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quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Troika 2.0

«Enquanto Lisboa exibe ao mundo o brilho do Web Summit, fingindo ser o palco do futuro digital, o país está a ser empurrado para a economia do século XIX — uma economia de salários de miséria, turnos intermináveis e gente exausta a sustentar os lucros dos poucos que chegam de Ferrari. 
Chamam-lhe “Trabalho XXI”, mas é a Troika 2.0, e nem sequer precisou de chegar de avião. 
A AD escreve, a IL aplaude, o Chega distrai — e juntos compõem a mais violenta ofensiva contra quem trabalha desde o tempo da troika. 
Prometem “modernizar”, mas o que trazem é exploração:

 


«– 50 horas por semana, disfarçadas de “banco de horas individual”; 
 – contratos a prazo até 5 anos, para eternizar a precariedade; 
 – menos formação, para garantir uma mão-de-obra dócil e barata; 
 – despedimento livre pela porta do cavalo, onde até quem ganha em tribunal perde o direito de voltar ao trabalho; 
 – greves esvaziadas por serviços mínimos automáticos;
– outsourcing sem regras, para trocar trabalhadores com direitos por subcontratados descartáveis. 
Tudo isto num país que cresce acima da média europeia, mas onde o crescimento foi para Ferraris, não para salários. O trabalhador ficou com a inflação, a renda impossível, a casa vendida a fundos, a escola degradada, o hospital sem médicos. E quando o povo acorda e protesta, chamam-lhe “incompreensível”. Quando os sindicatos unem forças, chamam-lhe “greve política”. Quando o povo se defende, dizem-lhe que “a precariedade não é má”. Claro — a precariedade não é má para quem ganha 4000 € e troca de emprego com indemnizações douradas. Mas é destruidora para a mãe que trabalha no retalho, para o operário, para a enfermeira, para o motorista. 
O Chega cumpre a função de sempre: atira pobres contra pobres. Inventam “invasões islâmicas”, “ciganos subsidiodependentes”, “imigrantes criminosos”. Mas o objetivo é claro: primeiro precarizaram os imigrantes, impedindo-os de se legalizar para ficarem presos a intermediários e patrões sem escrúpulos; agora vêm precarizar os portugueses. 
A Iniciativa Liberal embala o discurso com palavras bonitas: “flexibilização”, “escolha do trabalhador”. Mas sem sindicatos, sem rede, sem alternativas, não há escolha — há chantagem. Aceita ou és substituído. E a “flexibilidade” de uns é a servidão dos outros. 
E no meio, a AD — que dizia querer “a economia a crescer como nunca” — apresenta um pacote que destrói tudo o que fez o país resistir à crise: reduz direitos, agrava desigualdades e abre portas a despedimentos em massa. 
CGTP e UGT, unidas — até os sindicatos mais próximos do PSD — chamaram-lhe o que é: a lei final, o fim do trabalho com dignidade. 
E enquanto o Governo legisla o retrocesso, o país distrai-se com eleições de clubes de futebol, reality shows e os espetáculos do populismo. Cada vez que o Chega fala em “burqas”, em “criminalidade”, em “corrupção socialista”, um novo artigo da lei é aprovado para tirar direitos a quem trabalha. Cada vez que a IL fala em “produtividade”, um novo trabalhador é despedido e recontratado como precário. Cada vez que a AD fala em “modernização”, é mais um turno de 12 horas disfarçado de “escolha”. 
Esta é a nova Troika. Não vem da Alemanha. Vem das bancadas da Assembleia da República. E não pensem que isto fica pelo privado. Depois de destroçarem o sector privado, irão atrás dos funcionários públicos, dos professores, dos médicos, dos enfermeiros. Quem trabalha é o alvo. O projeto é claro: um país obediente, cansado, barato, onde o Estado serve os poderosos — nunca os que trabalham.
Um ano e meio bastou. Sem pandemias e sem guerras, rebentaram as finanças, travaram a economia, destruíram a coesão social, pioraram o SNS. 
Um Governo de ilusões e diversões: o que estava mal, piorou; o que estava bem, mal ficou… só ganharam os que já estavam a ganhar. 
Meus caros, votaram com medo de imigrantes, ciganos e burcas? 
Agora que lhes deram o poder que queriam, o alvo são vocês.»
Eduardo Maltez Silva, in Facebook,10/11/2025. 

domingo, 26 de outubro de 2025

Ventura, o candidato à Presidência da República...


Nota de rodapé
"Há em Ventura os 3 Salazares de que – segundo diz –, Portugal precisa, o que é, o que sonha ser e o que não pensa, com uma feliz coincidência, nenhum procriou.
O verdadeiro não comentava futebol, tinha horror às câmaras de televisão e não exibia a sua fé em público; o genérico é comentador, não sai do ar e leva o rosário no bolso para mostrar durante os refluxos esofágicos.
Salazar vivia em S. Bento, era avesso a multidões e parco em palavras; Ventura vive no Parque das Nações, fala pelos cotovelos, adora ser escutado e dá mais entrevistas num só mês do que o seu ídolo em toda a vida.
O ditador estabeleceu a censura, a bufaria, as perseguições, a prisão, a tortura, o degredo e o assassinato para os adversários; o 4.º Pastorinho ainda não.
O verdadeiro lançou Portugal na guerra colonial e fez morrer jovens durante uma dúzia de anos numa causa perdida, injusta e criminosa, e ficou impune. Hoje as tropas não se arriscam sequer a reconquistar Olivença e quem as mandar morrer não fica impune.
Salazar falava pouco para não se contradizer; este contradiz-se para falar ainda mais.
O sinistro estadista não se confessava, porque alegava que os segredos de Estado não se podiam revelar, não se ajoelhava perante o clero e era este que se ajoelhava perante ele.
Salazar prescindiu do diretor espiritual do seminário e não o substituiu. E, porque eram outros os tempos ou porque era mais casto, não foi publicamente suspeito de pedofilia.
Salazar morreu na cama convencido de que era ainda o primeiro-ministro, e o André só sabe como morreu Mussolini, o católico que prestou maiores serviços à Igreja católica e de quem o Deus do André se esqueceu.
Salazar era sóbrio, não era palhaço, mas também era um homem a quem os portugueses insultavam a mãe. Em privado, naturalmente. Com Ventura ainda é às escâncaras."

