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segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Maria Archer, uma grande escritora que escreveu sobre a Cova, é homenageada hoje em Lisboa

Realiza-se hoje na Biblioteca Nacional um colóquio que marca as comemorações dos 40 anos da morte da autora de Ela é Apenas Mulher, uma voz insubmissa durante a ditadura do Estado Novo. 
Quarenta anos depois da sua morte, a escritora portuguesa Maria Archer (1899-1982), autora de Ela É Apenas Mulher, romance considerado escandaloso em 1944, mas também de Ida e Volta duma Caixa de Cigarros (1938) e de Casa Sem Pão (1947), censurados e apreendidos pela PIDE durante a ditadura do Estado Novo, além de vários livros sobre África, onde viveu, e de outros, como Os Últimos Dias do Fascismo Português, refectindo o seu trabalho como jornalista, tem um dia inteiro dedicado a si e à sua obra na Biblioteca Nacional de Portugal. 
O colóquio internacional Maria Archer: reflexos e reflexões, que tem entre os seus convidados investigadores de universidades portuguesas, brasileiras, espanholas, francesas e norte-americanas, acontece hoje no auditório da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), em Lisboa, a partir das 9h30. Tem entrada livre, sujeita a inscrição, e terá transmissão online via Zoom (o ID da reunião é 848 6544 3846 e a senha de acesso 096452). 
“Maria Archer terá o reconhecimento que ela merece”, diz ao jornal Público numa conversa telefónica a académica brasileira Elisabeth Battista, autora de Maria Archer — o legado de uma escritora viajante (Edições Colibri). É uma das convidadas deste colóquio que abordará as facetas fundamentais desta autora de romances, novelas, contos, crónicas, ensaios, peças de teatro e literatura infantil, sobre quem o crítico João Gaspar Simões escreveu em 1949: “Abram os olhos, Exmos. Senhores, têm diante de vós um escritor, porque os seus contos embora tenham sexo — nas observações que a denunciam e nos temas que tratam — não o tem: são portanto do sexo nobre, o primeiro sexo! […] Maria Archer afirma-se indiscutivelmente um dos nossos primeiros contistas e um grande escritor português!” (na crítica ao livro Há-de Haver uma Lei). 
No Portugal “provinciano e moralista dos anos ditadura fascista, com uma censura atenta às entrelinhas”, como escreveu Maria Teresa Horta no prefácio de Ela é Apenas Mulher, Maria Archer tinha uma “linguagem invulgarmente livre para a época”

OUTRA MARGEM, numa postagem de 18 de Agosto de 2015, referiu-se a Maria Archer nestes termos.
Maria Emília Archer Eyrolles Baltasar Moreira, conhecida como Maria Archer (Lisboa, 4 de Janeiro de 1899 - Lisboa, 23 de Janeiro de 1982), foi uma escritora portuguesa.
Nascida em Lisboa, mudou-se para Moçambique com os pais e seus cinco irmãos em 1910. Só terminou a escola primária aos 16 anos, tendo para isso que insistir com seus pais, que achavam desnecessária a sua formação. A família voltou para Portugal em 1914, mas dois anos depois estava novamente na África, desta vez na Guiné-Bissau.
Em 1921, enquanto o seu pai regressava a Portugal, Maria Archer casou-se com o também português Alberto Teixeira Passos. O jovem casal fixou residência em Ibo. Cinco anos mais tarde, após o surgimento do Estado Novo e a crise subsequente, o marido perdeu o emprego num banco e os dois mudaram-se para Faro. Em 1931, divorciaram-se.
Separada, foi morar com os pais em Luanda, onde iniciou sua carreira literária. Publicou a novela Três Mulheres, num volume que continha também a aventura policial A Lenda e o Processo do Estranho Caso de Pauling, de António Pinto Quartin.
Voltou para Lisboa, onde iniciou um período de intensa actividade, produzindo obras sobre a sua vivência na África. Em 1945, aderiu ao Movimento de Unidade Democrática (MUD), grupo de oposição ao regime salazarista. A partir daí as suas obras passaram a ser censuradas. O romance Casa Sem Pão (1947) foi apreendido. Sem condições de viver da sua produção intelectual, refugiou-se no Brasil, onde chegou em 15 de julho de 1955.
No exílio, colaborou com os jornais O Estado de S. Paulo, Semana Portuguesa e Portugal Democrático e na Revista Municipal de Lisboa (1939-1973). Alternou entre a literatura de temática africana e as obras de oposição à ditadura portuguesa. Também se encontra colaboração da sua autoria na revista Portugal Colonial  (1931-1937).
Voltou para Portugal em 26 de Abril de 1979, internada na Mansão de Santa Maria de Marvila, em Lisboa, um asilo onde passou seus últimos três anos de vida.
Durante a vida, Maria Archer foi uma inconformista,  consciente das discriminações e das injustiças, em geral, e, em particular, das  que condicionavam o sexo feminino, numa sociedade  retrógrada e, como se diria em linguagem actual, "fundamentalista", em que o regime  impôs a regressão às doutrinas e práticas de um patriarcalismo ancestral.
A escrita, servida pelos dons de inteligência, de observação e de expressividade foi  para Maria Archer uma arma de combate  político. Como disse Artur Portela, "a sua pena parece por vezes uma metralhadora de fogo rasante"
É um combate em que a sua vida e a sua arte  se fundem - norteadas por um ostensivo  propósito de valorização dos valores femininos, de libertação da mulher e, com ela, da sociedade como um todo.
Ela é já uma Mulher livre num país ainda sem liberdade - coragem que lhe custou o preço de um longo exílio ...
Maria Archer é uma grande escritora E pode ser lida apenas como tal. Mas permite também diversas outras leituras.
Uma leitura sociológica, antropológica, política...
Ninguém como ela  escrutinou e caracterizou o pequeno mundo da sociedade portuguesa da primeira metade do século XX, das famílias, pobres ou ricas, decadentes ou ascendentes, aristocratas, burguesas, "povo" - todos  imersos na nebulosa de preconceitos de género e de classe, de vaidades, de ambições, de prepotências e temores...
"Aurea mediocritas", brandos costumes implacáveis... o mundo de contradições de um Estado velho, que se chamava Estado Novo.
Ou uma leitura feminista... 
Ninguém como ela conseguiu corroer essa imagem da "fada do lar", meticulosamente construída sobre a ideia falsa da harmonia de desiguais (em que, noutro plano, se baseava a ideologia corporativa do regime), da falsa brandura do autoritarismo e da subjugação no círculo pequeno da família como no mais alargado, o  do País. 
Maria Archer é uma retratista magistral da mulher e da sua circunstância... O rigor da narrativa, a densidade das personagens, a qualidade literária, só podiam agravar, aos olhos do regime, a força subversiva da  denúncia. Na crueza da palavra. Na nitidez do traço... 
O regime não gostou desses retratos femininos, como não gostava da Autora. Primeiro, tentou desqualificá-la, desvaloriza-la. Sintomática a opinião de um homem do regime, Franco Nogueira, que em contra-corrente , num texto com laivos misóginos,  a apresenta como apenas uma mulher a falar de coisa ligeiras e desinteressantes, (como o destino das mulheres....). 
Sintomático também que a crítica seja divulgada pela própria editora da romancista, a par de tantas outras, todas de sentido contrário.
Não tendo conseguido os seus intentos, o Poder passou à acção: os seus livros foram  apreendidos,  os jornais onde trabalhava ameaçados de encerramento... Maria Archer viu-se forçada a partir para o Brasil - uma última e infindável aventura de expatriação, de onde só viria, envelhecida e fragilizada, para morrer em Lisboa.
Mas o desterro não foi pena bastante! 
Teresa Horta, no prefácio da reedição de "Ela era apenas mulher" afirma que Maria Archer foi deliberadamente apagada da História. 

