter o maior dos triunfos planetários possíveis, tinha, antes disso — 37 anos antes disso — nascido pobre.

Em Portugal, país pobre (tal como sempre foi, e continuou a ser).

Quando Carlos Lopes tinha onze anos de idade, foi servente de pedreiro. Para ajudar a sustentar a família (sendo o mais velho de oito irmãos). Ele até teria querido, então, ser jogador de futebol, no clube da sua terra, o Lusitano de Vildemoinhos. Mas foi recusado, e veio antes a fazer parte de uma secção de atletismo que ele próprio lá criou, juntamente com os seus amigos de então, nesse clube da sua aldeia, nos arredores de Viseu. Eles começaram a correr, uns atrás dos outros, num pinhal na Beira Alta, a ver quem era o que chegava primeiro. Foi assim que se criou um futuro campeão de corta-mato, e de estrada, e de longa distância.

A primeira competição oficial em que participou foi a corrida de São Silvestre, em Viseu, em 1965. À medida que cresceu, corrreu todo o circuito das competições de atletismo nos circuitos locais e regionais da Beira Alta, à volta de Viseu. Os resultados eram invulgares e, por isso, depois, teve a oportunidade de ir para Lisboa, em 1967, e aí correr por um clube da capital, o Sporting, e ser treinado pelo melhor treinador da época, Mário Moniz Pereira. E ele era sportinguista… quis ir… Recusou a Académica de Coimbra e o Benfica de Lisboa. Agarrou essa oportunidade de ser treinado pelo melhor treinador português, como já tinha agarrado as anteriores, ao mesmo tempo que, sempre (para poder sobreviver, enquanto corria…) trabalhou como empregado de mercearia, como serralheiro, como contínuo de um jornal e de um banco.

O que, portanto, quer dizer que os dois portugueses que depois vieram a ganhar prémios internacionais verdadeiramente importantes, de primeiro nível mundial — Carlos Lopes a Medalha de Ouro Olímpica em 1984, e José Saramago o Prémio Nobel da Literatura em 1998 —, haviam sido, antes disso, ambos, serralheiros… ou aprendizes de serralheiros…

Tão diferentes, mas, nisso, unidos: pobres, num país de pobres.

Em 1970 já brilhava em Portugal inteiro, e não somente em Viseu. E em 1976 já estava em circuitos internacionais, e ganhou o Campeonato do Mundo de "cross-country" (corta-mato, sem ser nos pinhais de Vildemoinhos). Depois, nos Jogos Olímpicos, fez o cursus honorum como deve ser feito, longamente, começando desde o princípio… Em 1972, em Munique, para aprender… e em 1976, em Montréal (já sabendo), para ganhar… E só não ganhou, logo então, o ouro da corrida de 10.000 metros (teve que se contentar, por enquanto, com a Medalha de Prata) porque, no fim, à última hora, depois de dominar a corrida toda, esse ouro de Montréal foi para o seu grande rival de então, o finlandês Lasse Viren, que era polícia (nessa época, todos eram então ainda amadores, e não eram mercenários comercialmente subsidiados…). O rival que, para além de ter uma grande capacidade atlética, beneficiava também de práticas tecnológicas e de estratégias de treino então ainda muito pouco divulgadas (como a de fazer transfusões sanguíneas), as quais seguramente não estavam ao alcance de um atleta português.

Foi uma desilusão. Mas, em todo o caso, nesse momento, com essa Medalha de Prata dos 10.000 metros, foi assim ganha para Portugal, pela primeira vez, desde sempre, uma medalha olímpica em atletismo. Foi mostrado que era possível. Por esse rapaz de Viseu.

E, mais importante ainda, ele aprendeu, para o futuro ("fui enganado por um polícia"…).

Continuou. Em Julho de 1984, enquanto se preparava, em Portugal, para os novos Jogos Olímpicos, que iam ter lugar nos Estados Unidos no mês seguinte, foi atropelado… Atropelado enquanto treinava, correndo, numa rodovia, no meio do trânsito desordenado de Lisboa (e foi atropelado pelo carro do candidato a presidente de um clube lisboeta, o clube em que ele próprio treinava, e em frente ao estádio do outro clube lisboeta…).

Quando se levantou do chão, e deu conta de que até ainda conseguia correr, diz que percebeu, logo então, que ainda viria a conseguir ir para a América, competir, e ganhar.

Recuperou, foi, e ganhou. Quinze dias depois desse atropelamento, em 12 de Agosto de 1984, venceu, destacadíssimo, a prova mais importante e mais emblemática de todas as do atletismo mundial, a maratona, nos Jogos Olímpicos de 1984 em Los Angeles.

Foi, portanto, o primeiro português a ser medalhado com Ouro, nos Jogos Olímpicos.

Na Maratona.

Tinha andado ao longo dos últimos dois anos e meio a treinar especialmente só para isso — só para a maratona —, e a participar em provas dessas (sem nunca ganhar nenhuma delas… e, às vezes, até desistindo…), só para ver e vigiar os potenciais adversários, sem dar nas vistas.

