Citando Margarida Davim.
«Eduardo Lourenço dizia que “não trabalhar foi sempre, em Portugal, sinal de nobreza”, o trabalho, dizia, era “para o preto”. Por muito que os portugueses se tenham matado sempre a trabalhar, as elites nacionais fugiam como o Diabo da cruz da ética protestante do trabalho. Hoje, essa fuga ao trabalho é incutida nos filhos pelas classes a quem o 25 de Abril deu instrumentos de mobilidade social. Aqueles que sabem o que era amargar no campo, nem que seja pela memória da avó de lenço na cabeça e pés descalços, querem poupar os filhos a isso. É perfeitamente compreensível. Só não se entende quem, afinal, virá fazer o trabalho, se não o queremos feito por nós nem pelos nossos filhos e também não queremos que cá venham os de fora fazê-lo.»
«Eduardo Lourenço dizia que “não trabalhar foi sempre, em Portugal, sinal de nobreza”, o trabalho, dizia, era “para o preto”. Por muito que os portugueses se tenham matado sempre a trabalhar, as elites nacionais fugiam como o Diabo da cruz da ética protestante do trabalho. Hoje, essa fuga ao trabalho é incutida nos filhos pelas classes a quem o 25 de Abril deu instrumentos de mobilidade social. Aqueles que sabem o que era amargar no campo, nem que seja pela memória da avó de lenço na cabeça e pés descalços, querem poupar os filhos a isso. É perfeitamente compreensível. Só não se entende quem, afinal, virá fazer o trabalho, se não o queremos feito por nós nem pelos nossos filhos e também não queremos que cá venham os de fora fazê-lo.»
O que valeu na agricultura, passou-se na pesca, acrescento eu que conheço bem essa realidade.
Enquanto povo demitimo-nos e esquecemos os limites da decência e da competência.
Duvidam. Os sinais estão aí e não enganam.
Citando novamente Margarida Davim.
«“As pessoas conseguem ser muito más”, diz a minha sobrinha, 9 anos acabados de fazer, enquanto falamos sobre as notícias acerca de um grupo de pessoas que deram à costa no Algarve e lhe explico que elas terão de abandonar o País. Quando se tem 9 anos, o difícil é entender por que motivo não se acolhem aqueles que arriscaram a vida, dias a fio numa casca de noz, a tentar fugir da miséria. “As pessoas são burras”, acrescenta a minha filha, de 7 anos, indignada, enquanto explica à prima que quem vem para cá só está à procura de um trabalho e de viver num país em paz. “Se houvesse uma guerra, eu também fugia”, diz ela, olhando para o mar, talvez à procura de vestígios de outras embarcações que pudesse salvar. Faz uma pausa. E começa a explicar à prima que as bolas de Berlim que acabaram de me pedir na praia foram trazidas para Portugal por judeus que fugiam à guerra “e a um mau mesmo muito mau”.»
Temos corruptos e apontados corruptos a candidatarem-se a eleições. E as sondagens colocam alguns no poder.
O regime democrático está transformado numa partidocracia. Os partidos políticos foram tomados de assalto por grupos de interesses.
Os políticos, na sua esmagadora maioria, são verdadeiros vendedores de banha-da-cobra.
Os homens bons da terra, foram substituídos pelos padrinhos, por políticos de aviário, os chamados jotinhas.
A merda da realidade (ou melhor, a realidade de merda) está aí.
Continuando a citar Margarida Davim: «Suponho que a empatia seja uma coisa que se gasta. Parecemos bastante dotados dela quando ainda não chegámos à puberdade e entendemos facilmente a ideia de ajudar quem precisa. Depois, começamos a ficar enterrados dentro do próprio umbigo, assustados com um conceito que as crianças não dominam: a escassez. Quanto mais nos convencemos de que o que existe é limitado, mais ameaçadora nos parece a ideia de partilhar o que temos. A questão é que existe, muitas vezes, uma manipulação da ideia de escassez: apresentam-nos como escassos bens que poderíamos facilmente partilhar, ao mesmo tempo que se ocultam as possibilidades multiplicadoras que têm certas ações. Uma fila de gente com turbante à porta de um Centro de Saúde no litoral alentejano parece uma ameaça à possibilidade de ter uma consulta, num local onde há cada vez menos médicos. Uma fila dessa mesma gente no campo, apanhando fruta sob um sol escaldante, pelo contrário, não parece suscitar qualquer ideia sobre os benefícios desse trabalho. Porquê? Porque, muito provavelmente, os benefícios desse trabalho sofrido e mal pago vão quase exclusivamente para os bolsos de quem explora aqueles campos agrícolas e não é obrigado a dar nada (ou quase nada) em troca à população que ali vive.
Quando um produtor de vinho desespera porque não consegue contratar pessoal para a vindima, apesar de oferecer boas condições, oiço-o a explicar-me que os jovens lá da terra se recusam a trabalhar e nem lhe atendem o telefone. São portugueses e não vivem de outro subsídio que não seja a mesada paga pelos pais, que lhes garantem telefones topo de gama e um verão sem responsabilidades, entre os ecrãs e as praias fluviais da zona. Os mesmos pais que se incomodam com a presença cada vez mais visível de africanos e indostânicos nas ruas da terra, onde nunca antes se tinha visto gente tão escura, vindos precisamente para aceitar os trabalhos que que os seus filhos recusam.»
O interesse público foi metido na gaveta e os interesses partidários e clientelares norteiam a malta governante.
O princípio da legalidade, é elástico e moldado aos interesses dos grupos de pressão.
As estruturas do Estado sugadas até ao amago. Veja-se o que acontece aos biliões dos fundos europeus, o que acontece nos Institutos públicos, nas enpresas públicas por onde se passeiam regularmente os cães de fila, os homens de mão dos partidos, sugando milhões aos cofres do Estado, directa e indirectamente, enquanto o povo sua as estopinhas para pagar a factura.
O compadrio, a cunha e a informação privilegiada, tornaram-se a forma habitual e banalizada de gerir a coisa pública.
Temos o negócio admitido (quando não fomentado) dos incêndios.
Os projectos megalómanos decididos sem estudos prévios mas que certamente servem interesses clientelares ávidos destes ElDorados, destes paraísos da corrupção, capazes de transformar orçamentos de milhões em despesa de biliões. Para a sua barriguinha, para a barriguinha dos senhores políticos e quejandos e dos respectivos partidos políticos.
A terminar, citando Margarida Davim.
“Vocês não vão expulsar ninguém, ninguém. E muito menos milhões de pessoas. Primeiro, porque se expulsam tanta gente, no final vai ter de trabalhar até o Abascal. E, segundo, porque não representam os imigrantes. Representam os empresários que os exploram. E se os empresários exploradores perceberem o que querem fazer, até vos comem”.
Não podendo andar a distribuir enxadas ou luvas de trabalho entre os apoiantes dos partidos que querem criminalizar a imigração, talvez seja importante voltar à ideia do trabalho como fonte de dignidade. Não o dinheiro. Não o sucesso. O trabalho. Aquilo que se consegue fazer usando as mãos e a cabeça. Aquilo que produz alguma coisa.»

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