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sexta-feira, 25 de outubro de 2024

MARCO PAULO


Nunca estive pessoalmente com Marco Paulo, nunca assisiti ao vivo a qualquer dos seus concertos e não era fã da sua música.

Como ser humano, lamento a sua morte e, especialmente, a maneira como acabou. Marco Paulo, apesar de ter morrido "em paz e rodeado de todos os cuidados", merecia melhor.
Mesmo aos 79 anos, altura em qualquer morte é quase natural, ao contrário de Luís Osório, não sei se "Marco Paulo estava pronto para a sua última viagem".
 
Marco Paulo passou pela vida à sua maneira. Amou e viveu como quis, teve uma carreira de sucesso e foi bem aceite pelo seu público e pelo sistema.
Certamente que o seu nome ficará perpetuado em nome de ruas ou praças.

Para nós, por enquanto, o Sol vai continuar a nascer do mesmo lado. A ganância de muitos e a indiferença e a cobardia de muitos mais, permitirão que milhões de vidas inocentes continuem a ser roubadas e muitas  crianças nunca serão adultas.
É o inferno em que vivemos.

A terminar: descanso para a alma de Marco Paulo, que bem o merece.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

António Guterres é mesmo um cobarde?

Luís Osório

«1.
Do alto da sua pena, João Miguel Tavares, decretou no jornal Público uma verdade absoluta sobre António Guterres.
A propósito das posições do Secretário Geral das Nações Unidas acerca da guerra no Médio Oriente, posições que legitimaram a condenação de Israel, o cronista escreveu a certa altura:
“Não há grandes políticos sem coragem. António Guterres nunca será um grande político”.
2.
O cronista é um dos melhores a pensar à direita.
Inteligente, preparado, excelente a manobrar as palavras e a retórica através da escrita, João Miguel Tavares é de leitura obrigatória.
(sobretudo nos muitos textos em que não estou de acordo)
No entanto, é quase patética a maneira como determinadas pessoas se colocam à margem do mundo, numa bolha sem qualquer adesão à realidade e com uma visão hiperinflacionada do seu próprio poder e importância.
Este caso é bastante paradigmático.
3.
João Miguel Tavares fala da falta de coragem de Guterres.
A falta de coragem de condenar veementemente os que atacam Israel, a falta de coragem de não estar acintosamente do lado dos bons, dos que defendem a democracia.
Escreve com uma superioridade moral e intelectual que faz parecer ser um paladino da coragem e da heroicidade.
Quem o lê é capaz de o confundir com alguém que arriscou verdadeiramente o “coiro” em algum momento da sua vida.
Falar da coragem de alguém como Guterres, sobretudo nestas circunstâncias, tendo como cartão de visita uma vida passada em frente a um computador a educar-nos para a beleza do liberalismo puro e duro, é de bradar aos céus.
4.
Podemos discutir se nesta altura Guterres é o homem certo na ONU.
Podemos discutir a sua eficácia.
Podemos discutir a sua independência.
Podemos até falar da sua incapacidade para ser influente e decisivo.
Mas falta de coragem?
É falta de coragem não ter um discurso marcadamente pró-israelita?
É falta de coragem quando fala contra a corrente dos que aplaudem de pé Benjamim Netanyahu?
É falta de coragem quando se mantém firme nas suas convicções sendo pressionado em cada minuto pelos poderes que o sustentam?
O João Miguel Tavares faz “puto” de ideia das pressões que António Guterres recebe todos os dias?
Das promessas de ajuste de contas, do peso dos insultos, das cartas, dos telefonemas?
Falta de coragem por afrontar Israel naquilo que Israel considera serem os seus termos?
António Guterres tem mais do que se preocupar e não precisa de defensores, mas é chocante quando lemos uma coisa assim.
Não é correto.
E não é sério.
Tomara o João Miguel Tavares ter metade da coragem do secretário geral das Nações Unidas.»

sábado, 12 de outubro de 2024

Inês, a mulher que mais prostitutas tirou da rua

Nunca estive pessoalmente com Inês Fontinha. Todavia, Inês Fontinha é das pessoas que mais julgo conhecer, pois acompanha-me há mais de 4 décadas.
Durante anos, entre 1978 e 1983, quando pouca gente a conhecia, li inúmeros textos de Inês Fontinha, antes de serem publicados pelo semanário Barca Nova.

