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Luís Ramos Pena, na Voz da Figueira:
"Corria o ano de 2004 quando o edil local, coadjuvado por alguns vereadores, defendia “com unhas e dentes” a implantação de um “hotel de referência” para o terreno sito na Ponte do Galante.
O terreno em causa era municipal e tinha sido vendido através de hasta pública nos finais de 2001 com uma finalidade bem precisa: a construção de um hotel com 4 andares e com a classificação mínima de 4 estrelas.
A escritura propriamente dita só viria a concretizar-se em 26 de Junho de 2003, altura em que a empresa Imofoz, única concorrente à hasta pública, comprou de manhã o terreno por 1.850.540,20€ para, algumas horas depois, no mesmo dia, o ir vender à Fozbeach por 2.992.787,38€.
Entre a data da hasta pública, realizada no Município em 18/12/2001, e Junho de 2003 foi preparado, nas costas dos cidadãos, um plano de pormenor para permitir o edificado que hoje pode ser constatado no local e arrepia qualquer ser humano que tenha o mínimo de gosto e sensibilidade.
A confecção desse “prato” foi digna de um verdadeiro “chef”, com avental a rigor, e secretamente cozinhado com os melhores conselhos e pareceres encomendados aos vários patamares da administração pública. Com efeito, a elaboração do Plano de Pormenor da Ponte do Galante processou-se no maior sigilo, à revelia dos princípios de participação democrática das populações na elaboração dos planos, e portanto sem dar oportunidade aos munícipes de nele intervirem com as suas sugestões. Na proposta do Plano, a unidade hoteleira do pré-anunciado hotel – fundamento da suspensão – transita para hotel de apartamentos e, mantendo a mesma área de implantação, dos iniciais 4 passa para 16 pisos, aumentando exponencialmente a densidade prevista para o local.
Entretanto, a Câmara Municipal procedeu à desafectação de terrenos que continuam no uso público (passeios) para os poder vender directamente à Fozbeach, SA já na vigência da suspensão do Plano de Urbanização. Os cidadãos, na altura, mostraram a sua indignação, não tanto pela torre, agora acabada de inaugurar com pompa e circunstância, mas sobretudo pela vergonhosa envolvente pouco condizente e apropriada para acompanhar o denominado “hotel de referência”.
Os figueirenses foram insultados com a plantação dessa selva de betão composta por sete blocos de apartamentos e 298 fogos – alheia ao interesse público – e visando apenas o enriquecimento de um promotor.
Já na altura, estávamos em 2004, muitas vozes afirmavam que a Figueira tinha milhares de apartamentos devolutos. Custa muito ter razão antes do tempo, sobretudo vários anos antes do rebentar da crise em 2008…
Mas o poderio económico foi mais forte do que a razão dos cidadãos e o fenómeno da Ponte Galante ficará na história como um exemplo de escola do bom funcionamento do bloco central de interesses (elementos do PSD e elementos do PS, de nível superior, colaboraram intimamente para que o projecto florescesse).
Infelizmente, os enormes erros urbanísticos cometidos nesta cidade, durante os anos 80 e 90, não serviram de emenda…
O Galante é um mero caso particular de uma síndrome nacional que arrasou a economia e o território para beneficiar um grupo ínfimo de “promotores”. Constituiu um oásis para o “pato bravismo” – há quem lhe chame “chico espertismo” – que, ao não conseguir na íntegra os seus objectivos, não se coibiu de emparedar algumas habitações contíguas ao empreendimento imobiliário.
Agora, em 2014, façamos votos para que venham centenas de charters com turistas chineses, russos ou quiçá angolanos, para fazerem a devida ocupação do hotel de apartamentos, tanto mais que, em vez de uma envolvente verde condigna, consta que há por ali uma envolvente cor-de-rosa com striptease…"
Jorge Tocha Coelho, no Diário de Coimbra
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