Elegância é uma palavra que quadra com Maria Archer. Caracteriza-a na maneira como pensou, como escreveu, como se vestiu e apresentou em sociedade, como viveu a vida inteira, até ao fim...
Ousou ser Maria Archer, sem pseudónimos...
Noutra postagem, esta de 24 de Agosto de 2015, OUTRA MARGEM, escreveu sobre a autora hoje homenageada em Lisboa. 
Recordar a Aldeia
imagem sacada daqui
Maria Archer, grande escritora, homenageada sábado passado, na Cova-Gala, em 1938 na  sua novela "Entre Duas Viagens" escrevia assim sobre nós. 
"No primeiro domingo de Janeiro faz-se na Cova a romaria anual a São Pedro, padroeiro dos pescadores. No extremo da povoação, num ermo desabrigado, ergue-se a pequena e humilde capela do santo. Em redor alongam-se as dunas cobertas de juncos, enquadradas pelo pinhal e pelo mar. S. Pedro, se viesse dos areais da Judéia, com as suas rústicas sandálias de caminheiro pobre, as suas barbas austeras, a face tostada pelo ar salgado, sentir-se-ia à vontade entre a gente da Cova e no seu agreste cenário de deserto ribeirinho".

sábado, 8 de outubro de 2022

O Estado Novo em que os intelectuais não eram espancados, mas altamente vigiados, silenciados.

"Brandos Costumes… O Estado Novo, a PIDE e os intelectuais, com coordenação de Luís Reis Torgal, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2022, é um livro que resulta de um projeto de investigação que pretende desvelar o comportamento da polícia política e da censura do Estado Novo face a intelectuais que não eram nada amáveis com o regime forjado por Salazar. 
O coordenador fala-nos na introdução dos brandos costumes dentro do pensamento único exigido pelo ditador, como funcionavam os órgãos repressivos desse regime, como vigiava a PIDE quem afrontava ou procurava desmitificar a ditadura, chamasse-se Aquilino Ribeiro ou Soeiro Pereira Gomes, Amílcar Cabral ou Agostinho Neto. 
Há a preocupação de lembrar o papel da Censura, ela definia os livros cuja circulação era proibida, uma lista farta, incluía obras revolucionárias, obras que abordavam o comunismo, livros de teoria política como os de Maurice Duverger ou Raymond Aron, a obra de Sartre ou Simone de Beauvoir, não faltavam os portugueses como José Vilhena, Natália Correia, Manuel Alegre, como também algumas obras de Jorge Amado. E todos aqueles que assinavam documentos de índole política apelando à libertação de presos ou à reposição das liberdades de expressão iriam ter uma vida menos fácil.

Tomás da Fonseca, que para muitos era o Tomás das Barbas, escritor anticlerical em a quem se deve talvez o libelo mais demolidor sobre as aparições de Fátima, era alvo das atenções da PIDE, teve muitos livros apreendidos, a polícia tratava-o como simpatizante do PCP, que em todos os seus interrogatórios Tomás da Fonseca negou, a despeito das ligações fraternas que manteve com comunistas e companheiros de estrada. O seu funeral foi alvo de relatório da polícia secreta, não se escondeu que chegou um cortejo automóvel com cerca de 100 viaturas ao cemitério de Mortágua onde o esperava uma multidão de 800 a 900 pessoas.

Aquilino Ribeiro também não foi poupado, se bem que um dia Salazar lhe tenha tecido elogios, quando um jornalista francês que lhe pediu para conhecer a realidade nacional, o ditador respondeu: “Comece o seu inquérito por Aquilino. É um inimigo do regime. Dir-lhe-á mal de mim, mas não me importa: é um grande escritor.” 
Acontece que Aquilino era alvo de admiração de pessoas como Marcello Caetano, Santos Costa, António Ferro, Caeiro da Mata, Rafael Duque, incondicionais do salazarismo. O ensaio sobre Aquilino aborda o processo da rotura de Aquilino com o regime, a fúria com que foi recebido o romance Quando os Lobos Uivam, refere como Aquilino era indiciado por vários delitos, tais como: fazer perigar o bom nome de Portugal, bem como o crédito e o prestígio do Estado português no estrangeiro; fazer a apologia de crimes contra a segurança do Estado; injuriar e ofender o Presidente do Conselho e os demais ministros, etc., etc. Nem mesmo a sua indigitação para o Prémio Nobel da Literatura acalmou a vigilância da PIDE.

Com Ferreira de Castro, talvez por ser ao tempo o escritor com mais traduções, a repressão era selecionada, a PIDE considerava-o “desafeto ao regime”, sabia-se das suas ligações aos intelectuais de oposição, mas salvaguardavam-se as distâncias, Ferreira de Castro era nome sonante na literatura internacional, temia-se o ridículo pondo no Índex qualquer uma das suas obras.

Situação execrável foi o processo de Andrée Crabbé Rocha na PIDE. O marido, Miguel Torga, sempre recusou enviar as obras à censura prévia, a polícia política sentiu-se afrontada, Torga conheceu a cadeia do Aljube, livros queimados, apreendidos, proibidos. Andrée Rocha foi demitida da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1947 e cinquenta anos depois partilhou no Expresso as suas memórias: “[…] nunca nas minhas aulas de literatura portuguesa e de literatura francesa falei em política. Talvez tivessem descoberto que eu era mulher de Miguel Torga. […] nada pude fazer em relação à decisão. Passados 2 anos, abriu um concurso para professor extraordinário em que era necessário apresentar um trabalho. Preparei um sobre o Cancioneiro Geral de Garcia Resende. No dia das provas recebi um ofício da reitoria a dizer que não as podia prestar. Solicitei durante 21 anos a realização da prova, e durante todo este tempo me foi recusado. Fui obrigada a dar lições particulares em Coimbra, para onde me mudei, e frequentei outro curso, que me permitiu dar aulas em colégios particulares. Mas em 1955, até esse diploma me tiraram”. Andrée Rocha era classificada na PIDE como mulher do comunista Torga, só pôde retomar funções universitárias na Faculdade de Letras de Lisboa em março de 1970.

O percurso de Soeiro Pereira Gomes foi a de um regente agrícola que foi viver para Alhandra e se tornou empregado de escritório na fábrica Cimento Tejo, cedo se comprometeu com o ideário comunista, movia-se pela vontade de proteger os humildes, como é explícito na sua obra maior Esteiros, a vida de crianças conduzidas ao duro trabalho naquela região ribatejana. A PIDE tinha-o sob vigilância, ele teve um papel de grande importância na greve dos operários daquela fábrica, Soeiro teve que fugir, vai conhecer a clandestinidade mais dura, é um intelectual comunista. Esteiros recebeu mesmo elogios de Marcello Caetano, é obra escrita em 1941, havia uma réstia de esperança na vitória dos Aliados e que esta comportaria a queda do regime de Salazar. Dado curioso, a obra foi lida e autorizada pelo tenente-coronel Salvação Barreto, diretor da Censura, muitos anos depois esta mesma Censura considerou que o livro deveria ter sido proibido quando apareceu, “mas agora deve ser ignorado”, pois que a proibição agora só serviria à sua propaganda no nosso meio”. O escritor, agitador e quadro de topo do PCP morreu muito novo, em 1949, conceituados escritores como Ferreira de Castro reconheciam o seu imenso talento.

