Tomás da Fonseca, que para muitos era o Tomás das Barbas, escritor anticlerical em a quem se deve talvez o libelo mais demolidor sobre as aparições de Fátima, era alvo das atenções da PIDE, teve muitos livros apreendidos, a polícia tratava-o como simpatizante do PCP, que em todos os seus interrogatórios Tomás da Fonseca negou, a despeito das ligações fraternas que manteve com comunistas e companheiros de estrada. O seu funeral foi alvo de relatório da polícia secreta, não se escondeu que chegou um cortejo automóvel com cerca de 100 viaturas ao cemitério de Mortágua onde o esperava uma multidão de 800 a 900 pessoas.
Situação execrável foi o processo de Andrée Crabbé Rocha na PIDE. O marido, Miguel Torga, sempre recusou enviar as obras à censura prévia, a polícia política sentiu-se afrontada, Torga conheceu a cadeia do Aljube, livros queimados, apreendidos, proibidos. Andrée Rocha foi demitida da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1947 e cinquenta anos depois partilhou no Expresso as suas memórias: “[…] nunca nas minhas aulas de literatura portuguesa e de literatura francesa falei em política. Talvez tivessem descoberto que eu era mulher de Miguel Torga. […] nada pude fazer em relação à decisão. Passados 2 anos, abriu um concurso para professor extraordinário em que era necessário apresentar um trabalho. Preparei um sobre o Cancioneiro Geral de Garcia Resende. No dia das provas recebi um ofício da reitoria a dizer que não as podia prestar. Solicitei durante 21 anos a realização da prova, e durante todo este tempo me foi recusado. Fui obrigada a dar lições particulares em Coimbra, para onde me mudei, e frequentei outro curso, que me permitiu dar aulas em colégios particulares. Mas em 1955, até esse diploma me tiraram”. Andrée Rocha era classificada na PIDE como mulher do comunista Torga, só pôde retomar funções universitárias na Faculdade de Letras de Lisboa em março de 1970.
O percurso de Soeiro Pereira Gomes foi a de um regente agrícola que foi viver para Alhandra e se tornou empregado de escritório na fábrica Cimento Tejo, cedo se comprometeu com o ideário comunista, movia-se pela vontade de proteger os humildes, como é explícito na sua obra maior Esteiros, a vida de crianças conduzidas ao duro trabalho naquela região ribatejana. A PIDE tinha-o sob vigilância, ele teve um papel de grande importância na greve dos operários daquela fábrica, Soeiro teve que fugir, vai conhecer a clandestinidade mais dura, é um intelectual comunista. Esteiros recebeu mesmo elogios de Marcello Caetano, é obra escrita em 1941, havia uma réstia de esperança na vitória dos Aliados e que esta comportaria a queda do regime de Salazar. Dado curioso, a obra foi lida e autorizada pelo tenente-coronel Salvação Barreto, diretor da Censura, muitos anos depois esta mesma Censura considerou que o livro deveria ter sido proibido quando apareceu, “mas agora deve ser ignorado”, pois que a proibição agora só serviria à sua propaganda no nosso meio”. O escritor, agitador e quadro de topo do PCP morreu muito novo, em 1949, conceituados escritores como Ferreira de Castro reconheciam o seu imenso talento.
O leitor encontrará ainda nesta obra trabalhos bem elucidativos sobre a vigilância da PIDE a Fernando Namora, Jorge de Sena, as obras teatrais, o trabalho dos informadores da polícia política, as péssimas relações de figuras da Igreja Católica com o Estado Novo a partir da década de 1960, a PIDE no encalço de Agostinho Neto e Amílcar Cabral. Luís Reis Torgal não deixa de referir na conclusão que não passou de um mito a ideia de intolerância branda, e se é certo que a ação policial da PIDE não é comparável com os sistemas racistas e antissemitas ou com as práticas da violência sem limites no estalinismo, o regime de Salazar quis-se intransigente, perseguindo ou asfixiando as ideias e práticas anarquistas e comunistas, mas também as simplesmente liberais, católico-progressistas ou até monárquicas; e a guerra colonial veio a justificar a permanência dessa repressão deixando bem claro que isso dos brandos costumes não passou de um mito.
A pedir leitura urgente."
Mário Beja Santos