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

5 de Outubro de 1910, a Figueira e os Homens de bem

Quem sempre determina o rumo do mundo, são duas espécies de seres humanos.
Os que fazem da sua vida uma inspiração a luta pela esperança, pela democracia e pelo futuro. 
E os outros.
É por isso, que quando desaparece alguém que deu exemplo de generosidade e dedicação, que olhou para diferentes como semelhantes ou para semelhantes como iguais, ficamos abandonados à sorte de uma humanidade que continua a revelar-se animalesca, verificando-se, nos últimos tempos, uma  revalorização do ódio, uma perseguição do outro, a obsessão da identidade nacional como desculpa para a agressão.
É por isso que Portugal em 2025 está a ficar tão perigoso.

A implantação da República em Portugal, aconteceu como um golpe inevitável dado o clima que se vivia no país.
Nos últimos anos de monarquia a situação sócio- económica do país agravava-se de dia para dia, a crise tinha-se instalado, o povo vivia na miséria em contraste com a abundância em que viviam a classe política, a burguesia e a nobreza. Esta situação agravou-se com a questão do Ultimato Inglês, onde era exigido que Portugal se retirasse do território entre Angola e Moçambique (zona do Mapa cor-de-rosa), perdendo os benefícios de que usufruía nessa região. O descontentamento foi geral, tanto mais que ainda reforçava o poder do Rei, e os ânimos exaltaram-se. A partir de 1906 conjurava-se já o derrube da monarquia constitucional. Em 1908 deu-se, efectivamente, uma primeira tentativa de destituição da monarquia, mas falhou, tendo sido, no entanto, morto o Rei D. Carlos I e o Príncipe herdeiro D. Luís Filipe. O regicídio deu-se no Terreiro de Paço, onde foram ambos abatidos a tiro. D. Manuel foi o seu sucessor. Nos anos seguintes o clima foi-se agravando e, em 1910 o país vivia num caos com conspirações dos republicanos de um lado, conspirações dos monárquicos do outro, os operários faziam greve reclamando melhores condições de trabalho e de vida e a classe média, mostrava-se tão furiosa como o operariado, pois perdiam com a falência do banco Crédito Predial Português, dirigido por chefes políticos da monarquia. Os republicanos reclamavam, acima de tudo, com a ordem forçada em que se vivia, reclamavam uma “greve geral” e a ideia, por muito disparatada que parecesse, começou a soar bem. As operações que levaram à queda da monarquia revelaram-se fáceis face à desorganização das forças monárquicas.

A Figueira também viveu os acontecimentos de Outubro de 1910.
Manuel Gaspar de Barros, Memórias
"Nos anos que precederam a proclamação da República, os republicanos organizavam conferências de propaganda em todo o país. Na Figueira isso acontecia frequentemente, com numerosos vultos políticos. Só quero agora referir que conhecei então o Prof. Miguel Bombarda. Veio uma vez fazer umas dessas conferências no Teatro Príncipe, que mais tarde ardeu.
Em 1910 eu tinha 9 anos. A nossa habitação era na rua da Lomba e o meu pai tinha um pequeno escritório no rés-do-chão. No dia 3 de Outubro à noitinha o meu pai disse-me: “Vais ser um homenzinho e quero-te dizer uma coisa. Rebentou em Lisboa uma revolução para proclamar a República. Hoje aqui não sabemos mais nada”. Mas no dia seguinte, 4 de Outubro, o meu pai não veio almoçar e à noite não veio jantar. Não sabíamos dele e, ao entrar da noite, minha Mãe começou a ficar inquieta, não sabia o que havia de fazer. A cidade estava agitada, corriam muitos boatos, na madrugada do dia 5, perante a inquietação de minha mãe a minha avó, que tinha grande ascendente sobre meu Pai, resolveu-se afazer alguma coisa. Mandou um empregado procurá-lo pela cidade e dizer-lhe que ela lhe queria falar; ele não apareceu à hora matutina do primeiro almoço, e contou que, de pé, dum banco da praça Nova, tinha conseguido pelo seu prestígio político, manter ordeira toda a população agitadíssima pela vitória da República em Lisboa.
Nos dias seguintes, talvez nos dias 5 e 6 de Outubro, eram manifestações e cortejos por toda a cidade. Vivas, discursos, a cada paragem, homens roucos de tanto gritar. Meu pai seguia nessas manifestações e eu acompanhava-o. Um dos tribunos mais em evidencia era o Snr. António Lino Franco, farmacêutico na Praça Velha. Nas manifestações as filarmónicas tocavam incessantemente a “Portuguesa”, o nosso hino. Em seguida foi a mudança da bandeira azul e branca, da Monarquia, pela verde rubra da República, nos edifícios públicos. No forte de Santa Catarina deixaram-me puxar a adriça para içar a bandeira verde-encarnada. Possuo uma fotografia da cerimónia."

Na foto da comemoração do 5 de Outubro de 1971 na Figueira, (obtida via Mário Bertô Ribeiro) é visível o Homem e  o Mestre da política e da escrita, de seu nome José Fernandes Martins.
Morreu em 28 de Abril de 2000. Tinha nascido a 17 de Fevereiro de 1941. Nome completo: José Alberto de Castro Fernandes Martins. Para os Amigos, simplesmente o ZÉ. 
Purista do verbo e do enredo no dissertar da pena, concebia o jornalismo como uma arte e uma missão nobre. “Também a lança pode ser uma pena/também a pena pode ser chicote!” 
Andarilho e contador de histórias vividas, passou em palavras escritas pelo Notícias da Figueira, Diário de Coimbra, Diário Popular, Jornal de Notícias, Diário de Lisboa, República, Opinião, Vértice, Mar Alto (de que foi co-fundador), Barca Nova (de que foi fundador e Director) e Linha do Oeste. 
No associativismo passou pelo Ginásio Clube Figueirense e Sociedade Boa União Alhadense. 
Lutador contra o regime deposto pelo 25 de Abril de 1974, teve ficha na PIDE. Foi membro da Comissão Nacional do 3º. Congresso da Oposição Democrática que se realizou em 1969 em Aveiro. Chegou a ser preso pela polícia política. 
Com a sua morte, a Figueira perdeu uma parte do seu rosto. Não a visível, mas a essencial. Era crítico e exigente. Mas, ao mesmo tempo, bom, tolerante e solidário. 
Mais de 25 anos depois da sua morte, a Figueira, a cidade que amou toda a vida, continua a ignorá-lo.
Zé Martins, de costas e em primeiro plano, é o terceiro a contar da direita

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Faleceu Maria Teresa Coimbra, militante histórica do PS e Cidadã Honorária da Figueira da Foz

Foto Pedro Agostinho Cruz. Sacada daqui 


As minhas condolências à família enlutada.