O leitor encontrará ainda nesta obra trabalhos bem elucidativos sobre a vigilância da PIDE a Fernando Namora, Jorge de Sena, as obras teatrais, o trabalho dos informadores da polícia política, as péssimas relações de figuras da Igreja Católica com o Estado Novo a partir da década de 1960, a PIDE no encalço de Agostinho Neto e Amílcar Cabral. Luís Reis Torgal não deixa de referir na conclusão que não passou de um mito a ideia de intolerância branda, e se é certo que a ação policial da PIDE não é comparável com os sistemas racistas e antissemitas ou com as práticas da violência sem limites no estalinismo, o regime de Salazar quis-se intransigente, perseguindo ou asfixiando as ideias e práticas anarquistas e comunistas, mas também as simplesmente liberais, católico-progressistas ou até monárquicas; e a guerra colonial veio a justificar a permanência dessa repressão deixando bem claro que isso dos brandos costumes não passou de um mito.
A pedir leitura urgente."
Mário Beja Santos

domingo, 27 de novembro de 2022

Saudosistas do Estado Novo...

Via Diário de Notícias: «Durante o debate sobre a avocação das propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2023 (OE2023), o deputado do PSD Alexandre Poço começou a sua intervenção por assinalar a data: "Viva a democracia, viva o 25 de Novembro",  sendo aplaudido de pé pela maioria dos deputados à direita.»



A seguir ao 25 de Abril de 1974, certamente por milagre, desapareceram os fascistas:  passamos a ser um País de social-democratas e socialistas democráticos.
Quem viveu activamente essa época, sabe que nos meses que se seguiram ao 25 de Abril de 1974, Portugal era um País de esquerda: a direita desapareceu.
Os partidos da direita que existiam - uma direita  "fofinha" - esmeravam-se em elogios ao MFA. 
Mais tarde, veio  o recurso ao terrorismo. Os separatistas dos Açores e da Madeira estavam nos partidos da direita, os mesmos partidos onde se esconderam os terroristas do ELP.

Agora, temos o Chega e o IL. 
São fascistas? Se lhes colocarem esta questão dizem: "claro que não".
Mas,  depois lá vão deixando escapar que antes do 25 de Abril não era tudo mau. Se calhar nem existiu a falta de liberdade, o Tarrafal, os excessos da PIDE, os democratas mortos e torturados, o analfabetismo, a fome, a miséria social e a guerra colonial. 
Alguns, ainda são capazes de defender que a PIDE era uma instituição para fazer o bem: nunca fez vítimas. Aliás, devem ter morrido muitos portugueses nessa altura, mas em acidentes na estrada. Não na guerra colonial nem às mãos dos esbirros da PIDE.

A direita portuguesa não mudou: os “velhos” fascistas envergonhados que andavam pelo PSD e CDS, têm agora o Chega e o IL para continuarem a tentar destruir o que quer que ainda cheire a 25 de Abril e a democracia.
Quem viveu esse tempo, ou leu sobre o assunto, sabe que descontando a excepção de Humberto Delgado e de mais uma meia dúzia de personalidades, a direita em Portugal, no tempo de Salazar e Caetano, convivia bem com o conforto que lhe era proporcionado pelo "Estado Novo, regime político ditatorial, autoritário, autocrata e corporativista de Estado que vigorou em Portugal durante 41 anos ininterruptos, desde a aprovação da Constituição portuguesa de 1933 até ao seu derrube pela Revolução de 25 de Abril de 1974".

Depois de ter perdido o poder, em 25 de Abril de 1974, é que a direita portuguesa descobriu que a liberdade e a democracia existiam.
O que de mais ousado aconteceu na direita portuguesa durante a ditadura foi terem assumido a designação de ala liberal do regime. Os deputados da Ala Liberal constituíram uma geração de políticos adeptos de uma liberalização do regime do Estado Novo. Pontificaram na Ala Liberal do período antes do 25 de Abril, entre outros, José Pedro Pinto Leite, Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, Mota Amaral, Joaquim Magalhães Mota e Miller Guerra.

domingo, 3 de dezembro de 2023

Discurso de Vasco Lourenço nas Comemorações do 50.º Aniversário da Reunião de 1 de Dezembro de 1973 em Óbidos

A reunião conspirativa do Movimento dos Capitães realizada em Óbidos, em 01 de dezembro de 1973, na Casa da Música, foi evocada precisamente meio século depois naquela vila mediaval, numa iniciativa da Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril.
Para quem quiser ler e para memória futura, fica a intervenção do Coronel Vasco Lourenço.
"Senhor Presidente da República, Excelência
Senhora Ministra da Defesa Nacional
Senhores representantes dos Chefes de Estado Maior das Forças Armadas
Senhora Comissária das Comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril
Senhores Presidentes da Câmara e da Assembleia Municipal de Óbidos e demais autarcas desta linda Vila Medieval e Histórica
Senhores demais autarcas
Senhoras demais autoridades militares, civis e policiais
Senhoras e Senhores
Caros camaradas de Abril

