Vi um filme, com um argumento parecido ao que pode ser lido no jornal Público, num passado recente, no nosso concelho: um parque de campismo localizado num lugar de excelência, com décadas a ser usufruído pelo povo, foi encerrado. Para dar lugar a quê? Um dia destes saberemos essa verdade escondida em toda a sua plenitude.
O desfrutar tranquilo dum espaço único para se observar “aquele pôr-do-sol” desapareceu do olhar do utente do Parque de Campismo do Cabedelo, que esperava gozar lá a paz da sua reforma.
Certamente que grande número desses utentes eram cidadãos que votam em partidos e governos que defendem o capitalismo que tem como princípio, precisamente, transformar parques de campismo populares que estejam em lugares invejáveis, em “resorts” de luxo.
Esses utentes têm é que se decidir por um modelo de sociedade. Ou bem que são defensores de uma sociedade capitalista, com tudo o que o capitalismo implica e continuam a votar onde sempre votaram, ou querem outro modelo de sociedade e têm de votar diferente.
Quanto ao Cabedelo, estou em crer que muito ainda estará para vir ao conhecimento do povo, apesar de ter acontecido ao executivo que estava a tratar do assunto, o mesmo que fez aos utentes que - segundo eles... - não tinham categoria para usufruir dum espaço nobre: foi para o olho da rua.
«“Angústia” e “medo” passaram a ser os termos mais comuns nos que residem no parque de campismo da Galé, em Melides, depois de terem tomado conhecimento que a empresa americana Discovery Land Company adquiriu, por cerca de 25 milhões de euros, o espaço com 32 hectares à Imobiliária das Ilhas Atlânticas. Após a compra do empreendimento turístico Costa Terra à Semapa, da família Queiroz Pereira, a Discovery Land Company, que se especializou na instalação de resorts de luxo, adquiriu, segundo o Jornal de Negócios, ao mesmo grupo económico o parque de campismo da Galé, onde estarão a residir mais de meio milhar de utentes, na sua maioria reformados.
O parque de campismo era o derradeiro obstáculo que impedia a plenitude do projecto turístico conhecido por Costa Terra e que tem passado por algumas vicissitudes. Agora será mais fácil concretizar a instalação de um campo de golfe e 292 residências – o preço mínimo de um lote é 3,4 milhões de euros – e oferecer aos futuros residentes o pôr-do-sol que terá encantado Madonna, Rania da Jordânia, Nicolás Sarkozy, Carla Bruni, Carolina de Mónaco ou Kristin Scott-Thomas e, mais recentemente, George Clooney.
Um dos actuais utentes revelou ao PÚBLICO como os contornos do negócio que não conhecem deixou “assustada” a esmagadora maioria das famílias, que ali encontraram o seu espaço, algumas há mais de 30 anos, para aproveitar um pouco desta “zona paradisíaca”.
É praticamente certo que o parque irá ser desmantelado para dar lugar a um outro inicialmente dinamizado pelo empresário suíço Andreas Reinhart, que em 2008 o vendeu ao grupo de Pedro Queiroz Pereira. O projecto, entretanto, sofreu novo sobressalto e, em 2019, a Discovery Land Company assume a propriedade de um território com cerca de 200 hectares. E é desde aquele ano que se ouve falar da venda do parque, mas até agora ninguém informou os seus utentes do que se está a passar. Apenas respondem aos constantes pedidos de esclarecimento com a frase sistematicamente repetida: “para já não há nada”. Mas a intranquilidade que a expressão gera sustenta uma pergunta: “Quando é que acaba o ‘para já’?”
Embora reconheçam que a venda do parque “é um negócio legítimo e legal, é insuportável a gestão do silêncio que está a ser feita”, comenta um dos utentes que prestou declarações ao PÚBLICO, acrescentando que comprou a casa em madeira onde vive há anos e que ainda a está a pagar. “Cada um lança o seu palpite” e é num ambiente de grande tensão que se passou a viver no parque de campismo da Galé.
E é nesta inconsistência quanto ao futuro que o desfrutar tranquilo do espaço único para se observar “o pôr-do-sol que alimentou tantos amores e as preces de tantos sonhadores” pode desaparecer do olhar de quem “não tem dinheiro para estar nos resorts”, lamenta-se o utente, que esperava desfrutar a paz da sua reforma no Parque de Campismo da Galé.
O dia-a-dia calmo, tranquilo, “é agora pesaroso”, acentua outro residente, vincando a sua indignação: “Tem de haver uma solução para os mais pobres, senão qualquer dia não temos acesso à praia” nesta zona da costa alentejana.
O receio que o parque de campismo da Galé possa estar a chegar ao fim está a provocar um crescente mal-estar, não só nos que actualmente aproveitam o espaço, como de muitos que por lá passaram ao longo das últimas três décadas. Este era um dos últimos redutos para pernoitar numa zona onde a oferta é sobretudo dirigida a quem tem os bolsos mais recheados
Um grupo de utentes do parque está a dinamizar uma campanha de solidariedade que envolve organizações e cidadãos portugueses e estrangeiros que viveram ou passaram pelo parque, incluindo o mundo artístico, para que seja mantido “o cantinho para viver a nossa reforma.”»