Texto: Diário de Coimbra 

"Faleceu, aos 95 anos, Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra, antiga professora de Físico-Química da Escola Bernardino Machado e militante do Partido Socialista (PS), partido pelo qual foi eleita deputada da Assembleia da República, entre 1999 e 2002.
Natural de Coimbra, residia há vários anos na Figueira da Foz, tendo desempenhado funções de deputada da Assembleia Municipal (1994-2001). Integrou também um executivo da então Junta de Freguesia de São Julião (2010-2013) e ocupou várias funções dirigentes no partido, salienta a Secção do PS da Figueira da Foz, recordando que Maria Teresa Oliveira foi «a primeira mulher a ser eleita ao cargo de deputada à Assembleia da República representando o Partido Socialista», por indicação do PS Figueira.
«O Município da Figueira da Foz está de luto. Morreu uma das suas cidadãs que mais se destacaram, a Dr.ª Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra. Teve uma vida notável de serviço à docência e à formação de tantos jovens e à intervenção cívica e política. Primeira mulher a ser eleita Deputada à Assembleia da República, muito se destacou na defesa de causas sociais», destaca o Município da Figueira da Foz, que decretou luto municipal, a cumprir hoje, quinta-feira.
Maria Teresa Coimbra era viúva de David Gonçalves Coimbra e mãe de Isabel Maria Coimbra.
O funeral realiza-se hoje, quinta-feira, às 15h00, da Igreja de Santo António da Figueira da Foz para o Complexo Funerário da Figueira da Foz.

A Federação Distrital de Coimbra do Partido Socialista, através do seu presidente, João Portugal, também emitiu uma nota de pesar, lamentando o falecimento da antiga deputada à Assembleia da República. «Defensora da liberdade, da democracia e dos ideais republicanos, Teresa Coimbra nasceu numa família antifascista, tendo visto o pai ser detido e preso pela PIDE. Estudou em Coimbra, onde se licenciou em Física, tendo sido professora e explicadora de muitas centenas de jovens figueirenses e não só», lê-se na nota.
Filiou-se no PS depois do 25 de Abril de 1974 e novamente em 1989. «Para além da educação, da ciência e da política, dedicou-se ainda ao associativismo e a causas sociais, tendo mantido, até ao fim, o seu notável espírito crítico, a sua oratória lúcida e os seus valores intocados», destaca a Distrital de Coimbra do PS, ao acrescentar que «a memória de Teresa Coimbra permanecerá, no Partido Socialista e em particular na Federação Distrital de Coimbra, como um exemplo de vida, de integridade e de lucidez».

Em outubro de 2020, o Município da Figueira da Foz prestou homenagem a Teresa Coimbra, atribuindo-lhe a medalha de mérito técnico/científico em prata dourada. A homenagem, como referiu o edil na época, Carlos Monteiro foi «o reflexo da consciência de todos de que o seu nome marca de forma indelével a vida do concelho e, particularmente, da cidade». O autarca reforçou, na sua intervenção, que são exemplos como o de Teresa Coimbra que devem inspirar a fazer «mais e melhor»."

Cidadã Honorária da Figueira da Foz.
Em 24 de junho de 2022, por ocasião do Dia da Cidade, o executivo presidido por Pedro Santana Lopes, homenageou a Professora e antiga deputada Maria Teresa Coimbra, com a atribuição da Medalha da Cidade da Figueira da Foz.
O Município da Figueira da Foz concedeu-lhe o título de Cidadã Honorária da Figueira da Foz.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Valter Hugo Mãe nas 5ªs. de leitura

Biblioteca Municipal da Figueira da Foz

Museu Municipal Santos Rocha - Sala de exposição "João Reis 1889-1982 | A Intuição da Pintura"

Moderação:Teresa Carvalho - Professora e crítica literária.
A entrada é gratuita, contudo, sujeita à lotação do espaço.
Um dos mais destacados autores portugueses da actualidade, com uma vasta obra traduzida em inúmeras línguas, Valter Hugo Mãe, que é já uma presença assídua no projeto «5as de Leitura», vem falar do seu mais recente livro “Deus na Escuridão”, que tem a ilha da Madeira como cenário, é inspirado em histórias reais e que têm no epicentro da ação a vida de dois irmãos cheios de "bravura".

terça-feira, 15 de outubro de 2024

50 anos depois interrogo-me: o 25 de Abril de 1974 foi uma "revolução" ou um "milagre"?

2024, é o ano em que perfaz meio século (50 anos!) que Portugal entrou numa nova fase da sua já longa existência de nove séculos enquanto Estado independente e reconhecido como tal. 
Na data histórica do 25 de Abril de 1974, um golpe militar desencadeado por um setor mais ativo e consciente de umas Forças Armadas física e moralmente exaustas com 13 anos de uma Guerra Colonial sem fim à vista, que não fosse o da derrota face aos movimentos de libertação das colónias africanas, derrubou uma longa ditadura de 48 anos e devolveu ao País a liberdade e uma esperança no futuro.

No dia 25 de abril de 1974 tinha 20 anos de idade. Vivia na Cova e Gala, uma Aldeia bisonha, cinzenta, deprimida e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto, incluindo as que me estavam mais próximas. O preto era a cor das suas vidas. A minha avó Carmina Pereira, Mãe do meu Pai, viúva de um pescador do bacalhau, desde a década de sessenta que vestia de preto. A minha avó Rosa Maia, Mãe da minha Mãe, viúva de um combatente da I Guerra Mundial, vestia de preto desde 1928. A minha Mãe, ficou viúva a 6 de Junho de 1974. Passou, logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, a vestir de preto até 14 de Julho de 2015, dia em que morreu.
O preto era a cor das nossas vidas.

