“Eleito um grupo razoável da CDU para a Assembleia
Municipal, o Joaquim sempre se disponibilizou e participou nas reuniões
preparatórias das Assembleias, o que além do mais obrigou a que fossem melhor
preparadas e mais exigentes.
Com frequência o Joaquim achava que se as propostas não
venciam era porque não as sabiam explicar e convencer, rematando:
- Qualquer burro come palha, o que é preciso é saber
dar-lha!
Numa das Assembleias coube ao Joaquim fazer a intervenção em
nome do grupo dos eleitos da CDU, o que naturalmente fazia com brilhantismo.
Chega atrasado um dos eleitos do PS e como não tinha lugar
junto do seu grupo, ou para não atravessar a sala toda, sentou-se ao lado do
Joaquim.
Seguindo atentamente a intervenção, o homem abanava com a
cabeça concordando com o que o Joaquim explicava e propunha. O Joaquim estava
satisfeito, um já estava convencido. Na hora de votar levantou a cabeça e
espreitou para ver como o seu grupo votava e assim o fez, votando contra a
proposta da CDU apresentada pelo Joaquim.
Reboliço na Assembleia! O Joaquim berra, virado para o
suposto troca-tintas:
- Mas isto é uma aula de ginástica? Está para aí a concordar
e depois vota contra!... Você é algum palhaço ou não sabe o que é que faz aqui?
O eleito do PS indigna-se mas está embaraçado, encolhe-se
com medo do Joaquim. Que quando abanava a cabeça não era por concordar era para
seguir atentamente a intervenção.
- Se não concorda e abana a cabeça a dizer que sim, então é
burro! Se não tem opinião própria, não tem nada que estar aqui, põe-se um
cinzeiro em seu lugar que o deve representar melhor!
Na Assembleia falam todos ao mesmo tempo estupefactos com a
situação, mas com respeitinho que o Joaquim Namorado ainda podia pregar umas
chapadas a algum. O Joaquim não se cala e pede a intervenção do Presidente da
Assembleia Municipal, que aquilo era um ultraje à democracia, o Presidente e a
Mesa não sabem o que fazer, completamente desorientados, também não queriam
afrontar o Joaquim Namorado.
O homem das votações contraditórias acabou por pedir
desculpa por desrespeito à democracia e ter dado sinais errados,
comprometendo-se a, de futuro, não voltar a abanar a cabeça!
Apesar de tudo, o Joaquim ficou satisfeito.”
Este episódio de uma Assembleia Municipal da Figueira da Foz, realizada nos anos 80 do século passado, contado pelo Vasco Paiva, trouxe-me outras recordações...
Vou relembrar ao Vasco Paiva, na altura um alto quadro do PCP,
portanto, profundo conhecedor do que vou
relatar, um episódio que revela bem o
carácter de Joaquim Namorado.
Estávamos em Outubro de 1982. A Comissão Política da Figueira da Aliança
Povo Unido tinha acabado de aprontar as listas para as eleições autárquicas que
se realizaram no final desse mesmo ano.
Para a Câmara Municipal, apresentou: António Augusto Menano,
como cabeça de lista, logo seguido de João Paulo, operário e sindicalista.
Para a Assembleia Municipal, apresentou em primeiro Rui
Frutuoso Alves, como cabeça de lista, Carlos Baptista, traçador naval, em
segundo; e, em terceiro, uma figura
prestigiosa do firmamento intelectual: o consagrado poeta e professor de
Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra,
Joaquim Namorado.
Joaquim Namorado, na altura, era já um cidadão com uma vida
inteira de entrega total à defesa dos interesses do nosso Povo, com um passado
de resistência, que continua a ser um exemplo para todos nós.
Por essa altura, as gerações que passaram por Coimbra, e também as que na Figueira se preocuparam
com o combate ao regime tenebroso de Salazar, tiveram sempre em Joaquim
Namorado, não apenas o Amigo dedicado, esclarecido e compreensivo, mas também o
conselheiro perspicaz.
Joaquim Namorado era um intelectual, mas não era nessa qualidade
que as gentes das Alhadas e de Vila Verde o conheciam, estimavam e admiravam.
Conheciam-no e admiravam-no das sessões comemorativas dos
aniversários das suas colectividades, conheciam-no das conversas que com ele
mantiveram nas suas aldeias, e do ânimo, do entusiasmo e da coragem que as suas
palavras lhes transmitiam.
Na Figueira, com o prof. Orlando de Carvalho, nunca deixou
de comparecer a uma manifestação
antifascista, das que por aqui se realizaram antes de Abril de 1974.
Nem de comparecer, nem de subscrever, na maioria dos casos, a
petição que era obrigatório fazer ao Governador Civil do regime opressor
derrubado pela Revolução do Cravos.
Lado a lado com gente de diferentes quadrantes políticos,
mas todos irmanados por um sentimento de unidade antifascista pelo qual Joaquim
Namorado sempre se bateu.
Na altura, era um profundo conhecedor e interessado pelos
problemas da nossa cidade, do nosso concelho e dos figueirenses. Figueirense
não apenas pelo coração mas também pela acção, em reuniões promovidas para
debate dos assuntos locais, Joaquim Namorado era o figueirense que comparecia,
fazendo ouvir a sua voz, como a voz da esquerda figueirense.
Foi este cidadão, na altura já um intelectual com prestígio a nivel internacional, que aceitou, em Outubro de 1982, ir em nº. 3, numa lista do
seu Partido, na cidade da Figueira da Foz.
Lembras-te Vasco Paiva?..