De vez em quando, há quem elogie o que vou deixando escrito ao correr do teclado por aqui...
Eu, claro, por um lado, aprecio, mesmo colocando a hipótese de esses raros elogios poderem vir dos únicos a pensar assim dos meus escritos e, por outro lado, admitindo que todos os outros que não se manifestam pensarão o contrário.
Vamos supor, porém, que um destes dias, alguém vem até aqui discordar e, ainda por cima, considera que não passo de um imbecil.
Como devo reagir?
Primeiro: não encarar isso como um insulto?
Segundo: considerar que esse alguém, apenas, está a chamar-me "imbecil" apenas porque discorda de mim?
Vamos lá tentar raciocinar: se eu aceito o elogio, devo também aceitar a posição contrária.
Seria absurdo aceitar apenas o que elogia, impedindo todos os outros de manifestarem a sua opinião.
É uma questão da mais elementar justiça, a qual pressupõe um equilíbrio entre duas posições simétricas.
Permitir apenas uma delas, desequilibraria por completo a ordem das coisas.
Por outro lado, mas ainda na sequência do anterior, permitir apenas elogios anula o valor desses elogios, envolvidos que ficam num desolador embrulho de pensamento único.
Se alguém acredita mesmo que sou um imbecil, como poderei eu obrigá-lo a acreditar que não o sou?
Sem deixar de ter razões para me sentir desconfortável pela possibilidade de alguém me considerar imbecil, como posso ter a certeza de que o sou, ou não o sou?
Desde já garanto que sou a pessoa mais imparcial do mundo para julgar as minhas capacidades, sobretudo, quando mexem com uma minha putativa imbecilidade.
E, admito, que por haver quem me elogia não anula a realidade de poder ser verdade o contrário.
Independentemente dos comentaristas terem ou não razão, beneficiei do facto de alguém me ter chamado imbecil.
Por um lado, obrigou-me a pensar sobre o assunto, através de um exercício introspectivo, e indagando pessoas que considero e respeito, que me disseram de sua justiça sobre o assunto.
Se tivesse motivos para acreditar que podia ser mesmo imbecil, devia agradecer ao comentarista ter-me dado a oportunidade de o saber, abrindo assim a possibilidade de deixar de o ser.
Como cheguei à conclusão de que não sou imbecil, fique sabendo que, a meu respeito, existem verdades mais razoáveis do que a sua.
Resta-me, doravante, continuar no mesmo caminho: continuar a fazer tudo o que estiver ao meu alcance para impedir qualquer possibilidade de algum anónimo imbecil, ter a imbecil covardia de me considerar imbecil a mim.
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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