O seu nome nunca saíu do meu radar. 
A prostituição continua a ser um problema social do qual pouca gente quer falar.
A socióloga Maria Inês Gomes Rodrigues Fontinha, nasceu na Madeira no ano de 1943. Filha de Georgina de Jesus Gomes e de Júlio Roque Gomes, cresceu numa família numerosa de sete filhos. Segue os seus estudos na Ilha da Madeira e, em 1964, vem para Lisboa onde ingressa no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, licenciando-se em Ciências Sociais e Políticas no ano de 1969. Foi pela mão de um seu amigo jurista que, em 1975, conhece a Associação O Ninho, instituição particular de solidariedade social fundada em 1967 por  impulso de Ana Maria Braga da Cruz, com o objectivo da promoção humana e social das mulheres vítimas de prostituição. Em 1976, torna-se monitora do lar de acolhimento das raparigas. Anos mais tarde será a coordenadora de lar e posteriormente directora de serviços. Trabalhou quase 40 anos na reinserção social das mulheres que se prostituem no sentido do desaparecimento da prostituição o que lhe dá uma indiscutível autoridade na matéria.

Inicia a sua actividade em O Ninho, em 1975, vivendo um período de mudanças profundas advindas da Revolução de Abril de 1974. Em plena euforia da liberdade conquistada, viu-se confrontada com uma realidade que desconhecia, a realidade das raparigas que residiam no Lar de Acolhimento, buscando caminhos de mudança, encontrando nele uma alternativa para a saída do sistema prostitucional que as acorrentava. Assinale-se que O Ninho, criado em Portugal à semelhança da instituição francesa Le Nid, com ela partilha objectivos e métodos, mas a sua singularidade apresenta um traço notável de persistência reconhecida quer dentro do País quer no estrangeiro. Em Portugal, O Ninho teve um papel fundamental na alteração da lei existente ao tempo do fascismo, quando a prostituição era proibida e as mulheres eram presas por se prostituírem (lei nº44 579 de 19 de Setembro de 1962) deixando a prostituição de ser crime a partir dos anos 80. Sempre atenta às mudanças operadas na sociedade – e no mundo – a instituição portuguesa foi membro fundador da Federação Europeia para o Desaparecimento da Prostituição, criada porque “a comunidade europeia está a ser pressionada pelo proxenetismo organizado no sentido da legalização”. Em 1992, Inês Fontinha é eleita Presidente dessa instituição europeia.
É membro do Conselho Nacional do MDM, tendo recebido a Distinção de Honra do MDM em 1992. Recebeu o Prémio da Revista Mulheres e muitas outras Revistas a consagraram nas suas páginas. Condecorada por Jorge Sampaio, recebe a Medalha de Mérito em 6 de Março de 1998. O Ninho, de que é Directora, é homenageado pela Assembleia da República com o Prémio de Direitos Humanos em 2003, sendo galardoado por várias organizações, entre as quais a Ordem dos Advogados.
Em 2005, em reconhecimento do seu mérito e prestígio pessoal, Inês Fontinha integra uma lista de mil mulheres proposta ao Prémio Nobel da Paz, lista apoiada pela organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), para se contrapor ao facto de que desde 1901 apenas 12 mulheres terem sido galardoadas com o Prémio Nobel. Ainda que tal não tenha sido aprovado, Inês Fontinha sentiu-se muito honrada com essa proposta, tendo considerado na altura que, em geral, “só as mulheres que têm sucesso na política ou a nível empresarial são reconhecidas, e que as que desenvolvem um trabalho social têm pouca visibilidade”, e nessa medida, considerou essa distinção muito importante para “dar visibilidade às mulheres” que desenvolvem “trabalhos ocultos” e apoiam pessoas marginalizadas.
