TEXTO DA COMUNICAÇÃO ENVIADA NO DIA
DE NATAL DO ANO DE 2015 (EM 24.12.2015), POR ALFREDO PINHEIRO
MARQUES, DIRECTOR DO CENTRO DE ESTUDOS DO MAR (CEMAR), PARA O MESTRE
POVEIRO DO BARCO "JESUS DOS NAVEGANTES", QUE NAS
VÉSPERAS DESSE DIA DE NATAL (EM 21.12.2015) FOI ACUSADO E CONDENADO,
PELO ESTADO PORTUGUÊS, EM COIMBRA, POR UM CRIME QUE NÃO COMETEU:
Figueira da Foz, 24.12.2015
ASSUNTO: manifestação de
solidariedade e de indignação.
Exº. Senhor
Francisco Fortunato
M.I. Mestre do barco da Póvoa de
Varzim
"Jesus dos Navegantes":
Escrevemos agora a V.Exª.
em 24.12.2015, três dias depois de V.Exª. ter sido acusado e
condenado, pelo Estado português, nas vésperas do dia de Natal, por
um crime que não cometeu.
Escrevemos para lhe manifestarmos a
nossa solidariedade e para lhe comunicarmos a nossa disponibilidade
para, daqui para a frente (para sempre, no Futuro), continuarmos a
acompanhar especialmente, e continuarmos a documentar exaustivamente
(no nosso Arquivo e Centro de Documentação, e na futura divulgação
pública das matérias que investigamos, documentamos, e
publicitamos), o caso de V.Exª.: o naufrágio do pequeno
barco "Jesus dos Navegantes" na barra do porto
fluvial da Figueira da Foz em 25.10.2013 (na mesma barra onde,
antes disso, já tinham naufragado outras embarcações… e, depois
disso, ainda vieram a naufragar mais…).
Acompanhar, e documentar. Até que
nesse caso seja feita Justiça. E mesmo depois de tal Justiça ser
feita (para memória e exemplo futuro, nacional e
internacionalmente).
Em primeiro lugar, lamentamos o
infortúnio de que foram vítimas em 25.10.2013 V.Exª. e os seus
sete (7) companheiros, com a tristeza então da perda de quatro (4)
vidas — quatro companheiros desaparecidos para sempre, mortos ao
lado de quem com eles também naufragou, exactamente nas mesmas
circunstâncias de perigo e de segurança… Um infortúnio e uma
tristeza que, infelizmente, deverão ficar com certeza para toda a
vida, e que só não é capaz de verdadeiramente avaliar, ou sequer
imaginar, quem lá não anda, nem nunca lá andou, e acha que lá não
vai ter que andar nunca (e, por isso, pode achar que tudo se resume
somente ao formal cumprimento de processualismos rotineiros, e a
mediática afirmação de imagens públicas).
Mas é claro que, conhecendo, como
conhecemos, a situação concreta do porto da Figueira da Foz (que
está à vista de toda a gente, e que ninguém pode pretender fingir
ignorar…), mais lamentamos a incapacidade técnica,
científica, política, cívica e administrativa, por parte da
entidade Estado português — uma incapacidade reiteradamente
demonstrada, desde 1913, desde 1966, e desde 2008 —, para
conseguir assegurar a construção (bem localizada) e, por
isso, para conseguir assegurar a manutenção (bem
desassoreada) de uma instalação portuária digna desse
nome (e destinada não somente para cargueiros de transporte das
fábricas de celulose, mas também para barcos pequenos, de pesca e
de recreio…!) na região da cidade da Figueira da Foz e da
enseada de Buarcos.
E, sobretudo, lamentamos que, nestas
circunstâncias, sem que o verdadeiro problema seja resolvido (e
sem que ninguém, ao que parece, tenha a iniciativa de por ele
apresentar qualquer acusação), não somente aconteçam os
previsíveis (e previstos) naufrágios (sete [7]
naufrágios, com onze [11] mortes, em cinco [5] anos…) mas
também, para além disso, os próprios náufragos sejam perseguidos
com acusações judiciais (…!), assim se deixando ficar
esquecida a matéria principal do que verdadeiramente está em
causa…! Como é possível…!?
A entidade Estado português —
que, agora, por último, em 2008-2010, aumentou e inflectiu em mais
quatrocentos (400) metros o molhe norte do porto fluvial da Figueira
da Foz… — não pode alegar ignorância ou desconhecimento
destas matérias, pois foi publicamente alertada para a gravidade do
que se propôs fazer (e que, mesmo assim, quis fazer… e fez…).
Os verdadeiros especialistas, que são
os pescadores como V.Exª. (e, mais ainda, os pescadores originários
da própria Figueira da Foz, que melhor conhecem esse mar e esse
porto), logo avisaram, muito atempadamente. E até o maior dos
ignorantes sobre matérias práticas de navegação, o autor destas
linhas, cuja modéstia dos conhecimentos operacionais de navegação
é evidente (pois nasceu muito longe do Mar, lá para os lados da
Serra da Estrela… e é um simples investigador universitário de
História da Cartografia Náutica e Descobrimentos…), avisou
atempadamente, em 2006 e 2008, que a situação que estava a ser
criada iria ser catastrófica ("… uma situação que
poderá vir a ser desastrosa para os pescadores e os iatistas, e
ruinosa para o futuro das pescas e da marina de recreio…").
Mas, mesmo assim, o Estado fez essa obra.
O nível de especialização e de
competência reinantes no Estado português, sobre matérias
específicas de administração portuária, está hoje em dia
exemplarmente patente, sobretudo, no caso do porto da Figueira da
Foz. Lamentamos que V.Exª. e os seus companheiros tenham sido em
25.10.2013 vítimas desse nível de especialização e de competência
— um nível que, de facto, não é de hoje, e já vem desde há
muito tempo (pelo menos, desde 1913, 1966, e 2008). Agora, em 2015,
está só patente de maneira mais escandalosa e mais inadmissível do
que nunca (e, por isso, ridiculamente ilustrativa do que tantas vezes
acontece no Estado português e nas respectivas nomeações
políticas). Mas este tipo de assunto não é para rir, e sim,
infelizmente, para chorar.
Reafirmamos a nossa solidariedade e a
nossa indignação. E a nossa disponibilidade para acompanhar esta
matéria até que nela seja feita Justiça. E desejamos que, apesar
de tudo, se possível, V.Exª. e os restantes náufragos
sobreviventes possam ter, neste Natal do ano 2015, (apesar de nele
renovada a tristeza do Natal de 2013…), as possíveis festas
felizes, e o possível Bom Ano Novo de 2016, que se avizinha, e no
qual é necessário encontrar a força para continuar.
Aceite os melhores cumprimentos, e
votos pessoais.
Director do Centro de Estudos do Mar -
CEMAR