"Senhoras e senhores deputados,
Sabemos o que sucedeu, porquê e
para quê. Conhecemos as
consequências — e as causas — da
agregação de freguesias, ocorrida
por imposição da troika. Para que a
assistência financeira externa entregasse o
dinheiro necessário, tínhamos de diminuir o
número de autarquias locais. Não havendo
qualquer vontade — ou coragem — de suprimir
municípios, as freguesias foram as vítimas
escolhidas. Se analisarmos a Lei n.º 22/2012 e
o que dela resultou, percebemos bem a
ligeireza que presidiu a todo o processo e,
sobretudo, o desrespeito completo pelas
populações residentes. Foi dada a palavra às
assembleias de freguesia e às assembleias
municipais, mas nada do que disseram foi
tido em conta. A sentença estava previamente
redigida e a execução determinada.
Mestres
como somos nas artes do engano,
aproveitámos uma singularidade nacional: a
existência de dois níveis de poder local.
Ludibriámos a troika — e lixámos o mexilhão
nacional, o mais desprotegido dos mexilhões:
as pobres freguesias, nomeadamente as de
“territórios de baixa densidade”.
Num acto positivo, o Parlamento
reconheceu mais tarde os erros cometidos. Os
critérios nem sempre haviam sido
respeitados, dando lugar a injustiças difíceis
de suportar. Publicou-se a Lei n.º 39/2021, na
qual se inseriu um artigo destinado a emendar
o “erro manifesto e excepcional que cause
prejuízo às populações” (artigo 25.º). As
freguesias mais afectadas iniciaram o
processo de reparação. Houve reuniões. A
desagregação foi aprovada em assembleia de
freguesia e, depois, em assembleia municipal.
Teve o apoio unânime dos vereadores do seu
concelho. Esperava-se um tratamento limpo...
A água começou, todavia, a inquinar-se,
apesar do entendimento em sentido contrário
da Anafre — Associação Nacional de
Freguesias e de outras instâncias. Surgiram
“dúvidas” sobre a data de conclusão do
processo. Esse ponto poderia e deveria ter
sido esclarecido a tempo de todos terem as
mesmas oportunidades. Tal não sucedeu.
Com as propostas de desagregação já no
Parlamento, parece ser agora entendimento
deixar algumas de fora.
Não irão sequer a
votação. Que balde de água fria, quase gelada!
Há fundamento nas suas reivindicações, mas
chegaram tarde, diz-se. A lei permite outra
interpretação bem mais justa, que trataria
todos por igual, mas não será esse o caminho
seguido, relatou o PÚBLICO. Portugal, diz-se, é
um Estado de direito, mas, infelizmente e para
nossa desgraça, às vezes caminha bem torto. Se
se concretizar a exclusão de 31 freguesias, não
se aplica o velho e saudável princípio jurídico:
em caso de dúvida, beneficia-se… Se suceder,
prejudica-se."
Fim de citação. |
Foto Pedro Agostinho Cruz. Assembleia Municipal de 10 de outubro de 2012. |
A leitura deste texto fez-me recuar no tempo. Passaram os anos sobre a chamada reorganização administrativa de outubro de 2012. Continuo a sentir o mesmo: sem berros e no tom mais ameno que é possível, como eleitor e espectador o mais atento que me é possível da política local, deixo explícito que continua a ser-me difícil entender o “negócio figueirense" PPD/PSD/100% de 10 de outubro de 2012.
Recuemos à edição do Diário as Beiras de 10 de Outubro de 2012.
“Os presidentes das 18 juntas do concelho da Figueira da Foz sempre foram solidários uns com os outros quando estavam em causa situações que afectassem o conjunto ou alguns dos seus elementos. Na sessão da Assembleia Municipal da passada segunda-feira, porém, essa solidariedade foi quebrada, quando os autarcas do PSD e da Figueira 100% mais os independentes José Elísio (Lavos) e Carlos Simão (S. Pedro) se colocaram ao lado dos sociais-democratas e do movimento independente.”
Jot´Alves, (edição impressa)…
Em 12 de outubro de 2012, Miguel Almeida, com a colaboração do Movimento 100% e o alheamento do PS, impôs às freguesias figueirenses, não uma reforma político-administrativa, mas, apenas um conjunto de alterações avulsas, coercivas e apressadamente gizadas, feitas à medida do chamado plano de reajustamento, ou Memorando de Entendimento (ME), celebrado pelo estado português sob a batuta do governo socialista de Sócrates com a Troika (FMI, CE e BCE), e com o acordo do PSD e CDS-PP.
Recordemos.
A Assembleia Municipal votou o novo mapa das freguesias.
Foi aprovada a proposta conjunta apresentada pelo PSD, Figueira 100%, Presidente da junta de freguesia de S. Pedro (Carlos Simão) e Presidente da junta de Lavos (José Elísio).
A extinção das Freguesias de S. Julião, Brenha, Borda do Campo e Santana foi aprovada com os votos contra do PS, da CDU e da presidente da junta de freguesia de Santana (PSD).
O presidente da junta de freguesia de Tavarede (PS) absteve-se.
Ficou assim a votação: 22 votos a favor; 19 contra; e 1 abstenção.
Resultado:
BUARCOS AGREGOU S. JULIÃO;
ALHADAS AGREGOU BRENHA;
PAIÃO AGREGOU BORDA DO CAMPO;
FERREIRA A NOVA AGREGOU SANTANA.