Inês Fontinha é uma figura surpreendente e muitas vezes polémica que se entregou de corpo e alma a uma causa sem nunca perder a verticalidade para poder denunciar quem produz o mal que, entretanto, diz querer erradicar. Sem nunca deixar de reivindicar e propor, mesmo nos tempos do fascismo, uma solução mais digna para as mulheres caídas na prostituição por razões económicas e vítimas de uma sociedade em que os homens pretendem ser donos e dominadores das mulheres e dos seus corpos. Nesse sentido, pronunciou-se ativamente contra a criação na Mouraria, em Lisboa, de uma casa-refúgio, um anunciado prostíbulo camarário para prostitutas, onde estas também poderiam praticar sexo pago. Admitindo que esta proposta possa representar uma “forma camuflada de tentar legalizar a prostituição”, considera que é um projeto perigoso e aberto a novas formas de exploração. A pretexto de proteger as mulheres contra a Sida (quem sobretudo protege são os clientes!), pode ao contrário estimular o proxenetismo e o negócio. Os direitos das mulheres à igualdade e os direitos humanos estão sempre no seu horizonte quando equaciona a problemática da prostituição. “A legalização é um atentado aos direitos das mulheres, aos direitos humanos, é completamente perverso legalizar a prostituição”[2] . Conhece todo o argumentário a favor da legalização da prostituição e facilmente o desmonta, baseada na sua experiência acumulada junto das cerca de 8 000 mulheres que acompanhou na Instituição ao longo dos 40 anos em que nela trabalhou e das histórias de vida contadas num ambiente de psicoterapia institucional. Inconformada com a peregrina ideia de que a mulher é livre e tem legitimidade para “vender” o seu corpo, responde “Defendemos uma sociedade onde as mulheres tenham igualdade e agora vamos criar uma situação de subalternização ao homem, conceder ao homem o poder legítimo de comprar uma mulher?” O que existe, nesta situação, isso sim, “É o poder legítimo de o homem querer e poder comprar”. E adianta, “Não conheço nenhuma mulher que goste de ou queira ser prostituta. Não conheço nenhuma família, por muito desorganizada que esteja, que tenha como projecto de vida para os seus filhos serem prostitutas ou prostitutos” [3].
Vivemos numa sociedade em que, apesar dos avanços no campo dos direitos das mulheres, muita gente ainda concorda com uma situação em que a mulher está completamente subalternizada ao homem, é um objecto, um instrumento de prazer. Não há vazio legal. Temos um sistema abolicionista que imperou na Europa durante muitos anos. Porquê este frenesim de alguns países europeus em legalizar a prostituição, afirmando que vão combater o tráfico? É falso, está provado!
Legalizando a prostituição, fomenta-se o tráfico. Há governos que defendem a legalização escudando-se na saúde pública: “Alguns governos pensam que a regularização das casas de passe seria um passo no sentido de maior segurança para a saúde pública”, porém, para Inês Fontinha existe neste argumento um sentido discriminatório, visto apenas as mulheres ficarem sujeitas ao rastreio, para não contaminarem os homens. E ironiza: “A igualdade de género caiu por terra quando a mulher é considerada um objecto”.
Sobre a questão de que quem se prostituir ficará mais protegido se for encarado como trabalhador, Inês Fontinha recusa taxativamente a concepção de que a prostituição é um trabalho e insiste que “vender o corpo” não é um trabalho. Fala-se muito em trabalho digno, mas pergunta-se: Será que isto é um trabalho digno? Defende que se deveria dar um verdadeiro estatuto de vítima a uma prostituta, tal como se deu às mulheres vítimas de violência doméstica, não para as menorizar mas antes para poderem decidir da sua própria vida. A sua desvalorização nas ruas é profunda. Por isso, a ajuda externa é de extrema importância para poder abrir portas, e dizer: há esta possibilidade. O que falta são os apoios necessários para proporcionar reais oportunidades às pessoas.