Há 50 anos Portugal era diferente! Havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado, licença para poder usar isqueiro... 
E havia medo, muito medo. 
A ditadura castra e oprime, bloqueia o pensamento e impede que se escolha.
50 anos depois daquele “dia inicial inteiro e limpo”, em Outubro de 2024, vejo o óbvio: o 25 de Abril de 1974 foi mais do que a "revolução possível" - foi um "milagre".

Ricardo Salgado começou hoje a ser julgado em Lisboa com outros 17 arguidos (incluindo três empresas) acusados de um total de 276 crimes.
Percebem agora porque é que em 1975 os bancos foram nacionalizados?
Para não serem roubados por dentro.
A 30 de Abril de 1974, à saída de uma reunião com Spínola, em que o presidente da Junta de Salvação Nacional discute o programa do MFA com os maiores capitalistas portugueses da época, António Champalimaud felicita «todos os que estiveram na base da gloriosa arrancada – o 25 de Abril de 1974». Além de Champalimaud, estão presentes José Manuel de Mello, Manuel Ricardo Espírito Santo, Miguel Quina (o banqueiro portuense do Borges e Irmão). Champalimaud recorda o regime caído há cinco dias e como este «limitava drasticamente a capacidade de acção dos homens de iniciativa» (Filipe Fernandes, Fortunas & Negócios, empresários portugueses do século XX, 2003). Como já sabemos, este antifascismo foi de pouca dura e, para defender as suas posses, Champalimaud e todos os outros passaram-se para a conspiração anti-democrática.

Eram os homens mais ricos de Portugal na queda do Estado Novo e voltaram  a sê-lo no fim da vida, beneficiando do processo de privatizações ...
50 anos depois daquele “dia inicial inteiro e limpo”, em Outubro de 2024,  o óbvio está à vista: o 25 de Abril de 1974 foi mais do que a "Revolução possível" - foi mesmo um "milagre".
No julgamento iniciado hoje faltam muitos réus: por exemplo os que foram buscar os melos, os champalimauds e os espírito santos e os ajudaram a reconstruir os monopólios, todos protegidos dos governos da ditadura e da democracia.  E quem em Julho de 2014, quando já havia sinais iminentes da derrocada, considerou que o Banco de Portugal tinha atuado «muito bem» a «preservar a estabilidade e a solidez» do sistema bancário português.

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

A pesca do bacalhau. Viana do Castelo e Figueira. Gil Eanes e José Cação

GIL EANNES, atracado ao fundo da antiga doca comercial, quase junto da moderna Praça da Liberdade

Foto: António Agostinho

Artigo do Tomo 41 dos Cadernos Vianenses, 2008, escrito por António de Carvalho, investigador da história local.

"O emblemático navio hospital GIL EANNES, atracado ao fundo da antiga doca comercial, quase junto da moderna Praça da Liberdade, sendo considerado desde há alguns anos a esta data como um dos elementos mais marcantes da cidade, afirma-se cada vez mais como seu pólo atractivo, como comprovam as centenas de milhares de visitantes já nele recebidos desde que abriu ao público como núcleo museológico em 19 de Agosto de 1998. (...)"

Hoje, o navio representa um património histórico e emocional muito importante para Viana do Castelo.  Pois, além de ter sido construído no ano 1955 nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, também é um "símbolo vivo da qualidade da nossa construção naval" e prestou "assistência médica e social aos pescadores portugueses da frota bacalhoeira (...)."

O navio hospital GIL EANNES "não é apenas um estimável emblema da tradição e da qualidade da secular construção naval vianense, tem tão só a mais original Pousada da Juventude do País, pois é também o núcleo museológico que se tornou num dos principais pólos de atracção da Frente Ribeirinha, e como tal, um dos espaços mais procurados da cidade, sendo hoje o segundo museu em número de visitas no Norte do País (sendo apenas precedido pelo Museu de Serralves, no Porto), o que é bastante honroso para todos os vianenses. (...)"


Nota de rodapé (1).

1911, Figueira da Foz. Nesse já longínquo ano, é fundada na Figueira da Foz pelos irmãos António e João Neto BrazJosé Ribeiro Gomes e outros, nomeadamente Manuel Gaspar de Lemos, a Sociedade de Pesca Oceano, Lda.
O primeiro navio da empresa foi o lugre Oceano, comprado em Hamburgo em 1912.
Anos mais tarde, os irmãos Alberto e José Sotto Maior adquiriram a SPOL.
Foram eles que trouxeram para a Figueira um dos mais belos navios de que tenho memória: o José Alberto.
Os irmãos António José Cação, passados alguns anos, assumiram a gerência da empresa, tendo depois ficado seus proprietários.  
E é assim que chegamos a 1973 e a minha vida se cruza, durante 10 anos, com o mundo SPOL, comandado pelo eng. Carlos António Andrade Cação.
eng. Andrade Cação, nasceu na Figueira a 24 de julho de 1938. Licenciou-se em engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia do Porto. Depois de ter passado pela Administração Geral do Porto de Lisboaem 1967 tornou-se sócio da Sociedade de Pesca Oceano. Anos mais tarde, quando já era seu único dono, alargou a actividade da empresa ao arrasto costeiro, com os barcos Irene Doraty (a junção dos primeiros nomes da sua mãe e da sua tia) e o Natália Eugénia. A frota de arrasto costeiro da SPOL alargou, e na década de 80, chegou a ser composta por 6 unidades.
Porém, do meu ponto de vista, aquilo onde o eng. Andrade Cação deixou  a sua marca pessoal, aconteceu no final da década de 60 ao transformar o navio de pesca à linha Soto Maior (na altura o nome foi mudado para José Cação, o nome do seu tio) para o sistema de redes de emalhar, o que constituiu na altura uma atitude pioneira em Portugal.
Em 1971, comprou o Vaz, irmão gémeo do José Cação, que depois de também transformado para poder pescar com redes de emalhar, foi baptizado com o nome do seu pai - António Cação

Navio "JOSÉ CAÇÃO"o último bacalhoeiro da  Figueira da Foz,
 
numa foto tirada a 14 de Maio de 2002

Estes barcos pescaram até 1990 e foram os últimos navios da "Faina Maior" a operar no porto da Figueira da Foz.
Lamentavelmente, na Figueira, dessa memória nada resta.  
“José Cação”, apesar dos esforços de homens como Álvaro Abreu da SilvaManuel Luís Pata e Marques Guerra,  foi para a sucata. Como sublinhou Álvaro Abreu da Silva, um dos seus últimos Capitães, "foi e levou com ele, nos ferros retorcidos em que se tornou, a memória das águas que sulcou e dos homens que na sua amurada se debruçaram para vislumbrar os oceanos”.