Agradecendo a todos a vossa presença, permitam-me que enderece um especial agradecimento à Vila de Óbidos, na pessoa dos seus representantes, a vossa disponibilidade para, mais uma vez, aqui nos receberem com a já habitual hospitalidade.
Foi há 50 anos que aqui, nestas instalações, nos reunimos cerca de 180 oficiais do Exército, em representação de 429 camaradas das suas Unidades.
Lembro que, apesar de já haver alguns contactos com camaradas da Armada, nesta reunião ainda não compareceu qualquer deles.
Quanto à Força Aérea, que desde o início quase sempre foi representada pelos paraquedistas, já aqui demonstravam a sua propensão para os equívocos, ao proporem como possível chefe para o Movimento o General Kaúlza de Arriaga. Lamentavelmente, nunca mais acertaram o passo na consolidação do 25 de Abril. E se vieram a salvar-se à última hora, participando com uma força no 25 de Abril, o certo é que nunca mais deixaram de estar no lado errado da barreira, como se viu no 28 de Setembro de 1974, no 11 de Março de 1975 e no 25 de Novembro de 1975.
Como coordenador do Movimento, pedi aos Capitães do Regimento de Infantaria 5 (o ERRE AI FAIVE, como lhe chamávamos), situado aqui bem perto, nas Caldas da Rainha, que conseguissem um local para reunirmos sob a capa de um convívio magustal.
Foi o Luís da Piedade Faria que pediu ao seu cabo miliciano Octávio Pinto que arranjasse um local para cerca de 200 Oficiais fazerem um convívio, local onde então estivemos e onde hoje comemoramos essa data histórica, passados 50 anos.
O Piedade Faria já nos deixou, assim como outros camaradas que aqui compareceram e também já partiram, e é por isso que agora a todos evoco, pedindo um momento de reflexão em sua memória e homenagem, a que junto os demais companheiros do Movimento dos Capitães e do Movimento das Forças Armadas, que com eles estarão algures.
… … …
Obrigado!
Felizmente, ao caro amigo Octávio Pinto, aqui presente entre nós, posso saudar e agradecer-lhe a sua atitude e a sua disponibilidade. E também recordar que isso lhe valeu represálias, pois as autoridades militares, não tendo coragem para castigar os oficiais, que aqui se haviam reunido – numa atitude de afrontamento ao Poder, com o argumento de discutir a forma de como recuperar o prestígio das Forças Armadas – investiram contra o Cabo Miliciano, transferindo-o compulsivamente para os Açores.
Longe estava eu de imaginar que, passados menos de três meses, acabaria por sofrer a mesma represália e me iria encontrar com o Octávio Pinto no mesmo destino, ainda que em Ilhas diferentes…
Mas, voltemos ao dia 1 de Dezembro de 1973.
Cerca de três meses depois do nascimento do Movimento tinha já sido ultrapassada uma ruptura interna que afastou aqueles que tinham ido para Alcáçovas a pensar apenas nos decretos e interesses corporativos (felizmente a única durante todo o período da conspiração); também ficara para trás a proposta de um “cheque em branco” ao Governo saído da última farsa eleitoral da ditadura, em 28 de Outubro de 1973.
Havia agora que repensar o Movimento, estruturá-lo e definir o caminho a prosseguir.
Foi isso que aqui viemos fazer.
Convém recordar que esta reunião de Óbidos realizada há precisamente 50 anos, foi antecedida de uma outra importante reunião em S. Pedro do Estoril, no dia 24 de Novembro, seis dias antes, onde se aprovou a agenda de trabalhos que aqui discutimos.
Essa reunião revelar-se-ia fundamental, principalmente pela intervenção feita pelo tenente-coronel Luís Ataíde Banazol que, de cima do seu posto – os militares, de um modo geral, são muito sensíveis a isso – clamou que o Governo tinha de cair e só os militares o poderiam derrubar. Acrescentando que ficaríamos muito mal na fotografia e na História, se não cumpríssemos o nosso patriótico dever.
A renovação da sua proposta, aqui repetida com igual força e vigor, não obteve o enorme sucesso alcançado em S. Pedro do Estoril. Certamente porque aí estiveram cerca de quarenta oficiais e aqui o número mais que quadruplicara.
Apesar de tudo, a importância foi tal que quase levou a hipótese de “um golpe de Estado imediato” a obter a maioria dos votos. Venceu então a hipótese de “continuar a luta reivindicativa, com o objectivo da recuperação do prestígio das Forças Armadas, junto da Nação”. Mas, se juntássemos aos votos dos que assim se pronunciaram, os que votando, por essa solução reivindicativa, acrescentaram que “se não se obtiverem resultados rápidos, a solução terá de ser a utilização da força”, ficaria claro que caminhávamos inexoravelmente para a acção militar. Foi isso que, como moderador da reunião, então salientei, com a pronta reacção de protesto dos que assim não pensavam.
Quanta emoção ainda sinto, ao lembrar este e outros episódios da nossa caminhada para a libertação do país!
Recordo ainda a decisão aqui aprovada do alargamento aos outros dois Ramos das Forças Armadas, a Armada e a Força Aérea. Que, como sabemos, seria feita de modo diverso, sem uma total e perfeita integração no Movimento, mesmo depois de, em 5 de Março em Cascais, este passar a ser designado por Movimento das Forças Armadas (MFA), anulando a designação com que o baptizámos aqui – Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA) – e cujo nome nunca vingou.
Aqui foi também escolhida a Comissão Coordenadora, que funcionaria até ao 25 de Abril.
Igualmente aqui ficariam escolhidos os futuros chefes a convidar, os Generais Costa Gomes e Spínola, que seriam ratificados na já referida reunião de 5 de Março em Cascais.
Saímos de Óbidos com a convicção firme de que, apesar de tudo o resto, continuava a ser necessário desfraldar a bandeira da recuperação do prestígio das Forças Armadas. É por isso que eu, aqui e agora, não resisto a comparar essa nossa convicção com a situação que hoje se vive: o prestígio das Forças Armadas, embora bastante razoável junto da população portuguesa, não merece grande atenção junto do Estado, apesar das inúmeras declarações de louvor proferidas pelos membros do poder político, em que tudo parece cheirar a hipocrisia. Por isso eu não acredito, nem eu nem os meus camaradas militares, que os agentes do poder político considerem importante o prestígio das Forças Armadas e tenham por elas o respeito que apregoam. Se assim não fosse, se respeitassem as suas e as nossas Forças Armadas, apesar de alguns recentes progressos, teriam muito mais cuidado com elas e não as estariam a conduzir, desde há muito, à sua quase destruição.
Não vivemos a situação de 1973, vivemos em democracia, os militares já demonstraram defender os valores de Abril, não há o perigo de nova utilização da força contra o Poder. Contudo, devemos proclamar bem alto: o Poder Politico tem o dever de respeitar e proteger as suas Forças Armadas, como instituição basilar que são de um Estado Democrático.
Quando aqui nos reunimos há 50 anos estava já em marcha o que viria a constituir o maior perigo que o Movimento correria até ao 25 de Abril: por proposta dos paraquedistas, fez-se nesse dia o primeiro contacto com o coronel Frade Júnior, que nos tentaria arrastar para um golpe radical de reforço da ditadura, com a promessa de um aumento do prestígio das Forças Armadas. Esta tentativa foi imediatamente rejeitada, ao verificarmos que para eles o aumento do prestígio era igual e se resumia ao aumento dos vencimentos. Por esse motivo, não estiveram aqui os dois elementos do Movimento destacados para essa ligação, que hoje mais uma vez saúdo: o capitão Rodrigo Sousa e Castro e o tenente José Manuel Freire Nogueira, então oficiais do CIAAC de Cascais.
As duas semanas seguintes seriam decisivas na luta contra essa tentativa de golpe, em reforço da ditadura.
Apresentando-se como representante de Kaúlza de Arriaga e de mais três Generais, Frade Júnior dizia ter os paraquedistas e duzentos ex-combatentes da área de Setúbal prontos a ajudar-nos na acção militar.
Dirigi pessoalmente a denúncia e o consequente abortar dessa tentativa. Primeiro junto de Costa Gomes e de Spínola, apresentados no plano como alvos a eliminar, depois, vendo o desinteresse, um tanto imprudente, destes dois Generais, através da denúncia pública feita pelo Carlos Fabião, no Instituto de Altos Estudos Militares em Pedrouços.
Não posso deixar de salientar a cobardia de Kaúlza de Arriaga, que negou sempre esta tentativa, até ao dia em que, no último livro que escreveu, vir a assumi-la, mas com uma alegação de “não se tratar de uma tentativa de golpe de Estado, porque feita por Generais”!
Comentários, para quê?
Saliento que esta conspiração se não resumia aos ultras, de que Américo Tomaz, Kaúlza de Arriaga e Jorge Jardim eram figuras de proa, mas também a outros sectores influentes de Portugal. À guerra de libertação dos Movimentos nas colónias, opunha-se a tentativa de independências brancas e racistas regionais. Basta lembrar Alcora, já acordado com a África do Sul do apartheid e com a Rodésia de Ian Smith.
Situação compreensível para um regime que seguia o preceito do ditador do “orgulhosamente sós”, mas altamente penoso para os portugueses que se sentiam humilhados quando, confrontados pelos países democráticos, nomeadamente os europeus.
Vencida esta luta, pudemos continuar a avançar para o Dia “inicial inteiro e limpo”, como escreveu Sofia de Melo Breyner Andersen.
Foi nessas condições que jovens generosos, sem motivações de poder ou de conquista de vantagens e de benefícios pessoais, porém suficientemente experimentados na guerra e nas suas consequências, já conscientes do valor da Paz e da importância e necessidade da negociação e do cumprimento dos acordos negociados, com boa fé e respeito pela dignidade dos diferentes protagonistas, foram capazes de, num caminhar intenso e rápido, assumirem que queriam a Paz, a Liberdade, a Democracia, a inserção na comunidade internacional, o respeito pela dignidade de todos. E que isso só poderia ser uma realidade futura, se o regime fosse derrubado, incapaz que se mostrava de renovação e de encontrar caminhos para as aspirações dos portugueses, nesses tempos difíceis.