Tinha sobre eles a enorme vantagem de (embora deliberadamente não dando nas vistas nessa especialidade de maratona) ser um dos melhores, ou o melhor, de todos os atletas nas especialidades de 10.000 e 5.000 metros; e portanto poderia vir assim a surpreender todos os adversários futuros, com uma aceleração e uma ponta final arrasadora nos últimos cinco quilómetros, se lá chegasse, quando um dia viesse a correr a sério, para ganhar, uma prova de 42 quilómetros e 195 metros, como é a maratona… E foi isso o que veio a acontecer.

Em Los Angeles correu os dois últimos quilómetros saboreando isso; e quando por fim entrou, sozinho, e destacadíssimo, naquele Coliseu californiano, saudou o público — de 90.000 pessoas… — com tanta ou mais efusividade do que aquela com que esse público, surpreendido, e em delírio, o estava a saudar a ele… E, mesmo depois de já ter passado a meta, continuou a correr, para dar mais uma volta ao estádio… saudando…! Viseu em LA…

O seu tempo de então, de 1984, viria a continuar sem ser batido por ninguém durante VINTE E QUATRO (24) ANOS. Foi, então, de 2 horas, 9 minutos e 21 segundos… Um recorde que durou até aos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008. E, logo depois, no ano seguinte, em 1985, para além de já ter batido o recorde olímpico, Carlos Lopes bateu também o recorde mundial absoluto, em Roterdão, com 2 horas, 7 minutos e 12 segundos …

Ganhou a maratona, em LA, quando tinha mais idade do que qualquer outro vencedor: trinta e sete (37) anos de idade.

Foi o último vencedor europeu nas provas todas de longa distância, antes do domínio avassalador desse tipo de provas pelos atletas extra-europeus, etíopes, quenianos, etc..

As suas duas medalhas olímpicas conseguidas para Portugal, uma de Ouro e outra de Prata, continuaram a ser o melhor resultado olímpico obtido por um só homem, para este país, durante os quarenta (40) anos seguintes. Até às Olimpíadas que agora estão em curso em 2024 em Paris… 

E Carlos Lopes continuou a ser o mesmo homem que sempre havia querido ser, e nunca se deixou instrumentalizar ou manipular para qualquer fim, político, partidário ou comercial, ao serviço seja do que for ou de quem for. Na sua própria terra, em Viseu, e no país. Olímpico.

Ele fala por si mesmo. Carlos Lopes é um homem inteligente, e corajoso, e que bem sabe — e bem afirma, claramente (em Viseu, e em Lisboa, e no país inteiro) —, que foi a democratização, em Portugal, no pós 25 de Abril de 1974, que veio a permitir que a sua carreira tenha sido feita como foi, e tenha tido os êxitos que teve. Para além, claro, da razão e força principal do seu destino e dos seus êxitos, desde Viseu a Los Angeles: a SUA VONTADE… A sua capacidade de querer, e de conseguir. E de saber o que deveria querer.

Ele sabe bem, e aponta, as razões por que a prática desportiva e a participação olímpica em Portugal não têm o desenvolvimento que deveriam ter se Portugal e as suas instituições escolares fossem capazes de se estruturar para isso, em vez de acumular retóricas e mentiras.

Esse homem fala por si.

Nunca verdadeiramente em Portugal lhe deram o reconhecimento e a admiração que há muito merecia, na dimensão que merecia. Em vez disso, foram-lhe dando, sucessivamente, um a um, os degraus todos — sucessivos… — de uma condecoração estatal que o Doutor Oliveira Salazar antes havia inventado, no seu tempo, em 1960, com o nome do mítico "Infante Dom Henrique", dos míticos "Descobrimentos"… O "Infante", cuja mentira histórica, monumental, o Estado português nunca teve coragem de deixar de oficiar, nem antes nem depois de Abril de 1974, embora toda a gente possa facilmente perceber que é um mito totalmente falso…

Foram-lhos dando todos os quatro sucessivos graus "henriquinos"… desde "Cavaleiro" até "Grã-Cruz", em 1977, 1984, 1984, 1985… E não lhe deram mais quase nada…

12 de Agosto de 2024, completam-se quarenta (40) anos desde o dia da entrada triunfal do homem de Vildemoinhos (Viseu) no Estádio Olímpico em Los Angeles.

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Não posso dizer que o conheça pessoalmente. Julgo que só eventualmente teremos falado, presencialmente, uma vez (há mais de cinquenta anos…), quando eu, muito novo, nessa época, por volta de 1972 (?), estive na organização de uma prova de "atletismo", uma corrida local, no âmbito das festas anuais da minha aldeia, na Beira Alta, e tivemos a honra da participação dele entre os corredores convidados, de Viseu, e que corresponderam ao convite. Devo ter apreciado isso, então, em alguma medida. Mas não percebi que essa breve conversa, numa rotunda antes de se chegar à minha aldeia, iria ser uma das grandes honras da minha vida.