Nota de rodapé (2).
Quem quiser saber a importância que a "faina maior" teve na Figueira da Foz, até à década de 80 do século passado, tem de recorrer aos livros que Manuel Luís Pata publicou em 1997, 2001 e 2003. Lá estão coligidas notícias, referências escritas e testemunhos orais, textos, comentários e recordações pessoais, sobre a Figueira da Foz e a relevância da Pesca do Bacalhau no desenvolvimento do nosso concelho. Como escreveu Pinheiro Marques: "se a Figueira da Foz tem reunidos os elementos para a sua História Marítima nos séculos XIX-XX, deve-o à Cova-Gala (São Pedro): deve-o ao Capitão João Pereira Mano e ao Senhor Manuel Luís Pata."

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Nascer na Figueira deixou de ser possível há quase há 18 anos. Entretanto, como malandros que somos, enceraram-nos a morgue. Mas, isso pode mudar...

A Maternidade da Figueira está encerrada desde 4 de novembro de 2006.
Foi uma bebé russa que encerrou bloco de partos. Uma menina com 3.230 gramas, com mãe de nacionalidade russa, nasceu às 00h30 do dia 1 de Novembro.
Este nascimento, fechou um ciclo que durava há 59 anos e que havia sido criado para responder a uma necessidade de um concelho, que se acreditava estar em desenvolvimento. 
Nessa noite, nos corredores da maternidade do HDFF o ambiente era sereno, mas sentia-se a tristeza. Os sorrisos tímidos, as palavras quase nenhumas e o carinho com que se abraçou a última bebé ainda foi maior.  
A última bebé a nascer no bloco de partos do Hospital Distrital da Figueira veio ao mundo poucas horas depois de se conhecer a data de encerramento daquele espaço.
Por curiosidade, fica o rosto politico do fecho da Maternidade da Figueirara da Foz: CORREIA de CAMPOS, ministro da saúde de um governo socialista chefiado por José Sócrates.

A nossa cidade foi assim espoliada do acto mais bonito da vida: “nascer na Figueira!”
Entretanto, também encerraram morgue.
Não podemos “nascer na Figueira”, não podemos “morrer na Figueira”!
Portanto, “nascer e morrer longe da Figueira”, foram medidas tomadas para ajudar a resolver a crise! ...
Em primeiro lugar estava a resolução do défice! ...
A maternidade encerrou, por não conseguir 1500 partos por ano! ...
A culpa é sempre nossa! ...
Somos uns malandros: nem procriamos a valer! ...
Encerrar a morgue foi algo esperado e compreensível: se somos malandros a nascer, teríamos  de ser empreendedores a morrer? ...
Uma morgue não pode ser ridícula. Tem de ter número de mortos a sério.
Para não termos de ir morrer longe, teríamos de morrer muito - e em força!...
Na Figueira, nem para a morte houve há saída!... 

Porém, temos de salvar o porvir! ... 
Ainda havemos de poder continuar a “morrer na Figueira”! ...
Sejamos bairristas em tudo. Mesmo no futebol e na morte! ...
Temos de contribuir para salvar o futuro. De forma gratuita, aqui fica o meu contributo para a campanha “MORGUE ABERTA”.
“Há mínimos a cumprir/Quer que a morgue da Figueira volte a viver?/Mate-se já!/A valer./Força!/Juntos vamos conseguir! ...”
Temos aí algo que nos pode ajudar a ter de reabrir a morgue: exploração do caulino
Há pouco, decorreu a consulta pública do pedido de atribuição de direitos de prospecção e pesquisa de minerais de areias siliciosas e argilas especiais, nomeadamente caulino, para a área designada Feteira, lê-se no edital da Direção-Geral de Energia e Geologia. O pedido para a realização das sondagens nos terrenos foi apresentado pela empresa Aldeia, S.A., com sede no concelho de Leiria. A contagem do prazo para a participação na fase da consulta pública, no Portal Participa (na internet), começou no dia 3 deste mês e prolongou-se por 30 dias úteis. Os eventuais interessados puderam consultar os documentos do processo – memória descritiva do pedido de prospeção e pesquisa, cópia do requerimento, mapa de localização, dados da área do pedido e pareceres das entidades consultadas. 
A consulta dos referidos documentos foi feita através do citado portal e da página da Direção-Geral de Energia e Geologia na internet. Segundo o edital da Direção-Geral de Energia e Geologia, naqueles documentos já constam as reformulações resultantes da alteração oficiosa da área promovida por este organismo público decorrente da análise das condicionantes apresentadas pelo parecer da Câmara Municipal da Figueira da Foz, igualmente disponível para consulta.
Por último, ainda de acordo com o citado edital, as observações e sugestões no âmbito da consulta pública, especificamente relacionadas com aquele pedido de prospecção e pesquisa de caulino na localidade de Feteira, devem ser apresentadas no Portal Participa, onde, afiança o edital da Direção-Geral de Energia e Geologia, “serão devidamente analisadas e consideradas”
Questionado a meio do mês de Julho passado pelo DIÁRIO AS BEIRAS, sobre a posição da Junta de Freguesia de Vila Verde em relação à eventual exploração de caulino na freguesia e que diligências e ações pretende levar a efeito, em caso de oposição, o presidente da Junta de Vila Verde, Vítor Alemão, respondeu: “cabe ao povo decidir e defender a sua vontade”