Sentimento que se reforçava, ao constatarmos a intensificação das lutas populares de muitas e muitos portugueses, por direitos que lhes estavam vedados. Uma convicção se instalava, cada vez com mais vigor, na consciência de todos nós: o povo português ambicionava pelo fim da ditadura, ambicionava e lutava pela Liberdade e pela Paz. O nosso dever era o de servir o povo e não o de sustentar uma qualquer elite, que o oprimia há mais de 47 anos. Logo, como afirmara Luis Ataíde Banazol, dizendo claramente o que muitos de nós sentíamos e até já vínhamos proclamando, o nosso dever era acabar com a ditadura, libertar a Liberdade, fazer a Paz construir a Democracia, terminar com o isolamento internacional.
Foi um sentimento que rapidamente se instalou, convencendo-nos nós de que caminhávamos ao encontro dos anseios dos portugueses.
Por isso, nos sentimos tão felizes e realizados, com a reacção popular, de imediata adesão ao que fazíamos, no dia 25 de Abril de 1974.
Ora esse sentimento, considerando o teor das intervenções feitas na reunião de há 50 anos, e também pelos resultados obtidos nas votações, viria a instalar-se, com vertiginosa velocidade, na generalidade dos oficiais do Movimento.
E se, durante os dias seguintes, ainda houvesse dúvidas, o certo é que três meses depois, na reunião de 5 de Março em Cascais, a opção pela acção militar de derrube do regime foi consensual e aprovada sem resistência.
A evocação desta e de outras reuniões permite-nos também evidenciar a nossa postura de conspiradores: utilizámos sempre, internamente, processos democráticos, a que juntámos o respeito pela dignidade de todos, debatendo as nossas ideias de forma franca e aberta, com lealdade e transparência, o que nos permitiu superar diferenças e até divergências entre nós, ao mesmo tempo que o Governo, desesperadamente, nos tentava comprar com benesses de natureza pessoal.
Foi esta opção natural, de seguirmos o caminho da dignidade, da coragem e da responsabilidade, assumindo correr todos os inerentes riscos, que nos ajudou a caminhar, decisivamente, para o dia da libertação, e nos permitiu vencer todos os obstáculos internos e externos com que tivemos de nos confrontar nesse dia e nos dias futuros.
Foi esse caminho que nos permitiu depois – com o 25 de Abril de 1975, o 2 de Abril de 1976 e o 20 de Outubro de 1982 – regressarmos a casa, Realizados e Satisfeitos, mas essencialmente Honrados, por termos cumprido tudo a que nos propuséramos e comprometêramos, ao apresentar o Programa do MFA aos portugueses.
A conjuntura que vivemos hoje, obriga-me a fazer um paralelo com esses tempos.
Hoje, num mundo que parece ter ensandecido, com forças totalitárias a chegar ao Poder através de eleições, imitando Hitler de tão má memoria, surgem figuras dementes a enganarem os povos e a obter os seus votos, como acaba de acontecer na Argentina.
Também Portugal está numa situação muito complicada: tudo aponta para um novo tipo de perigosa actuação anti-democrática, onde, em vez da força das armas, se utiliza o poder Judicial e o poder da Comunicação Social para o levar a efeito. Onde está a informação verdadeira, não manipuladora? Será que ainda se pode falar em verdadeira liberdade de imprensa, em verdadeira liberdade de expressão, quando a manipulação se está instalando no nosso país?
Em consequência disso, e apesar de uma maioria absoluta na Assembleia da República, esta foi dissolvida e temos pela frente uma luta eleitoral, onde as forças inimigas de Abril tudo farão para que o seu próximo 50.º Aniversário não seja comemorado com base nos seus valores, da Liberdade, Paz, Democracia, Justiça Social e Solidariedade.
Se é certo que Abril começou a ser atacado logo no próprio dia e no próprio interior dos seus protagonistas, muitas conquistas se conseguiram, numa luta conjunta da generalidade do povo português e do MFA. A Constituição da República, a criação do Serviço Nacional de Saúde, o incremento da Educação para todos os portugueses, são bem exemplo das enormes conquistas alcançadas com o 25 de Abril.
Ao longo destes anos muitos ataques Abril tem sofrido – lamentavelmente, nenhuma força política pode assumir-se inocente, face aos seus comportamentos nestes 50 anos!
Os ataques aos seus valores, às suas características – onde pára a ética Republicana? – com a utilização das chamadas fake-news fizeram-nos “bater no fundo” e quase nos venceram nos tempos difíceis em que se declarava querer ir “além da Troika”. Conseguimos resistir e reerguer-nos. Não podemos soçobrar agora, quando chegam ao ponto de, esquecendo ou fazendo por esquecer que nós temos memória, procuram deturpar a História e mistificam os acontecimentos, inventando heróis da luta pela Liberdade e pela Democracia.
São muitos os que, vencidos nos seus propósitos de então, se procuram apresentar como vencedores, como responsáveis pelos valores de Abril, nomeadamente o da Liberdade e o da Democracia. A esses, sejam 80 ou mais, diremos que mantemos a memória fresca, não esquecemos, e não admitiremos deturpações da História!
Estamos comemorando o 25 de Abril de 1974, do qual fomos os principais protagonistas, o que muito nos honra. Nunca abdicaremos de assumir essa acção e os seus valores!
Fomos igualmente os principais protagonistas pelo cumprimento das suas promessas, respeitando tudo o que, logo no dia 25, assegurámos aos portugueses, dizendo ao que vínhamos através do nosso programa, o Programa do MFA.
Comemorar Abril não se pode resumir à celebração da data. Tem de se estender à celebração dos seus valores, das suas conquistas.
Celebrar Abril é lutar pela continuação e aprofundamento da Liberdade, da Paz, da Democracia, da Justiça Social, da Igualdade, da Solidariedade, do Estado Social.
Celebrar Abril é respeitar a sua História, a luta pela sua consumação, não permitindo que alguém fabrique um passado à medida dos seus actuais interesses.
Pelo caminho que alguns querem inventar, qualquer dia não foi o MFA que derrubou uma longa ditadura, mas a democracia terá vindo, de mansinho, através de uma evolução na continuidade!
O facto é que, haja ou não quem queira pensar o contrário, nem existiu um levantamento popular como alguns pretendiam, nem existiu uma evolução na continuidade como outros preconizavam!
Foi o MFA, foram os Capitães de Abril que protagonizaram a recuperação da Liberdade e abriram caminho à Paz, à Revolução Social, à construção da Democracia e à possibilidade de se construir uma sociedade mais justa, igual e solidária.
Porque concordamos que todas as datas contam para a História, não deixaremos que a comemoração do 25 de Abril não evoque todas as datas em que os seus inimigos tentaram conspurcá-lo, foram vencidos e não conseguiram evitar que ele se consumasse com a aprovação da Constituição da República. O mesmo é dizer que iremos evocar os 50 anos de todas as vitórias do MFA sobre quem quis destruir o 25 de Abril.
Que nestas comemorações consigamos obter o que alcançámos há 50 anos: a vitória sobre as forças que queriam reforçar a ditadura.
Hoje, a luta é por reforçar a Democracia, assente nos valores de Abril, onde os serviços públicos sirvam os cidadãos, onde os agentes e dirigentes do poder sirvam a comunidade e não aproveitem para se servir a si próprios!
Uma democracia onde a missão desses agentes do Poder seja a gestão da “coisa pública”, na defesa da Justiça Social, da Liberdade, da Igualdade, não permitindo a falência do sistema, abrindo caminho à mercantilização dos direitos sociais, o que nos levará inevitavelmente à desigualdade e à injustiça.
Hoje, podemos lamentar que os valores e princípios intemporais, que há 50 anos nos guiaram e permitiram chegarmos a bom porto, não estejam totalmente presentes na sociedade portuguesa.
A Democracia tem a sua natureza própria, as suas virtudes e os seus defeitos, o que lhe confere uma característica especial: a existência de vários poderes, o facto de na Casa da Democracia haver diversas e diferentes sensibilidades, tornando-a mais difícil de gerir, menos operativa do que uma ditadura. Apesar de tudo isso, continuamos a preferir, convictamente, uma imperfeita Democracia, com todos os seus defeitos, a uma “boa” ditadura.
Por isso, temos de acarinhar a Democracia, respeitando a sua idiossincrasia, onde um bom relacionamento entre os seus diversos organismos, nomeadamente os Órgãos de Soberania, é essencial.
A Democracia só vence, se os cidadãos nela acreditarem!
Cada Órgão de Soberania terá de assumir as suas responsabilidades e competências, respeitando as responsabilidades e competências de todos os outros. É isso que, apesar de todo o ruído gerado pela comunicação social, onde devemos incluir todos os outros instrumentos, como as redes sociais, nos parece que tem acontecido.
Os nossos votos são no sentido de que, no futuro, os Órgãos de Soberania não venham a atropelar-se uns aos outros. Porque isso é essencial para que Abril possa continuar.
Ora, apesar de todos os erros cometidos pelas forças que se reclamam de Abril, quando no Poder ou fora dele, são essas forças – com necessidade, é certo, de uma reformulação interna, no sentido de servirem o total dos cidadãos e não apenas a sua “tribo” – que nos dão a garantia de os valores de Abril continuarem a ser defendidos.
Por isso, não querendo entrar em posições partidárias, mas assumindo a nossa posição de não neutralidade entre Abril e não-Abril, aqui formulamos os votos de que no Poder continuem as forças que se assumem de Abril, através da sua maioria na Assembleia da República.
Mas, porque aqui assumimos esta atitude, fique certo de que estaremos sempre na linha da frente, pela imposição de que as forças que se dizem de Abril se não limitem a declarações, por mais vigorosas que sejam. Se são forças que se assumem de Abril, terão de levar isso à prática, defendendo e praticando efectivamente os seus valores!
Será essa a nossa exigência, vinda do passado, a caminho do futuro.
Com um forte abraço a todos, Abril, Sempre!
Viva o Movimento dos Capitães!
Viva o MFA!
Viva Óbidos!
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!"

