Sendo associado à direita, monárquico muitas vezes e libertário outras, Miguel Esteves Cardoso ajudou o país a pensar sobre si próprio.
Muito poucos na sua geração, e em todas as gerações, pensaram Portugal através dos nossos tiques, dos pequenos gestos e angústias, dos defeitos e virtudes, das pulhices e generosidade.
Miguel foi na maior parte da sua vida um cirurgião do que somos.
Foi capaz de operar o país e de lhe fazer uma radiografia que é hoje tão válida como era há 40 anos.
Portugal é a sua doença preferida.
Que ele analisou, compreendeu e diagnosticou.
Uma doença ainda assim incurável.
Para bem dos nossos pecados - se fosse curável correríamos o risco de ele deixar de escrever, seria uma pena e uma perda para mim e para ti se o lês.
Miguel é um homem que acredita na liberdade, apesar de ser ferozmente individualista.
É um homem de direita, apesar de ser um otimista sobre a capacidade humana.
É um conservador, sendo um revolucionário.
É um militante sem fé da causa monárquica que defende intransigentemente os comunistas.
Um dia foi entrevistar Álvaro Cunhal com a ideia de lhe fazer perguntas muito difíceis e saiu de lá sem ter feito nenhuma pergunta difícil - como poderia se ele foi tão simpático para mim, respondeu a quem quis saber a razão de ter falhado a missão.
Nasceu e viveu em função do prazer de estar aqui.
De dizer bem, de dizer que amava, de dizer que aquele sabor é maravilhoso, que aquela voz é prodigiosa, que aquele plano o marcou, que aquela atriz o arrebatou.
Ah, e escreve maravilhosamente.»