Neste momento, creio que a Assembleia Municipal da Figueira da Foz é a entidade que pode impedir a realização do projeto. 
Mas, porque deveria fazê-lo?
Em 2024, no nosso País, o Interesse Público não passa por  defender um concelho com ar puro e água potável, fauna e flora saudáveis, seres humanos livres de doenças provocadas pela ganância de outros seres humanos, animais convivendo em equilíbrio saudável com outros animais e com os seres humanos, ruas limpas e segurança física dos moradores, sobretudo, crianças, mas satisfazer eventuais interesses económicos de empresas privadas que procuram o lucro.
Perante o risco de prejudicar o lucro de um grupo económico, o que representam para os políticos os habitantes do concelho, em especial os malefícios infligidos aos habitantes da freguesia de Vila Verde, mais concretamente aos habitantes do Casal da Marinha, do Ervidinho, da Feteira de Baixo e da Feteira de Cima, de Lares e aglomerados incluídos, Casal Andrade, Vale de Avito, Gândara de Lares?

Não sei exactamente porquê, mas nestas alturas lembro-me de Miguel Torga.
“É uma tristeza verificar que a política se faz na praça pública com demagogia e nos bastidores com maquinações. E mais triste ainda concluir que não pode ser doutra maneira, dada a natureza da condição humana, que nunca soube distinguir o seu egoísmo do bem comum e vende a alma ao diabo pela vara do mando. A ambição do poder não olha a meios, pois todos lhe parecem legítimos, se eficazes.”

terça-feira, 25 de junho de 2024

UM HOMEM CONTEMPORÂNEO


Daniel Oliveira

"Há, em Ventura, um desvio típico dos sociopatas. Ele consegue ir onde outros param. Não por ser mais corajoso (teme todos os que têm poder) ou mais esperto do que os outros, mas porque foi despojado dos mecanismos emocionais que nos travam perante a crueldade. Estes são os homens realmente perigosos. Não precisam de ser violentos e até podem ser muito simpáticos. Mas são, e provavelmente é isso que Ventura será, sociopatas. Se forem ver o canal de YouTube do Chega, verão como o partido tratou esta audição e percebem como Ventura e os seus companheiros não viram, naquela mãe, o mesmo que quase todos vimos. Viram uma adversária política como qualquer outra, pronta para ser arrasada.

Porque digo que Ventura tem razão e eu não? Porque ele sabe que o seu crescimento político depende do mesmo que dependeu o crescimento das correntes ideológicas de que é próximo: da apatia perante o sofrimento do outro. Não é da raiva que a extrema-direita se alimenta. É do egoísmo desumanizador. Aquele que as grandes ideologias usavam em nome de um “bem maior”, de um novo devir, mas que esta nova direita, que casa o autoritarismo neofascista com o individualismo neoliberal, usa em nome do ressentimento individual."

segunda-feira, 20 de maio de 2024

Os “ratinhos” dos nossos tempos

«No tempo em que ninguém para cá queria vir não havia no Alentejo imigrantes mas havia emigrantes. Os chamados “ratinhos” que iam das Beiras trabalhar na altura das ceifas. E, tal como os imigrantes de hoje, aceitavam trabalhar por muito pouco, viver ás vezes até ao relento e comer para ali uma côdea de pão. 
Ontem, como hoje, muita gente culpava os “ratinhos” e não os agrários, que tudo faziam para pagar o menos possível a quem trabalhava. Os agrários exploradores que tinham na polícia rural, que era a GNR, os jagunços perfeitos para pôr em sentido quem protestava. E, se para pôr o gado em sentido, fosse preciso matar em plena rua uma mãe de quatro filhos, matava-se.

À extrema-direita só interessa, justamente, o desviar das atenções. O culpar os imigrantes é o desviar das atenções do facto de que todos estarmos a perder direitos. Nada mais que isso. 
O que a extrema-direita é, também se aplica à Iniciativa Liberal do Cotrim, que quer é um regresso aos anos 60. Um regresso ao tempo em que, além de haver três famílias numa casa de três quartos ou menos, ainda havia milhares de barracas, um pouco por todo o lado e em que, quem tinha a, sorte de ter uma cama e não uma enxerga, só tinha dois jogos de lençóis comprados a prestações. 
Quanto mais a extrema-direita, o fascismo, o racismo, a xenofobia crescerem, mais deslocados haverá. Porque ficar à espera de ser morto pela fome ou por uma milícia não é opção para ninguém. 
A extrema-direita é parte do problema, aqui e nos países de onde os imigrantes vêm, nunca a solução. E, se não formos capazes de ver isso, estamos tramados.»

terça-feira, 30 de abril de 2024

“A prisão dos presos que não cometeram crimes”

Museu Nacional Resistência e Liberdade, de Peniche, abre portas em festa


«O sonho tornou-se realidade: foi inaugurado o Museu Nacional Resistência e Liberdade, a 27 de Abril de 2024, 50 anos depois da saída dos últimos presos políticos daquela fortaleza sobre o mar, onde o regime fascista encarcerava, para cumprir pena, os homens condenados por lutar por um mundo melhor.