A luta contra a prostituição como flagelo social, a dedicação total à protecção das mulheres prostituídas e sua reinserção social foi o grande motivo da sua vida. Por esta causa se notabilizou e foi pioneira. Porque esta problematização se impõe nos nossos dias com diversos matizes, replicamos alguns dos seus pensamentos sobre uma realidade que afinal é de muitos milhares de mulheres, e que traduzem seguramente o essencial desta mulher que na primeira pessoa nos conta a sua lancinante experiência.
“Fui aos locais onde as mulheres procuravam os clientes, ruas, bares, casas de passe. Ouvi histórias inabitadas de afectos, de abusos sexuais persistentes pelo pai, pelo padrasto, pelo irmão, por um amigo da família. Escutei a fome, o trabalho infantil, a pobreza que habitou a infância de todas elas. Escutei o sofrimento de corpos desvalorizados pela violência a que foram sujeitos, vi a dissociação/clivagem entre o psicológico e o físico, quando afirmavam “o meu corpo vai para o quarto, mas a minha alma fica de fora”.
Também no 9º Congresso do MDM realizado em Outubro de 2015, confirma perante centenas de mulheres, a sua experiência pessoal: “Acompanhei durante estes longos anos cerca de 8000 mulheres e afirmo com segurança que a prostituição viola severamente a dignidade humana e os Direitos Humanos. É contra a igualdade de género e quem defende a igualdade não pode afirmar que a prostituição é uma forma de a mulher utilizar o seu corpo conforme entender. Não! É uma forma de o homem usar o corpo da mulher como entender (…) Aprendi que a mulher se sente uma “coisa”, um objecto, um utensílio para uso do homem, para satisfazer as suas fantasias ” eu sou reciclável, sou usada e posta de parte (…) Aprendi que o homem cliente é proveniente de todas as classes sociais. O local onde procura a mulher é diferenciado consoante o seu poder de compra. Num hotel ou bar de luxo o cliente tem poder económico e exige que a mulher corresponda ao seu estatuto social, na forma de se vestir, de se comportar. Exige que se confunda com o seu próprio estatuto social. Por isso, quando entrei num bar de luxo vi mulheres que pareciam pertencer a classes sociais com poder económico, mas quando me contaram a sua vida, tinham tido percursos muito semelhantes a de outras mulheres que se prostituíam em outros locais, frequentados por homens/clientes com fracos recursos económicos. Vi, assim, a oferta a adaptar-se à procura.”
“Compreendi que o negócio da prostituição rende ao proxenetismo milhões de euros, porque a prostituição não se reduz a um acto individual de uma pessoa que aluga o seu sexo por dinheiro, é uma organização comercial com dimensões locais, nacionais, internacionais onde existem três parceiros; pessoas prostituídas, proxenetas e clientes.
Aprendi que a prostituição diz sempre respeito à sexualidade… está perante o sexo separado de todo o significado humano, sexo/objecto. Compete-me pôr as minhas dúvidas em relação a esta banalização do sexo (…) Na prostituição todos estes actos íntimos são rebaixados a um nível único – ao de um valor mercantil (…) A sexualidade é vivida como uma procura de prazer á custa do outro. É uma forma de violência”.
Inês Fontinha é uma Mulher de Abril, porque Abril deixou rasto na sua vida e contaminou a sua forma de encarar o mundo.
Ao ouvir na Antena 1 o Postal do Dia que Luís Osório lhe dedicou, tive um sobressalto ao recordar a história de vida de Inês Fontinha, a mulher que mais prostitutas tirou da rua. Hoje, com mais de 80 anos, a sua cabeça é a de uma jovem que continua todos os dias a mudar o mundo um bocadinho que seja.
Fica, para ouvir, o Postal do Dia.