Buarcos e São Julião fundiram-se. Ficou uma freguesia enorme: tem mais de 20 mil habitantes, o que representa cerca de um terço da população do concelho.
Antes do mais, a meu ver, convém esclarecer que aquilo que o governo de então impôs às freguesias, não foi uma reforma político-administrativa, mas um conjunto de alterações avulsas, coerciva e apressadamente gizadas, feita à medida do chamado plano de reajustamento, ou Memorando de Entendimento (ME), celebrado pelo estado português sob a batuta do governo socialista de Sócrates com a Troika (FMI, CE e BCE), e com o acordo do PSD e CDS-PP.
Desde já, um ponto prévio.
Não sou defensor de que tudo, nomeadamente no que concerne às organizações humanas, é eterno.
Daí, encarar como perfeitamente natural reformas dos sistemas político-administrativos. Contudo, essas reformas têm de assentar em estudos fundamentados e tendo em conta a realidade.
Reformas político-administrativas coerentes e sérias, só se justificam quando ocorrem três condições fundamentais: necessidade comprovada de reforma (através do resultado de trabalhos científicos, do debate e acção política e de comparações/imposições internacionais), existência de tempo e de recursos para promover a reforma mais adequada às circunstâncias e, finalmente, vontade de promover a reforma por uma via democrática no referencial constitucional em vigor.
Em 2024, creio que continua a não ser estultícia apontar que não se verificou nenhuma das três condições formuladas (salvo a imposição da Troika, que não é coisa pouca).
Verificou-se, isso sim, que o governo impôs um conjunto de alterações no referencial autárquico desajustado ao caso concreto português, no geral, e à Figueira, em particular.
O ministro Relvas, que quase sempre se descontrolava quando abordava este tema, disse, em tempos, entre outras coisas, que essa reforma é incontornável porque, pasme-se, a última tinha sido feita há 150 anos!
Esqueceu-se foi de clarificar qual seria o ciclo mínimo para fazer este tipo de reformas: 10, 20, 30, 40, 50, 60, 70 80, 90 ou 100 anos?
Além do mais, não é verdade que, no que às freguesias diz respeito, a tal reforma tenha sido feita há 150 anos. O ministro confunde a reforma administrativa municipalista liberal com a realidade, diferente, das freguesias, porque essas só foram estabilizadas mais tarde, já no advento da república. E, em todo o caso, seria bom recordar ao ministro que, Portugal, lá por existir há cerca de um milénio, não tem que ser extinto!
Uma reforma séria, profunda e coerente de todo o universo autárquico português, implica muito mais do que a questão simples, mas muito polémica, do desenho administrativo territorial de municípios e freguesias.
Recorde-se que em Fevereiro de 2006, foi anunciado a Lei-Quadro de Criação de Autarquias Locais, que passaria a chamar-se "Lei-Quadro de Criação, Fusão e Extinção de Autarquias Locais". Aquela Lei visava pôr em marcha a fusão de freguesias com dimensões mínimas. A operação, segundo o secretário de estado que então tinha a tutela do assunto (Eduardo Cabrita), começaria nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, nos municípios com mais de 50 mil habitantes. É por esta razão que António Costa veio, mais tarde, a iniciar um processo nesse sentido em Lisboa.
A ANAFRE reagiu, então, de forma enérgica, e os jornais passaram a dizer que o governo apenas queria agrupar algumas freguesias das zonas urbanas. Depois, o assunto caiu no esquecimento.
O ministro Relvas, a própria Troika e António Costa, que já reduziu o número das freguesias de Lisboa, não estão a tentar materializar nada caído do céu recentemente.
A questão, não obstante as suas características artificiais, tem, pelo menos, seis anos.
Aqui chegados, impõe-se perguntar se, numa situação de profunda crise económica, financeira e social, se deveria dar prioridade a reformas deste tipo? Parece, a meu ver, que a resposta sensata, é negativa, até porque é muito incerto que a redução do número de freguesias conduza, por si só, a uma redução sensível das despesas públicas. Por esse mesmo motivo, e em coerência, também não parece ser a altura mais adequada para avançar com a regionalização, não obstante os seus méritos potenciais.
É quase surreal que, numa conjuntura como era de 2012, se viesse a forçar esta reforma, que seria sempre difícil e complexa em si mesma, quanto mais quando conduzida sob a batuta coerciva e antidemocrática dos princípios defendidos pelo ministro Relvas em nome da Troika.
No caso concrecto da Figueira colocar a questão em 18, 10 ou apenas uma freguesia, quanto a mim é um falso problema.
Quanto a mim, a verdadeira questão é: para que servem as freguesias?.. E como servem!..
Freguesia é o nome que têm, em Portugal, as mais pequenas divisões administrativas. Trata-se de subdivisões dos concelhos e são obrigatórias, no sentido de que todos os concelhos têm pelo menos uma freguesia (cujo território, nesse caso, coincide com o do concelho), excepto o de Vila do Corvo onde, por força do artigo 86.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, essa divisão territorial não existe. Em 2024, As freguesias portuguesas são a representação civil das antigas paróquias católicas; surgiram muitas das vezes decalcadas das antigas unidades eclesiásticas medievais. Daí que, em tempos mais recuados, o termo «freguês» servisse para designar também os paroquianos, os quais eram «fregueses», por assim dizer, do pároco. Nas freguesias, nos tempos que correm, os “fregueses” não acabaram.
Só que agora não são do pároco.