No pátio da fortaleza encontra-se o memorial, inaugurado em 2019, que lembra o nome de 2 626 presos entre 1934 e 1974. É daí que começa a visita ao museu, que só existe porque a unidade dos democratas - ex-presos políticos, familiares, antifascistas em geral e organizações que lutam pela preservação da memória, entre as quais a União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) - foi mais forte do que o Decreto-Lei nº 161/2019, do XXI Governo Constitucional.
“Quando não se desiste e se luta por causas justas como esta pode demorar tempo, mas a força da razão e da luta acabam por vencer”, diria o coordenador da URAP, José Pedro Soares, quando interveio no final da cerimónia.
O governo queria, designadamente, transformar uma das mais sinistras cadeia da ditadura, considerada como símbolo maior da resistência antifascista e da luta pela liberdade, numa pousada de luxo ao abrigo do Programa Revive.
Antes de entrarem no Forte, ao som do hino do MFA, milhares de pessoas vindas de todos os pontos do país encheram as ruas de Peniche num desfile encabeçado por ex-presos políticos e personalidades “erguendo de novo, os nossos cravos de Abril”, como diria o coordenador da URAP na sua intervenção.
“25 de Abril Sempre, Fascismo nunca mais”, lia-se na faixa da URAP. À subida para o forte a banda da Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense toca Grândola, Vila Morena. A cerimónia no forte vai começar.
Guilherme Velez, presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa leu a mensagem do ex-preso político António Borges Coelho. O historiador diz que os museus “guardam memórias que marcam o nosso quotidiano”, mas este “é um museu singular, um museu destinado a resgatar a memória daqueles que ousaram oferecer a sua vida para resgatar a liberdade roubada durante 48 anos de repressão e obscurantismo”.
Borges Coelho presta também homenagem ao povo de Peniche lembrando a mulher anónima que, em 1962, na frente dos guardas, lhe pediu um abraço junto à fortaleza quando saía de seis anos e meio de prisão.
Herculana Avilez, filha do ex-preso Joaquim Diogo Avilez, toma a palavra. Começa por dizer que “Fomos meninos e meninas. Não nascemos adultos, tonámo-nos adultos em tempo de ser criança”, para contar que, aos 3-4 anos, esteve na clandestinidade com os pais durante quatro anos até os pais serem presos.
A mãe sairia ao fim de um ano e o pai de nove. “Nove anos passados em função desta cadeia, ora a caminhar a fim de visitar o meu pai, ora assistindo às lutas travadas na entrada desta fortaleza pelas companheiras e mães, principalmente, mas também por outros familiares exigindo direitos como saber, por exemplo, porque determinado preso, ou um grupo de presos, não tinha direito a visitas”.
“Se eu tinha medo? Nunca chorei, nunca demonstrei medo, nunca falei. Eu não falava nem para dizer o nome!”, contou Herculana Avilez. “O que me trazia a esta cadeia era o regime fascista, era o governo da ditadura, era a falta de liberdade. A ditadura que alimentava a miséria e a ignorância. E a quem se lhe opunha torturava, prendia e matava. Se esta menina ficou marcada pela vida clandestina, pelos sacrifícios e a luta dos pais resistentes antifascistas, sem dúvida!”.
“Estou hoje aqui mas algumas crianças não puderam aqui chegar, (…) ficaram pelo caminho meninos e meninas quer pela fome ou falta de assistência médica, ficando nas nossas memórias. Presto-lhe a minha mais sentida homenagem”, bem como “a todos os homens e mulheres que abnegada e corajosamente se entregaram à luta contra o fascismo pagando com longos anos de prisão (…)”, disse Herculana Avilez.
“Quero deixar aqui também o meu agradecimento e homenagear o povo de Peniche que, vencendo o medo e ameaças da PIDE, prestou auxílio e uma enorme solidariedade às famílias dos presos políticos em condições económicas mais desfavorecidas, abrindo as portas das suas casas para que nelas pernoitássemos. Eu e a minha mãe ficamos em algumas dessas casas”, revelou.
Depois do secretário-geral da Federação Internacional de Resistentes (FIR), Ulrich Schneider, ter dito algumas palavras, entregou aos resistentes portugueses, na pessoa da directora do museu, Aida Rechena, livros editados pela FIR sobre a resistência antifascista.
A encerrar, José Pedro Soares, lembrou que “há precisamente 50 anos, nas primeiras horas do dia 27 de Abril de 1974, vencidas as resistências de Spínola que não queria a libertação de todos os presos políticos, em Peniche tal como em Caxias, a vontade do povo foi mais forte, as portas destas cadeias finalmente abriram-se para, entre aplausos e vivas à liberdade e ao 25 de Abril, saudar a libertação dos presos políticos do fascismo”.
“Passados 50 anos, aqui estamos, para celebrar a concretização desse apelo, a concretização do direito à memória, para evocar a resistência à opressão, à luta contra a guerra e o colonialismo, pela democracia, pela liberdade, por um mundo mais justo e liberto da exploração, porque foi esse o combate, foram essas as causas porque se bateram os que, entre 1934 e 1974, aqui estiveram encarcerados”.
Depois de relatar os difíceis passos que foram dados para que o museu se tornasse uma realidade, José Pedro Soares quis recordar muitos dos seus obreiros: “Lembramos a Dra. Paula Silva, da Direcção Geral do Património Cultural, sua Directora quando foi tomada a decisão, o Arquitecto João Barros Matos que concebeu o projecto e o plano das obras do museu, a Dra. Teresa Albino, técnica superior, que acompanhou o processo desde a primeira hora, e a Dra. Aida Rechena, directora do museu, cujo empenho, determinação e competência todos lhe reconhecem”.
“Não podendo enumerar todos os que contribuíram para o notável empreendimento, queremos, entretanto, deixar público agradecimento, ao camarada Domingos Abrantes e ao Professor Fernando Rosas, para ambos, o mais elevado apreço pela relevante contribuição no estudo e elaboração de conteúdos para a instalação do Museu Nacional Resistência e Liberdade”, disse a finalizar.
Das cerimónias, para além do descerramento de uma placa comemorativa, constou um concerto pelo grupo “Sopa de Pedra”, e a actuação de Sofia Lisboa que cantou o Fado de Peniche e o Hino de Caxias.»

segunda-feira, 22 de abril de 2024

O que é “Ficheiros Secretos”, um espectáculo de Luís Osório?

Sábado à noite, entre curioso e intrigado (um amigo meu, que muito prezo, tinha-me confidenciado que nem morto lá ía...), fui ao CAE ver esta perfomance de Luís Osório.

A coisa prometia. Tinha como convidados Santana Lopes, Conceição Monteiro, Luísa Amaro e Cândido Costa.

“Ficheiros Secretos”, com o sub-título de "Histórias Nunca Contadas da Política e da Sociedade Portuguesas", é um livro  publicado pelo jornalista em 2021, que foi adaptado para os palcos, num espectáculo difícil de definir, mas que tem esgotado as salas por onde passa.

Ao que li, "é uma performance inédita de um jornalista e escritor reconhecido que arrisca agora o que nunca foi feito. Luís Osório assume o papel de narrador da história recente de Portugal, convocando para o palco memórias de personagens marcantes como Álvaro Cunhal, Mário Soares, José Saramago, Amália Rodrigues, Francisco Sá Carneiro, Jorge Sampaio, entre muitos outros. 