domingo, 16 de junho de 2024

Os bufos de esquerda são tão irritantes como os beatos de direita

Luís Osório

«A democracia, com os seus mecanismos de regulação, existe para que nos possamos proteger de nós próprios. Se não existisse regulação matávamo-nos uns aos outros – em todas as formas. Sou de esquerda. Por acreditar na Igualdade, tanto como acredito na Liberdade – quando a esquerda prescindir de trabalhar para que todos os cidadãos possam ter igualdade de oportunidades, quando a esquerda abdicar de proteger os mais frágeis, então não haverá esquerda.

Não estará tudo perdido, mas sinto-me perdido. Não sei a que lugar pertenço. Antes era-me fácil: se entrasse num lugar com duas grandes mesas, uma com gente de direita e outra de esquerda, não hesitaria na mesa. 

Mas agora a mesa da esquerda é muito mais híbrida. 

Tem gente que aponta o dedo como os inquisidores, gente que persegue, que exclui, moralistas de merda. 

O problema dos radicais de esquerda é que não se distinguem dos radicais de direita. Uns porque são beatos, os outros porque são bufos. Uns porque são contra a liberdade por defeito, outros porque são contra a liberdade por excesso. 

Não gosto de uns e não gosto de outros. Seria perseguido por uns e seria perseguido pelos outros. Mas os de esquerda preocupam-me mais neste momento. Porque vêm da minha família ideológica e porque à força de uma pureza de costumes, tão próxima da Inquisição, vão ajudando a sedimentar um populismo que tanto criticam. Ao ouvir tantos gritos e tanto histerismo receio que um dia tenha de fugir para algum lado pois não pertencerei a lado algum.»

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Um drama de sempre: não saber sair...

«
Depois de 42 anos e de muitas dezenas de títulos ainda não deve ter tido tempo para pensar o futuro.
Jorge Nuno Pinto da Costa já não é presidente do FC. Porto.
O que fará agora Pinto da Costa quando acordar?»

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Este país não é para velhos


"
Manuel Cavaco já fez tudo no cinema, no teatro, a fazer vozes em dobragens, na televisão.

Foi ator principal e secundário, vilão e bonzinho, sedutor e boémio, pobre e rico.

Trabalhou com o meu realizador português preferido, o Fernando Lopes. Também com o António Pedro Vasconcelos ou o José Fonseca e Costa"...

Mas...

"Já não há papéis para velhos.

Um dia, talvez brevemente, deixará também de haver papéis para mim.
Eu sei isso."

quinta-feira, 25 de abril de 2024

"Esperamos que nunca mais"...

É importante recordar o que foi o Estado Novo. O que foi o salazarismo.
As vezes que forem necessárias.
E o salazarismo foi, essencialmente, um tempo de miséria.
A miséria da mortalidade infantil, que a democracia fez desaparecer.
A miséria de um povo maioritariamente pobre, a viver em barracas e casas insalubres, sem água canalizada ou acesso a um sistema de esgotos.
A miséria do autoritarismo, da polícia política e das liberdades suprimidas, da prisão arbitrária e da tortura.
A miséria da ignorância, de um país de analfabetos, onde o ensino superior era um privilégio da elite protegida por Salazar.
A miséria da guerra, dos massacres e dos estropiados.
A miséria que levava os portugueses a fugir do país.
A miséria que obrigava uma professora primária a ser autorizada pelo Ministro da Educação para se casar.
A miséria de um regime que nos queria pobres enquanto entregava todos os negócios do Estado aos avôs daqueles que ainda são hoje os donos disto tudo. E que financiam os novos fascistas.
A mesma miséria que inventou a porta giratória e a corrupção política da qual ainda não fomos capazes de nos livrar.
Mas houve muitos que lutaram para que as coisas mudassem. 

A Liberdade, há 50 anos, estava a passar por aqui e então um  jovem de 20 anos perante a grandeza do momento, também cresceu. 
Portugal, em 1974, era uma sociedade a preto e branco, como um livro de colorir - a preto e branco, como todos os livros de colorir entre 1933 e 1974.
Portugal, em Abril de 1974, apresentava-se apenas com contornos desenhados à espera de ser colorido, como todos os livros de colorir.
Foi isso que entendi logo em 25 de Abril de 1974. E foi por isso, que decidi, que era importante, tentar colorir a minha parte. Como nunca tive muito dinheiro, só consegui comprar um simples lápis de cor - verde, que é a cor da esperança.
Mas, as cores são muitas e outros com outros meios e outros poderes, coloriram o meu país de rosa e de laranja...
Ter, em 2024, a oportunidade de estar vivo e ter a oportunidade, 50 anos depois, de recordar o que foi viver o 25 de Abril de 1974, que trouxe algo de verdadeiramente novo para a vida dos portugueses, faz-me sentir um priviligeado.