quinta-feira, 25 de abril de 2024

"Esperamos que nunca mais"...

É importante recordar o que foi o Estado Novo. O que foi o salazarismo.
As vezes que forem necessárias.
E o salazarismo foi, essencialmente, um tempo de miséria.
A miséria da mortalidade infantil, que a democracia fez desaparecer.
A miséria de um povo maioritariamente pobre, a viver em barracas e casas insalubres, sem água canalizada ou acesso a um sistema de esgotos.
A miséria do autoritarismo, da polícia política e das liberdades suprimidas, da prisão arbitrária e da tortura.
A miséria da ignorância, de um país de analfabetos, onde o ensino superior era um privilégio da elite protegida por Salazar.
A miséria da guerra, dos massacres e dos estropiados.
A miséria que levava os portugueses a fugir do país.
A miséria que obrigava uma professora primária a ser autorizada pelo Ministro da Educação para se casar.
A miséria de um regime que nos queria pobres enquanto entregava todos os negócios do Estado aos avôs daqueles que ainda são hoje os donos disto tudo. E que financiam os novos fascistas.
A mesma miséria que inventou a porta giratória e a corrupção política da qual ainda não fomos capazes de nos livrar.
Mas houve muitos que lutaram para que as coisas mudassem. 

A Liberdade, há 50 anos, estava a passar por aqui e então um  jovem de 20 anos perante a grandeza do momento, também cresceu. 
Portugal, em 1974, era uma sociedade a preto e branco, como um livro de colorir - a preto e branco, como todos os livros de colorir entre 1933 e 1974.
Portugal, em Abril de 1974, apresentava-se apenas com contornos desenhados à espera de ser colorido, como todos os livros de colorir.
Foi isso que entendi logo em 25 de Abril de 1974. E foi por isso, que decidi, que era importante, tentar colorir a minha parte. Como nunca tive muito dinheiro, só consegui comprar um simples lápis de cor - verde, que é a cor da esperança.
Mas, as cores são muitas e outros com outros meios e outros poderes, coloriram o meu país de rosa e de laranja...
Ter, em 2024, a oportunidade de estar vivo e ter a oportunidade, 50 anos depois, de recordar o que foi viver o 25 de Abril de 1974, que trouxe algo de verdadeiramente novo para a vida dos portugueses, faz-me sentir um priviligeado.

Contada por Luís Osório, como só ele o sabe fazer, fica a história de Conceição Matos, a mulher mais torturada pela PIDE, neste Dia de Todos os Sonhos do Mundo.

1.
Conceição Matos foi viver com os pais e irmãos para o Barreiro. Uma família de operários que chegou a uma terra de operários no final da década de 1930.
A Conceição tinha três anos quando a Segunda Guerra Mundial começou. Tinha três anos quando chegou ao Bairro das Palmeiras onde fez vida e construiu o sonho de um dia Portugal deixar de ser uma ditadura da mesma família dos fascismos de Franco, Mussolini ou Hitler.

2.
Conceição foi uma das mais torturadas na história do Estado Novo.

A doce Conceição Matos, mulher de Domingos Abrantes, que mantém os seus olhos sem ponta de ressentimento depois de tanto sofrer, depois do tanto que lhe fizeram.

A Conceição que depois da quarta classe feita começou a trabalhar numa máquina de costurar e depois numa fábrica de pirolitos onde lavava as garrafas.

Terra dura, terra de exploradores e explorados, de conflito de classes.

O Partido Comunista tornou-se parte da sua vida.
Da sua e dos irmãos – o Alfredo, o mais velho, foi levado para o Aljube aos 18 anos.

E ela tornou-se comunista.

Esteve na clandestinidade muitos anos.

Foi várias numa só.

Maria Helena, Marília, Benvinda.

Mas só teve uma única cara e um único nome na prisão.

3.
Conceição Matos resistiu a tudo.

Às tantas tornou-se um troféu de caça para os inspetores Tinoco e Madalena, dois monstros que faziam apostas para lhe arrancar uma palavra que fosse.

E irritavam-se porque da boca de Conceição não saia rigorosamente palavra nenhuma que lhes servisse.

Torturaram-na barbaramente.

Espancaram-na.

Arrancaram-lhe as unhas a sangue frio.

Obrigaram-na a estar imóvel durante horas e horas e horas.

Obrigaram-na à tortura do sono, dias e dias e dias.

Choques elétricos, humilhações atrás de humilhações, uma perversidade levada a uma categoria demencial.

Arrancavam-lhe a roupa até ficar nua. Tiraram-lhe fotografias que distribuíam aos agentes da PIDE na António Maria Cardoso. Homens que riam fazendo gestos de natureza sexual enquanto olhavam para o seu corpo e para a fotografia que guardavam nas suas mãos como violadores à espera da presa.

