Realizar a Festa do Avante em 2020 foi uma decisão difícil. O país estava a atravessar uma fase aguda da covid-19, não havia vacinas e a solução preconizada pelas autoridades era o confinamento, apesar das tremendas dificuldades que essa opção implicou para o mundo do trabalho, para as atividades económicas, para a educação e a cultura, para a generalidade das esferas da vida social. Contudo, muitos trabalhadores tiveram de se manter na linha da frente, no Serviço Nacional de Saúde, nos bombeiros, nas forças e serviços de segurança, nos transportes, nos serviços públicos essenciais, na grande distribuição comercial, tomando as medidas necessárias para enfrentar o perigo real de contágio.
O PCP nunca teve uma posição negacionista. Nunca minimizou o perigo da covid-19 e nunca faltou com propostas para o enfrentar. Todavia, sempre considerou que o modo socialmente menos lesivo de enfrentar a covid-19 não era o confinamento puro e simples, mas a adoção de medidas sérias de proteção sanitária, de reforço significativo da capacidade de resposta do SNS e de apoio a todos os que vissem as suas condições de vida e de trabalho afetadas pela situação de contingência que se vivia. A solução, para o PCP, não era parar o país, mas adotar todas as medidas de segurança necessárias para que o país não parasse.
Entretanto, cedo se percebeu que a pandemia estava a servir de pretexto para muita coisa que só a generalização do medo tornava aceitável. Muitos despedimentos, muita redução de direitos e rendimentos, muitas arbitrariedades foram cometidas, não por causa da pandemia, mas a pretexto da pandemia.
A posição corajosa do PCP, de enfrentar a paralisia do medo e de nunca desistir de apoiar quem mais precisava de ser apoiado, serviu também de pretexto para uma violenta campanha mediática anticomunista que teve o seu clímax a propósito da realização da Festa do Avante de 2020.
É certo que já tinha havido vozes contra a sessão solene do 25 de Abril na Assembleia da República e contra as manifestações do Primeiro de Maio, mas a propósito da Festa do Avante, desde calúnias, acusações infundadas, provocações, tentativas de proibição e fake-news do mais grosseiro, valeu tudo o que a desonestidade conseguiu inventar. A campanha política e mediática contra a Festa do Avante e o PCP, envolvendo todas as televisões e praticamente todos os demais meios de comunicação social, assumiu uma violência, uma obsessão, um caráter sistemático e uma dimensão de ataques sem possibilidade de resposta que ficará tristemente assinalada nos anais do anticomunismo mediático nacional.
Foram dirigentes políticos de direita a dizer que a Festa deveria ser proibida. Foram reacionários oportunistas a avançar com uma providência cautelar para que a Festa fosse impedida pelos tribunais. Foram jovens betos de direita a afixar um cartaz provocatório, junto à porta da Festa, a afirmar que a covid sairia vencedora. Foram dirigentes locais do PS e do PSD do Seixal a instrumentalizar as populações e os comerciantes locais contra a realização da Festa. Foi Pedro Abrunhosa a dizer que o vírus saltaria “de camarada em camarada”. Foram as reportagens obsessivas, horas a fio, das televisões, contra a realização da Festa, arregimentando dezenas de comentadores. Foi a afirmação de que os demais espetáculos estavam proibidos, quando o que se passava é que os respetivos promotores não estavam dispostos a tomar as medidas de segurança sanitária que a Festa do Avante tomou. A campanha foi de tal dimensão que levaria muitas páginas a descrever, mas talvez a joia da coroa tenha sido a falsa primeira página do New York Times sobre a Festa do Avante postada nas redes sociais e que o Jornal da Noite da SIC divulgou como sendo verdadeira, e nunca pediu desculpa, nem aos espectadores, nem ao PCP, nem ao New York Times.
A campanha não deixou de ter efeitos. Acicatou o discurso do ódio contra o PCP, com repercussões nos esgotos das redes sociais. Terá convencido certamente muitas pessoas a não ir nesse ano à Festa do Avante e mesmo a condenar a sua realização. O PCP sempre assumiu uma atitude de compreensão relativamente a quem, por receio, não foi à Festa, mas garantiu que seriam tomadas medidas de segurança sanitária capazes de afastar esses receios. Garantiu e cumpriu.
A Direção-Geral da Saúde acompanhou a par e passo a preparação da Festa. Impôs uma lotação máxima que foi escrupulosamente cumprida. Definiu regras de segurança muito exigentes que foram escrupulosamente asseguradas.
A Festa foi realizada e nenhuma das acusações se confirmou. Não houve qualquer surto de infeções em resultado da sua realização. Os artistas puderam atuar depois de longos meses de paragem forçada. O vírus não andou de camarada em camarada, e apesar da Festa ter desaparecido dos noticiários, acabou por se tornar um exemplo da forma adequada de enfrentar a covid, vivendo a vida sem comprometer a segurança.
Não espero que os mentores da campanha contra a Festa do Avante de 2020 peçam desculpa. Aliás, meses mais tarde estavam a querer impedir o Congresso do PCP, e em 2022 estavam a vilipendiar os artistas que atuaram na Festa do Avante, acusando-os de apoiar a guerra na Ucrânia. Desses não espero nada, a não ser novos ataques, por tudo e por nada.
Porém, num momento em que as medidas de segurança tomadas com vista à realização da Festa do Avante de 2020 são assumidas como um exemplo museológico do combate à covid-19, é justo que muita gente que, de boa-fé, criticou o PCP por realizar a Festa do Avante, reconheça que o PCP afinal tinha razão e foi injustamente criticado."