No tempo que passa, é raro, muito raro mesmo, o dia em que
os jornais não falem de corrupção.
As coisas vêm a lume, há espectáculo, vende-se papel.
Contudo, de concreto, quase nada acontece. O piso é escorregadio. Poucos se arriscam
num piso assim.
Onde haja pessoas, a conversa facilmente resvala para o tema corrupção:
na tasca, no café, na praia, nos transportes públicos, no mercado...
Tantas coisas de que há indícios, tanta gente que sabe e, no entanto, tirando o caso de Sócrates, é como
se não existissem.
Umas, já prescreveram; outras, quem é que quer dar a cara e
meter-se em trabalhos?
Na maior parte das vezes não existem provas.
O dinheiro é pago por
fora, sem deixar rasto.
Como se vai depois atrás dele?
Quem denuncia – eu sei do que falo – no mínimo, acaba metido
em incómodos, sarilhos e pode até perder o posto de trabalho …
Aconselha a prudência - eu sei do que falo... - que, quem sabe alguma coisa, pense mais
que duas, três ou mil vezes antes de se manifestar.
Se uma empresa, por exemplo, pagar luvas a alguém, nos
registos da firma nada aparecerá relacionado com o alvo a corromper: podem
existir despesas confidenciais, ofertas a clientes, despesas comerciais,
despesas de marketing, deslocações… Na fuga ao fisco (alguém a receber por
fora), há hipótese da apresentação de despesas que são contabilizadas como
despesas variadas da empresa e nada as relacionar fiscalmente com quem as
apresenta e com quem recebe o respectivo pagamento.
Mas quantas empresas e organismos oficias, juntas de freguesia, por
exemplo - não terão ainda o célebre “saco azul” - dinheiro em notas num cofre, dinheiro que
entra e sai sem registo contabilístico e fiscal?
Muita gente sabe e em conversa de café fala. Contudo,
dificilmente alguém conseguirá provar o que quer que seja - a menos que alguém,
logo na altura em que as coisas acontecem, faça gravações, obtenha fotocópias de
algum recibo manual, coisa que geralmente também não existe - obtenha prova de
depósitos bancários em numerário sem explicação natural...
Tudo coisas improváveis, especialmente, cinco, dez, quinze
ou vinte anos depois.
Temos é de ser optimistas e confiar em quem de direito.
Ainda não há muito tempo, a procuradora-geral Adjunta Cândida Almeida afirmou que "Portugal não é um país corrupto" e que existe uma "percepção" exagerada da dimensão deste crime, sublinhando que é dos poucos Estados europeus onde se investigam "grandes negócios do Estado".
"Acontece que as pessoas, de uma maneira geral, sem saberem exactamente o que estão a dizer, falam de corrupção num conceito sociológico, ético-político eventualmente, mas falam de coisas que não são corrupção, falam de coisas afins"...
"A corrupção tem a ver com cidadãos ou funcionários que se vendem ou querem vender-se".