Deixaram-na vários dias sem poder ir à casa de banho. O seu corpo com urina, com fezes, com o sangue da menstruação.

E ela com a roupa que trazia, a ter de limpar a cela imunda com o que tinha, com a roupa que tinha.

E depois a raiva dos pides por ela não falar, os agentes a entrarem e a espancá-la uma vez mais e uma vez mais e uma vez mais.

A gritarem os nomes que imaginas.

Tudo o que imaginas.

4.
Conceição Matos, 87 anos, casada com o histórico Domingos Abrantes, dirigente marcante do PCP.

Uma das últimas provas vivas do combate e do sacrifício de tantos e tantas por uma ideia de liberdade. Ela e o marido, casados em 1969, em Peniche.

Conceição que é a prova de um combate corajoso por uma ideia de um mundo mais justo para quem nascia marcado com o ferro da desigualdade. Para gente como ela que nascia condenada a passar pela vida com um único objetivo: sobreviver.

Eu, filho de um comunista, mas crítico algumas vezes do PCP, não o esqueço.

E não o relativizo.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Hoje no Diário as Beiras: o direito de oposição no município figueirenses e o pensamento de Carlos Monteiro, presidente da Câmara, e a Democracia...

Pergunta: Nota alguma diferença na forma como a oposição actuava com o seu sucessor João Ataíde e actua consigo?
Resposta: É evidente que, tendo personalidades e feitios diferentes, haja diferenças. Temos duas oposições: uma que alerta e quer contribuir para a melhoria do concelho e o bem dos figueirenses, que tem esta linha como principal orientação, e outra que tem uma preocupação essencialmente partidária.
Pergunta: Quem é quem nessas oposições?
Resposta: Em termos de vereação, os vereadores Carlos Tenreiro e Miguel Babo têm a primeira postura. E também, às vezes, Ricardo Silva. Mas quando assume o papel de líder da Concelhia do PSD, tem uma postura diferente.
Pergunta: E na Assembleia Municipal?
Resposta: É onde a oposição tem preocupações essencialmente da conquista do poder, independentemente de haver um grupo dentro do PSD que tem preocupações diferentes, que são as de servir o concelho.

A entrevista pode ser lida na edição de hoje do Diário as Beiras. Cada um tirará as conclusões que entender. Eu tirei as minhas. Para tanto bastou-me o resumo que havia lido ontem na promoção da entrevista.
A Figueira é uma Aldeia pobre em valores. A Democracia já teve melhores dias. Há muita gente que desconhece que "a ordem jurídica portuguesa consagra constitucionalmente e através de lei ordinária dedicada para o efeito, um direito de oposição (Lei 24/98, de 26 de maio)."
A aplicação deste instrumento regulador, sobretudo na esfera de  política local (Câmara, Assembleia Municipal e Assembleias de Freguesia) onde as tensões entre quem exerce o poder e quem está na oposição se fazem sentir com maior proximidade e acuidade. 

O exercício da cidadania e o exercício da oposição política são componentes fundamentais de qualquer democracia.
O papel da oposição não se resume a opor-e a quem está no poder para conquistar o poder. A oposição tem outra missão: representa os interesses e aspirações dos “perdedores” do jogo eleitoral. Isto é: deveria ser o porta-voz dos anseios e das aspirações dos votantes que estão sistematicamente excluídos de soluções de formação da equipa do poder, integrando-os no sistema político.
É normal, em democracia, haver alguma  crispação entre quem governa e quem faz oposição. É  anormal, que o foco da preocupação política se concentre na definição das regras do jogo e na condução da governação, tendo em conta os calendários eleitorais. Tem de haver respeito pelos mais elementares princípios de convivência democrática, mas isso não quer dizer que as diferenças ideológicas e programáticas sejam anuladas.
Estamos a poucos dias do 25 de Abril, data daquela que foi a grande revolução portuguesa, a Revolução do Cravos. O golpe militar veio pôr fim à ditadura do Estado Novo e trouxe consigo a democracia.
Muita gente não sabe o que é viver sem liberdade de expressão, não ter direito ao voto livre, não poder reunir-se em grupo com pessoas para falar ou discutir ideias.

As coisas mudaram. Quando uma Câmara, por exemplo, tem um projecto controverso, os cidadãos têm a obrigação de o colocar em questão.
Um exemplo concreto: o caso do Anel das Artes. 3 de Setembro de 2018, via jornal as Beiras.

Todos tínhamos direito a saber coisas concretas. Fê-lo a oposição ao colocar as seguintes perguntas:
"1- Qual estudo de viabilidade económica do Anel das Artes?
2- Qual a sua função?
3- Qual a utilidade ao longo do ano?"
Cá está, a meu ver, um exemplo "de oposição que alerta e quer contribuir para a melhoria do concelho e o bem dos figueirenses".
O tempo veio dar razão a quem colocou, em devido tempo, estas questões.
Neste momento,  "o Anel das Artes está adiado sem prazo. Antes de se colocar o Anel das Artes, é preciso perceber se é possível fazer a cobertura do Coliseu Figueirense e se há necessidade de haver um espaço multiusos, que poderá ter uma valência desportiva."
Isto, aliás, já tinha  sido também uma preocupação da actual vice-presidente anos antes. Vou citar Ana Carvalho, em declarações  ao jornal AS BEIRAS, publicadas em 29 de Abril de 2015.
 “O touril está muito próximo e, apesar de ser privado, pode vir a ter uma utilização mais pública”. 
“Se calhar, o Anel das Artes não faz sentido”...

Ainda bem que já não estamos na Figueira do antes de 25 de Abril de 1974, quando vivíamos num regime de ditadura em que a liberdade estava vedada aos figueirenses. Hoje, podemos exercer o nosso direito à cidadania. E a oposição pode ter direito a ser oposição.
Todos conhecemos bem a Aldeia em que vivemos. Carlos Monteiro, também conhece bem o concelho onde vive...
Ainda há quem se vá apercebendo do deserto do pensamento e de exigência política que vigora por cá. 
Somos poucos, mas na Figueira há ainda quem pense e não desista de pensar. Mas, infelizmente, somos pérolas raras.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

O voto em Liberdade e Democracia

Portugal, final de julho de 2015: em 4 de Outubro próximo os portugueses vão travar mais um combate político em democracia.
A campanha eleitoral em curso vai ser suja e descarada. 
Quando o que precisamos é de confrontar ideias - dispensamos a demagogia e a propaganda - reparem no cartaz. Não passa de um truque retórico fácil de desmontar: um avô,  a quem cortaram na pensão; os netos, a quem comprometeram o futuro. Todos com caras de felicidade!
Isto vai aquecer. E a ventoinha vai continuar a trabalhar…
Fica, desde já, este alerta para se abrigarem: na página 35 do programa da coligação PSD-CDS consta a proposta de privatização da Segurança Social.