Contada por Luís Osório, como só ele o sabe fazer, fica a história de Conceição Matos, a mulher mais torturada pela PIDE, neste Dia de Todos os Sonhos do Mundo.

1.
Conceição Matos foi viver com os pais e irmãos para o Barreiro. Uma família de operários que chegou a uma terra de operários no final da década de 1930.
A Conceição tinha três anos quando a Segunda Guerra Mundial começou. Tinha três anos quando chegou ao Bairro das Palmeiras onde fez vida e construiu o sonho de um dia Portugal deixar de ser uma ditadura da mesma família dos fascismos de Franco, Mussolini ou Hitler.

2.
Conceição foi uma das mais torturadas na história do Estado Novo.

A doce Conceição Matos, mulher de Domingos Abrantes, que mantém os seus olhos sem ponta de ressentimento depois de tanto sofrer, depois do tanto que lhe fizeram.

A Conceição que depois da quarta classe feita começou a trabalhar numa máquina de costurar e depois numa fábrica de pirolitos onde lavava as garrafas.

Terra dura, terra de exploradores e explorados, de conflito de classes.

O Partido Comunista tornou-se parte da sua vida.
Da sua e dos irmãos – o Alfredo, o mais velho, foi levado para o Aljube aos 18 anos.

E ela tornou-se comunista.

Esteve na clandestinidade muitos anos.

Foi várias numa só.

Maria Helena, Marília, Benvinda.

Mas só teve uma única cara e um único nome na prisão.

3.
Conceição Matos resistiu a tudo.

Às tantas tornou-se um troféu de caça para os inspetores Tinoco e Madalena, dois monstros que faziam apostas para lhe arrancar uma palavra que fosse.

E irritavam-se porque da boca de Conceição não saia rigorosamente palavra nenhuma que lhes servisse.

Torturaram-na barbaramente.

Espancaram-na.

Arrancaram-lhe as unhas a sangue frio.

Obrigaram-na a estar imóvel durante horas e horas e horas.

Obrigaram-na à tortura do sono, dias e dias e dias.

Choques elétricos, humilhações atrás de humilhações, uma perversidade levada a uma categoria demencial.

Arrancavam-lhe a roupa até ficar nua. Tiraram-lhe fotografias que distribuíam aos agentes da PIDE na António Maria Cardoso. Homens que riam fazendo gestos de natureza sexual enquanto olhavam para o seu corpo e para a fotografia que guardavam nas suas mãos como violadores à espera da presa.

Deixaram-na vários dias sem poder ir à casa de banho. O seu corpo com urina, com fezes, com o sangue da menstruação.

E ela com a roupa que trazia, a ter de limpar a cela imunda com o que tinha, com a roupa que tinha.

E depois a raiva dos pides por ela não falar, os agentes a entrarem e a espancá-la uma vez mais e uma vez mais e uma vez mais.

A gritarem os nomes que imaginas.

Tudo o que imaginas.

4.
Conceição Matos, 87 anos, casada com o histórico Domingos Abrantes, dirigente marcante do PCP.

Uma das últimas provas vivas do combate e do sacrifício de tantos e tantas por uma ideia de liberdade. Ela e o marido, casados em 1969, em Peniche.

Conceição que é a prova de um combate corajoso por uma ideia de um mundo mais justo para quem nascia marcado com o ferro da desigualdade. Para gente como ela que nascia condenada a passar pela vida com um único objetivo: sobreviver.

Eu, filho de um comunista, mas crítico algumas vezes do PCP, não o esqueço.