O autor conduz a audiência numa viagem pelo último século português e pela vida de alguns dos protagonistas que marcaram o nosso tempo. 

Uma viagem partilhada com o público e com convidados absolutamente surpreendentes."

Tudo isso se concretizou. No sábado passado, Luís Osório esteve completamente exposto e sem rede. Até teve uma "branca", breve (na Figueira é assim: é tudo "breve"), que ultrapassou com toda a naturalidade, quando se queria referir a um episódio que envolvia Carmona Rodrigues, antigo presidente da Câmara de Lisboa e o nome não saía.

Frente ao público, foi ele, só, mais as histórias dos seus fantasmas - bons e maus. 

Mas, afinal, o que é “Ficheiros Secretos”?

Um espectáculo de segredos, confissões, medo e esperança?

Confesso que não sei explicar. 

Para mim, foi algo inaudito.

Algo que nunca tinha visto ou ouvido. Um desafio absolutamente incrível e espantoso, que Luís Osório coloca a si mesmo e que já foi presenciado por mais de 20 mil pessoas deste País.

Eu, fui uma delas. E saí do CAE a pensar sobre o que tinha presenciado e não consigo ainda explicar por palavras ao que tinha assistido.

Continua presente a entrada de Luís Osório na sala, trazendo uma mala vermelha, carregada de memórias de familiares, daqueles que o tratavam por Miguel.

Durante a exposição perante o público, desnudou-se e aos seus fantasmas - sobretudo o da mãe, que deixou de cantar no dia em que ele nasceu. Continuam presentes os pequenos episódios das figuras públicas trazidas à colação. Focou relações familiares, lutas interiores ou episódios engraçados.

Nestas pequenas histórias, Luís Osório mostrou algo importante: um contributo para a definição e a compreensão do País que somos, nas suas grandezas, misérias e imperfeições. 

Como ele, também acredito que “podemos saber os grandes factos históricos de trás para a frente, mas estes não têm a dimensão humana”.

Continuo a vê-lo desaparecer pela porta lateral do CAE, por onde tinha entrado, e continuo sem encontrar as palavras para explicar o que vi sábado passado, à noite, no CAE.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Porque há muita falta de memória...

Estamos no primeiro dia do mês de Abril, 50 anos depois.
Para que possam saber o que foi realmente o 25 de Abril, há um livrinho ilustrado muito útil e elucidativo chamado O Meu Primeiro 25 de Abril, da autoria de José Jorge Letria e com ilustrações de Helder Teixeira Peleja. O ilustrador já nasceu em Democracia (em 1978). O autor do texto, em 1974 era jornalista e cantautor e viveu com grande emoção esses dias de alegria na cidade de Lisboa ao lado de pessoas como Zeca Afonso. Este livro conta como tudo aconteceu. 
Neste tempo, de que parece que já existe muita falta de memória (estou farto de encontrar gente que não faz a mínima ideia do que foi um dia tão importante para Portugal como o 25 de Abril de 1974), talvez não seja má ideia ler este livro.
Palavras de José Jorge Letria num almoço com a mãe, em Cascais, no dia 24 de Abril de 1974 e reproduzidas neste livro.
“Mãe, amanhã fique em casa, não vá às compras e vá sempre ouvindo rádio. Eu sei o que vai acontecer e estou seguro.” 

Imagem via jornal Público

terça-feira, 19 de março de 2024

Miragem que se adensa

 Partido de Interesse
"Em Zona de Interesse a páginas tantas assistimos a uma conversa entre Hedwig Hoess [Sandra Hüller], a esposa de Rudolf Höss, director do campo de extremínio, e a mãe, Eleanor Phol [Freya Kreutzkam], onde a segunda comenta que fazia limpezas na casa de uma judia que agora devia estar no outro lado do muro, dentro do campo, e a raiva que teve em não conseguir ficar com as suas lindas cortinas quando a senhora foi deportada. Lá para o final do filme Hedwig recusa abandonar a "qualidade de vida" que tem paredes meias com o campo, numa casa onde chove cinza e se ouve o metralhar das armas e os gritos de sofrimento vindos do outro, com as noites iluminadas a chamas das piras crematórias antes dos fornos terem sido adoptados na "solução final", por causa da transferência do marido Rudolf Höss [Christian Friedel], e quando no início da película já tínhamos sido apresentados a um chá entre as mulheres dos SS destacados onde o tema de conversa eram as roupas e as peles que recebiam da triagem feita a quem a seguir acabava gaseada. E ficámos todos a perceber que aquela "nova elite" que ia purificar a nova Alemanha afinal não passava de escumalha sem cultura, sem maneiras, sem educação, sem ética, ressabiada com as suas origens e que agora se apanhava com poder.

Não vamos a caminho do extermínio de uma raça ou etnia, apesar de vontade não faltar a alguns, mas é inevitável a analogia com um partido pejado de delinquentes - todos os dias notícias de deputados, velhos e novos, a contas com a justiça, que quando a maioria dos eleitos - autarquias, regiões autónomas, Parlamento, abre a boca ou entra mosca ou sai merda, e ainda assim os melhorzinhos com nítidas dificuldades de interpretação e iliteracia - vide participação em comissões parlamentares na última legislatura, com um léxico miserável, ressabiados com uma alegada elite política e cultural que lhes tapa a progressão social e que vêem na nova agremiação um veiculo para ascenderem socialmente. "Agora é que vão ver", devem pensar."
(Imagem de autor desconhecido)

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Porque a memória costuma ser curta...

Não esquecemos

«“Para os Braços da Minha Mãe”, de Pedro Abrunhosa, com a participação de Camané, é  uma das músicas patrióticas do tempo da desnecessária e destrutiva troika e do seu desgraçado governo. 

Sim, nós não esquecemos, Pedro Passos Coelho, Paulo Portas, Vítor Gaspar, Álvaro Santos Pereira, Miguel Poiares Maduro, Luís Montenegro e todos os outros vende-pátrias, incluindo os dezassete do cortejo fúnebre da economia portuguesa, que vêm agora tentar vender a mesma receita fiscal, e de promoção do rentismo (via PPPs para tudo), de sempre.»