Pedro Tadeu
"Estive a ler um documento partidário que muito me impressionou, um programa político para a governação de Portugal que tem esta máxima: “Não há verdadeira democracia sem socialismo, nem socialismo autêntico sem democracia.”
Concordo.
O texto critica o capitalismo, embora assinale a sua capacidade de “expandir a produção a um ritmo extraordinário” e de ir “criando as condições de satisfação das necessidades humanas numa escala nunca atingida”. Porém, o mesmo texto não se esquece de que “o capitalismo multiplicou por toda a parte as desigualdades, a dependência económica e política, a alienação e a desagregação sociais. E ameaça o futuro da Humanidade através do rápido esgotamento dos recursos naturais, da destruição da natureza e da poluição do ambiente”.
Concordo.
Sobre a distribuição da riqueza do país, esse documento historia: “Mentiu-se ao povo, dizendo que a economia nacional não comportava salários mais altos. Mas, de facto, manteve-se uma distribuição funcional do rendimento que atribuía ao trabalho menos de metade do valor do produto e, em alguns ramos de atividade, menos de um terço. Este estado de coisas traduziu-se numa escandalosa desigualdade económica.”
Concordo.
Afirmando-se a favor da paz, este documento “admite a adesão à NATO apenas enquanto não estiver institucionalizado um novo sistema internacional e multilateral de segurança. Entretanto, a contribuição portuguesa financeira e humana deve diminuir progressivamente”.
Concordo.
Este partido defende que “os trabalhadores passem a participar concretamente, desde já, na gestão das empresas e no capital criado. Essa cogestão implica que os representantes dos trabalhadores tenham assento e voto deliberativo nos órgãos de gestão das empresas, por forma progressiva, com vista à aproximação do ideal da autogestão, próprio da realização integral do socialismo; e implica também que a propriedade de uma parte dos reinvestimentos da empresa advenha aos trabalhadores, sendo-lhes distribuídos os títulos representativos desses aumentos de capital”.
À falta de melhor, concordo.
Este partido defende que “o princípio da propriedade privada, sem limitações substanciais, gera situações criadoras de profundas injustiças e de dominação do homem pelo homem, e tende a usurpar poderes que devem pertencer ao Estado”.
Concordo.
Está também contra “a passagem dos meios de produção para a propriedade exclusiva do Estado” porque “o poder monopolístico e o poder da burocracia centralizadora constituem entraves à liberdade e à iniciativa dos cidadãos”.
Como princípio geral, concordo.
Em várias áreas estratégias da economia, como na energia, este partido defende que o setor, “deverá ser fortemente integrado, vertical e horizontalmente, em grandes empresas nacionalizadas ou com forte predomínio do Estado”.
Concordo.
Eis, portanto, um partido que defende a construção do socialismo para Portugal, que é contra o capitalismo desregulado explorador da Humanidade e ameaçador para a vida no planeta, que exige uma distribuição justa da riqueza criada, que quer, a prazo, sair da NATO, que defende a participação dos trabalhadores na gestão das empresas, que combate monopólios privados e burocracias estatais e que exige que o Estado seja dono de vários setores estratégicos da economia.
Concordo com tudo - afinal, não há partes que são quase comunismo?...
Acontece, porém, que este programa partidário está disponível no site do PSD, o partido dominante no novo Governo que tomou ontem posse, liderado por Luís Montenegro.
O PSD de 2024 propõe-se combater qualquer ideia socialista para Portugal, pretende dar mais liberdade ao capitalismo, acredita na falácia de que a um maior crescimento da economia corresponderá uma maior distribuição de riqueza, quer reforçar o orçamento militar para a NATO e quer tirar o Estado da economia.
O partido de Luís Montenegro é o mesmo partido deste programa político que Sá Carneiro, Francisco Balsemão e Magalhães Mota subscreveram em 1974, no então recém-fundado PPD, o antecessor do PSD.
Como lidam os, nominalmente, sociais-democratas com tamanha contradição com o passado? Será que alguém deste Governo leu esse programa do PPD? Será que alguém, no passado, andou a enganar alguém? Será que alguém, no presente, anda a enganar alguém? Será a História ou é o presente que os envergonha?"