Pela minha parte — que, ao longo da vida, depois, iria fazer um pouco de tudo, mas mal (sobretudo actividades desportivas e afins como corrida, futebol juvenil, tiro com arco, aikido e surf) — até estive em Olímpia, quando fui à Grécia no verão de 1979, mas não fiz lá nenhum desporto no estádio antigo. Não era esse o meu destino. Fiz sim, lá, no anfiteatro refeito, aquilo que toda a gente já então fazia (e os turistas ainda hoje certamente continuam a fazer): amarrotei um papelzinho… para se poder comprovar que a acústica dele é tão boa que até na última fila se consegue ouvir esse papelzinho a ser amarrotado…

Veio a ser essa, de resto, a principal e verdadeira disciplina olímpica a que eu me iria dedicar (mas com o verdadeiro espírito, o olímpico…) ao longo dos cinquenta anos seguintes: amarrotar papelzinhos (depois de neles ter escrito, antes, com uma caneta, as coisas que neles queria escrever…). E ainda hoje continuo a fazê-lo (e vou continuar…). Ainda bem que o sei fazer bem (e com o bom espírito), para poder agora estar hoje aqui a escrever este texto, sobre esse homem. Pois, na verdade, por quem eu tenho, desde há muito, de facto, a maior das admirações e o maior dos respeitos, no meu país, é por Carlos Lopes, de Vildemoinhos (Viseu).

Pergunto a mim próprio como é que esse homem se deverá sentir hoje, quarenta anos depois, em 12.08.2024, ao ver que Portugal continua como continua — igual, ou até, em alguns aspectos, pior do que sempre esteve…? —, com o Futebol (e os seus negócios, cada vez mais milionários e escuros) a dominar, esmagadoramente, na sociedade, na economia e na opinião pública… e todas as outras disciplinas desportivas a serem por isso desprezadas e esquecidas, ao longo de cada ano inteiro, durante cada quadriénio…

E, depois, nos telejornais, e nos jornais, e nos círculos decisores, toda a gente a esconder e a silenciar aquilo que toda a gente sabe: que, exceptuados os do Futebol, os resultados desportivos portugueses — na sua imensa maioria (salvo algumas pequenas excepções, que servem para confirmar a regra) — são infelizes, e simplesmente confrangedores, e pobríssimos, por falta de apoios para os atletas que, apesar de tudo, heroicamente, ainda vão insistindo em tentar praticar quaisquer outras disciplinas desportivas para além do Futebol.

Os jornalistas, e os jornaleiros, e os comentadores, e os políticos, depois, lá repetem as retóricas e as lamentações e as promessas do costume: gabam quem, apesar de tudo, tem a "resiliência" de continuar, e opinam que o que são precisas são soluções mais "robustas", para se ultrapassarem os "constrangimentos", etc., etc., etc., blá, blá, blá, blá, bá, blá, blá, bá, blá… Para que tudo continue igual, com as escolas sem desportos a sério, e as televisões (que são as verdadeiras "escolas", neste mundo que aí está…) sempre cheias de mais e mais Futebol…

O mensageiro que em 490 a.C. veio trazer a notícia da batalha de Maratona a Atenas morreu depois de correr esses 42 quilómetros (e era, apesar de tudo, uma boa notícia). Mas o nosso Carlos Lopes, de Vildemoinhos, Viseu — que em 1984 levou Portugal ao mundo inteiro, a sério, ganhando uma maratona olímpica, a sério, e desde então nos diz que devíamos desenvolver o desporto, a sério, no nosso próprio país —, está vivo, e fala por si próprio, a sério. Deveria ser ouvido (quando nos dá a má notícia do estado do desporto, a sério, neste país…). E deveria ser homenageado, a sério, como merece, na dimensão que merece. O que, de facto, até hoje, ainda não aconteceu. É possível alguma coisa a sério, neste país…?

E o desporto português continua a ser confrangedor. Portugal é o país que, desde 2004, se cobriu a si próprio de ridículo e de vergonha — um ridículo e uma vergonha que vão ficar para sempre, na sua História… — quando, nesse ano de 2004 (gastando nisso rios de dinheiros dos impostos dos seus cidadãos e de dinheiros que a Europa lhe dava para sair do seu subdesenvolvimento…?), construiu de raiz dez (10) estádios de futebol (!)… para albergar um campeonato de futebol… e chamou a isso "um desígnio nacional" [sic] (!)…

E fez isso no ano a seguir ao ano de 2003… em que o país havia ardido mais do que nunca (!), nos seus anuais incêndios florestais (até a NASA, a partir do espaço, e de lá de Pasadena, em Los Angeles… fotografou especialmente essa desgraça).

Portugal, em 2004 — vinte anos depois de 1984… —, na sua política e na sua sociedade e no seu desporto, foi uma anedota, e uma tragédia…

E o que é, hoje em dia… em 2024, quarenta anos depois…? E o que pode ser, no futuro?»