E não o relativizo.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

O que é “Ficheiros Secretos”, um espectáculo de Luís Osório?

Sábado à noite, entre curioso e intrigado (um amigo meu, que muito prezo, tinha-me confidenciado que nem morto lá ía...), fui ao CAE ver esta perfomance de Luís Osório.

A coisa prometia. Tinha como convidados Santana Lopes, Conceição Monteiro, Luísa Amaro e Cândido Costa.

“Ficheiros Secretos”, com o sub-título de "Histórias Nunca Contadas da Política e da Sociedade Portuguesas", é um livro  publicado pelo jornalista em 2021, que foi adaptado para os palcos, num espectáculo difícil de definir, mas que tem esgotado as salas por onde passa.

Ao que li, "é uma performance inédita de um jornalista e escritor reconhecido que arrisca agora o que nunca foi feito. Luís Osório assume o papel de narrador da história recente de Portugal, convocando para o palco memórias de personagens marcantes como Álvaro Cunhal, Mário Soares, José Saramago, Amália Rodrigues, Francisco Sá Carneiro, Jorge Sampaio, entre muitos outros. 

O autor conduz a audiência numa viagem pelo último século português e pela vida de alguns dos protagonistas que marcaram o nosso tempo. 

Uma viagem partilhada com o público e com convidados absolutamente surpreendentes."

Tudo isso se concretizou. No sábado passado, Luís Osório esteve completamente exposto e sem rede. Até teve uma "branca", breve (na Figueira é assim: é tudo "breve"), que ultrapassou com toda a naturalidade, quando se queria referir a um episódio que envolvia Carmona Rodrigues, antigo presidente da Câmara de Lisboa e o nome não saía.

Frente ao público, foi ele, só, mais as histórias dos seus fantasmas - bons e maus. 

Mas, afinal, o que é “Ficheiros Secretos”?

Um espectáculo de segredos, confissões, medo e esperança?

Confesso que não sei explicar. 

Para mim, foi algo inaudito.

Algo que nunca tinha visto ou ouvido. Um desafio absolutamente incrível e espantoso, que Luís Osório coloca a si mesmo e que já foi presenciado por mais de 20 mil pessoas deste País.

Eu, fui uma delas. E saí do CAE a pensar sobre o que tinha presenciado e não consigo ainda explicar por palavras ao que tinha assistido.

Continua presente a entrada de Luís Osório na sala, trazendo uma mala vermelha, carregada de memórias de familiares, daqueles que o tratavam por Miguel.

Durante a exposição perante o público, desnudou-se e aos seus fantasmas - sobretudo o da mãe, que deixou de cantar no dia em que ele nasceu. Continuam presentes os pequenos episódios das figuras públicas trazidas à colação. Focou relações familiares, lutas interiores ou episódios engraçados.

Nestas pequenas histórias, Luís Osório mostrou algo importante: um contributo para a definição e a compreensão do País que somos, nas suas grandezas, misérias e imperfeições. 

Como ele, também acredito que “podemos saber os grandes factos históricos de trás para a frente, mas estes não têm a dimensão humana”.

Continuo a vê-lo desaparecer pela porta lateral do CAE, por onde tinha entrado, e continuo sem encontrar as palavras para explicar o que vi sábado passado, à noite, no CAE.

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

80 anos. Parabéns.

Cândido Mota: "passou pela vida para fazer brilhar os outros. Precisa hoje de um abraço – e precisa que se diga a verdade".

Para ler o texto de Luís Osório, clicar aqui.

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

... "a liberdade não tem de ser feliz "...

Luis Osório sobre Victor Cunha Rego:

"Victor, apesar de ser um dos que mais conspirou e influenciou o poder e contrapoder em Portugal, apenas uma vez visitou a Assembleia da República. Morava lá perto e alguns o tentaram. Houve direções do PS e PSD que chegaram a fazer apostas para lá o levar – Sá Carneiro e Soares marcavam reuniões em que devia estar presente e ele, de aparente arrogância posta, nunca apareceu. Abriu uma exceção para assistir à apresentação do I Governo Constitucional, depois nunca mais.