Em Portugal, durante 48 anos, vigorou uma ditadura.
Sejamos claros e concisos. Em 24 de Abril de 1974, o governo de Marcelo Caetano não autorizava a existência de partidos políticos, muito menos opiniões discordantes da ditadura em que Portugal vivia e que Salazar baptizou de Estado Novo.
Havia censura: os jornais, os livros, o cinema e o teatro eram visados por censores que proibiam as palavras que não agradavam ao regime. Muitos escritores, jornalistas, cantores e músicos eram proibidos de divulgar as suas obras. 
Havia PIDE, a Polícia Internacional de Defesa do Estado: existia para perseguir, vigiar, prender e torturar todas as pessoas que tinham opiniões diferentes das do governo. Muitos antifascistas foram assassinados pela PIDE. 
Havia as prisões da ditadura: os opositores ao Estado Novo eram presos em prisões como as de Peniche e Caxias, onde permaneciam em péssimas condições e eram torturados, só pelo facto de não concordarem com o regime. 
Havia o exílio: muitos portugueses foram obrigados a emigrar para não serem presos ou por recusarem ir combater na injusta guerra colonial. Nos países de exílio, continuaram a sua luta contra a ditadura. 
Havia a Mocidade Portuguesa: os jovens, a partir dos sete anos, eram obrigados a pertencer a esta organização militarista de juventude, que exigia que andassem fardados, marchassem como soldados e fizessem uma saudação muito parecida com a nazi. 
Havia a guerra colonial: os territórios de Angola, Guiné e Moçambique, para alcançarem a sua liberdade, foram obrigados a fazer guerra a Portugal. Em consequência, morreram milhares de africanos e portugueses em África. 
Havia o poder autoritário: quem nomeava os presidentes das Câmaras Municipais e das Juntas de Freguesia eram os governantes, que não ouviam a opinião das populações nem tinham que cumprir um programa de acção. 

Durante 48 anos, algumas gerações de portugueses foram enganados por simulacros de eleições.
Contudo, sempre houve Resistência: como estavam proibidos os partidos políticos, lutava-se na clandestinidade pela liberdade. 
A Oposição Democrática participou em eleições, mas os resultados foram falseados e os candidatos presos. 
Apenas a seguir ao 25 de Abril de 1974 se realizaram eleições livres e democráticas. Registe-se, que mesmo na primeira República o sufrágio universal em pleno havia sido limitado - por exemplo, no acesso ao voto pelas mulheres.
O voto, em Liberdade e Democracia, só tem sentido no respeito sagrado pelo sentido do voto de todos e de cada um.
Votar é, antes do mais, uma enorme responsabilidade de cada um de nós.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Maria Archer, uma Mulher mais do nosso tempo do que do seu tempo

Maria Emília Archer Eyrolles Baltasar Moreira, conhecida como Maria Archer (Lisboa, 4 de Janeiro de 1899 - Lisboa, 23 de Janeiro de 1982), foi uma escritora portuguesa.
Nascida em Lisboa, mudou-se para Moçambique com os pais e seus cinco irmãos em 1910. Só terminou a escola primária aos 16 anos, tendo para isso que insistir com seus pais, que achavam desnecessária a sua formação. A família voltou para Portugal em 1914, mas dois anos depois estava novamente na África, desta vez na Guiné-Bissau.
Em 1921, enquanto o seu pai regressava a Portugal, Maria Archer casou-se com o também português Alberto Teixeira Passos. O jovem casal fixou residência em Ibo. Cinco anos mais tarde, após o surgimento do Estado Novo e a crise subsequente, o marido perdeu o emprego num banco e os dois mudaram-se para Faro. Em 1931, divorciaram-se.

Separada, foi morar com os pais em Luanda, onde iniciou sua carreira literária. Publicou a novela Três Mulheres, num volume que continha também a aventura policial A Lenda e o Processo do Estranho Caso de Pauling, de António Pinto Quartin.
Voltou para Lisboa, onde iniciou um período de intensa actividade, produzindo obras sobre a sua vivência na África. Em 1945, aderiu ao Movimento de Unidade Democrática (MUD), grupo de oposição ao regime salazarista. A partir daí as suas obras passaram a ser censuradas. O romance Casa Sem Pão (1947) foi apreendido. Sem condições de viver da sua produção intelectual, refugiou-se no Brasil, onde chegou em 15 de julho de 1955.
No exílio, colaborou com os jornais O Estado de S. Paulo, Semana Portuguesa e Portugal Democrático e na Revista Municipal de Lisboa (1939-1973). Alternou entre a literatura de temática africana e as obras de oposição à ditadura portuguesa. Também se encontra colaboração da sua autoria na revista Portugal Colonial  (1931-1937).
Voltou para Portugal em 26 de Abril de 1979, internada na Mansão de Santa Maria de Marvila, em Lisboa, um asilo onde passou seus últimos três anos de vida.

Durante a vida, Maria Archer foi uma inconformista,  consciente das discriminações e das injustiças, em geral, e, em particular, das  que condicionavam o sexo feminino, numa sociedade  retrógrada e, como se diria em linguagem actual, "fundamentalista", em que o regime  impôs a regressão às doutrinas e práticas de um patriarcalismo ancestral.
A escrita, servida pelos dons de inteligência, de observação e de expressividade foi  para Maria Archer uma arma de combate  político. Como disse Artur Portela, "a sua pena parece por vezes uma metralhadora de fogo rasante"
É um combate em que a sua vida e a sua arte  se fundem - norteadas por um ostensivo  propósito de valorização dos valores femininos, de libertação da mulher e, com ela, da sociedade como um todo.
Ela é já uma Mulher livre num país ainda sem liberdade - coragem que lhe custou o preço de um longo exílio ...
Maria Archer é uma grande escritora E pode ser lida apenas como tal. Mas permite também diversas outras leituras.

Uma leitura sociológica, antropológica, política...
Ninguém como ela  escrutinou e caracterizou o pequeno mundo da sociedade portuguesa da primeira metade do século XX, das famílias, pobres ou ricas, decadentes ou ascendentes, aristocratas, burguesas, "povo" - todos  imersos na nebulosa de preconceitos de género e de classe, de vaidades, de ambições, de prepotências e temores...
"Aurea mediocritas", brandos costumes implacáveis... o mundo de contradições de um Estado velho, que se chamava Estado Novo.
Ou uma leitura feminista... 
Ninguém como ela conseguiu corroer essa imagem da "fada do lar", meticulosamente construída sobre a ideia falsa da harmonia de desiguais (em que, noutro plano, se baseava a ideologia corporativa do regime), da falsa brandura do autoritarismo e da subjugação no círculo pequeno da família como no mais alargado, o  do País. 
Maria Archer é uma retratista magistral da mulher e da sua circunstância... O rigor da narrativa, a densidade das personagens, a qualidade literária, só podiam agravar, aos olhos do regime, a força subversiva da  denúncia. Na crueza da palavra. Na nitidez do traço... 
O regime não gostou desses retratos femininos, como não gostava da Autora. Primeiro, tentou desqualificá-la, desvaloriza-la. Sintomática a opinião de um homem do regime, Franco Nogueira, que em contra-corrente , num texto com laivos misóginos,  a apresenta como apenas uma mulher a falar de coisa ligeiras e desinteressantes, (como o destino das mulheres....). 
Sintomático também que a crítica seja divulgada pela própria editora da romancista, a par de tantas outras, todas de sentido contrário.
Não tendo conseguido os seus intentos, o Poder passou à acção: os seus livros foram  apreendidos,  os jornais onde trabalhava ameaçados de encerramento... Maria Archer viu-se forçada a partir para o Brasil - uma última e infindável aventura de expatriação, de onde só viria, envelhecida e fragilizada, para morrer em Lisboa.
Mas o desterro não foi pena bastante! 
Teresa Horta, no prefácio da reedição de "Ela era apenas mulher" afirma que Maria Archer foi deliberadamente apagada da História. 

Elegância é uma palavra que quadra com Maria Archer. Caracteriza-a na maneira como pensou, como escreveu, como se vestiu e apresentou em sociedade, como viveu a vida inteira, até ao fim...
Ousou ser Maria Archer, sem pseudónimos...