A Maria Graça Fernandes, a "Graça Polícia" é a das últimas, se não mesmo a última, das peixeiras da minha Aldeia.
Neste momento, é a única que continua a vender porta a porta.
Vende de tudo o que é produto do mar: sardinha, carapau, polvo, caranguejo da pedra, percebes (percebos, como ela lhe chama...), navalheiras, raia, robalo, tainha - eu sei lá que mais?
É uma das figuras mais extrovertidas, simpáticas e típicas da Aldeia.
Tem "o coração ao pé da boca". Por vezes, chega a ser bastante desbocada. Contudo, sempre com graça e com simpatia. Diz os maiores palavrões, mas de forma espontânea e natural.
A Maria Graça Fernandes, para os amigos e amigas a "Graça Polícia", como mulherão que continua a ser, em dias de festa sempre gostou de dar nas vistas.
Na Festa de S. Pedro costuma apresentar-se da forma mais cuidada e aprimorada que conheço.
E aqui é que está a genuína singularidade da Maria Graça Fernandes, a "Graça Polícia".
Num tempo em mudança constante, que contrasta com a vida de há 40 anos, em que quase tudo mudou de forma notável, mas por vezes imprevista, em que ganhámos em comodidades, mas perdemos em "beleza espiritual", na Aldeia ainda existe a Maria Graça Fernandes, a "Graça Polícia".
E ainda bem. Traz-nos algo especial e único: o traje regional, tão rico, vistoso e interessante, com adornos e cores, praticamente desaparecido, ou, pelo menos, raramente visto.
Na nossa zona - o litoral - isso ainda é mais perceptível. Foi aqui que as modas nos "obrigaram" a vestir indumenárias uniformes, banais, se não mesmo ridículas.
Trajes que recordam o passado, como o que a Maria Graça Fernandes, a "Graça Polícia", faz gala em apresentar em dias de festa, sumiram-se praticamente nos dias de hoje dos olhares dos Aldeões.
A Aldeia, para além da Maria Graça Fernandes, a "Graça Polícia", sempre teve - e continua a ter - das mulheres mais bonitas de Portugal.
(Ainda que assim não fosse, jamais me veriam a dizer o contrário.)
Além da sua encatadora e proverbial beleza, a sua inteligência e a sua maneira ladina de estar na vida, o que já não é pouco, a mulher da Aldeia poderia, mesmo que fosse só em dias de festa, apresentar algo mais transcendente e digno de registo.
A mulher tradicional da Cova e Gala foi sempre uma mulher de armas. Era ela quem governava a casa, educava os filhos, comprava tudo o que o seu homem precisava - as roupas, o calçado, os bonés. Era ela quem, "portas a dentro" trazia a casa num brinquinho onde a limpeza e o asseio, apesar da pobreza, eram imprescindíveis e o seu orgulho.
Todas as semanas, de preferência ao sábado, "a casa levava volta". O soalho era varrido, lavado e esfregado com sabão amarelo e mãos hábeis e desembaraçadas. As panelas de cobre eram esfregadas com areia e sumo de limão, até ficararem polidas e da cor do ouro, para irem ocupar de novo o seu lugar nas prateleiras forradas a papel ou jornais.
A mulher na minha Aldeia sempre foi profundamente religiosa e crente. Contudo, era de uma ingénua superstição que a levava a acreditar naquilo que lhe diziam as bruxas.
Se tinha algum problema na vida, era normal mandar pôr as cartas e rezar o responso a St. António. Ainda hoje, apesar do avanço cultural das mulheres da minha Aldeia, as pitonisas continuam a ter clientela na Aldeia.
É esse mundo e essa vivência, que entretanto se perdeu na minha Aldeia, que me recorda a Maria Graça Fernandes, a "Graça Polícia", tavez a última peixeira da minha Aldeia.