Fazia-lhe confusão a perda da inocência quando esta ainda era fundamental. Recordei o episódio entre copos e os mais jovens da mesa fingiram não sorrir – o poder sem inocência quase sempre termina mal, dizia Victor. Por isso, a ti te confesso: foi o mais livre dos que encontrei. Porque nele a recusa dos privilégios não era forçada e por só se sentir bem e em consciência quando estava do outro lado do poder."

segunda-feira, 10 de julho de 2023

A precariedade da vida e da memória

Vendedor de algodão doce
Vivemos num País precário. 
A quase todos os níveis. 
A começar, desde logo, pela precariedade laboral.
Contudo, quem é que já parou para pensar e se questionou: por que existimos, o que andamos por cá a fazer e por que estamos aqui neste momento? 
Quem é que já se interrogou: qual é a finalidade de andar por aqui? 
Qual é meu desígnio mais importante? 

Se calhar muitos de nós. 
Se calhar poucos. Não sei. 
E quantos de nós estão em paz, com eles e com a natureza, para terem disponiblidade para reflectir sobre estas questões? 
Porventura, ainda menos de nós. Não sei. Mas sei que Luís Osório é um dos que pensa e reflecte sobre o tema. 

 "...a maioria de nós não será lembrada. 
Não teremos festas de homenagem, nomes de rua ou notícias nos jornais. Seremos poeira e, quando muito, estaremos no coração de uns quantos. 
Não mais do que uma ou duas gerações, se tanto. Mesmo nos que serão pasto de memória, nos que a morte será noticiada e o nome valorizado em tabuletas municipais, mesmo os mais conhecidos, ao fim das mesmas uma ou duas gerações, morrerão no que têm de humano. Na forma como amaram, na forma como olhavam na intimidade, na forma como eram maldosos ou altruístas. 
Nelas ficará apenas um nome, não o que realmente foram."

quarta-feira, 17 de maio de 2023

O pedido de desculpas de Luís Osório a Luís Montenegro

Gosto do que escreve Luís Osório. A partir de hoje a minha admiração pelo Homem que é Luís Osório aumentou. Este POSTAL DO DIA explica tudo: quantos teriam a sua coragem e a sua humildade?

"Peço as minhas mais sinceras desculpas a Luís Montenegro
1.
Escrevi na passada semana um postal sobre a casa de Luís Montenegro.
Um postal que tinha uma premissa clara e em que acredito: o poder do dinheiro e da ostentação é inconciliável com o poder político. Quando se juntam o caldo está entornado, um caldo de ganância e de aparência que torna impossível qualquer relação de confiança quando essa pessoa deseja ocupar o lugar de primeiro-ministro.
Escrevi sobre a casa de Luís Montenegro, líder da oposição e de um PSD à procura de ser alternativa.
Foi um postal duro e sem contemplações, uma pessoa assim não pode ser poupada pois um dia já será demasiado tarde.
Recordo que não escrevi sobre a legalidade do que se tem falado, isso é um outro tema, uma outra história.
Escrevi sim sobre a inquietação de termos um “candidato” a primeiro-ministro que resolve neste momento decisivo do seu percurso construir um palácio com dezenas de quartos.
2.
Tinha absoluta razão neste texto…
… se ele fosse completamente verdadeiro.
Mas na verdade tenho a obrigação, em nome da relação com quem me ouve e lê, de dizer que não eram verdadeiros alguns dos pressupostos do postal do dia.
A casa de Luís Montenegro tem quatro quartos e não dezenas.
Começou a construí-la em 2015 e vive nela há quatro anos.
E a praia é separada da casa pela piscina municipal de Espinho, o que retira a força de um palácio que tinha a praia mesmo aos seus pés – não estava assim dito no postal do dia, mas era implícito para quem o leu.
3.
Conversei com Luís Montenegro.
Uma conversa franca em que mostrou o seu incómodo pela injustiça do meu texto. E em que apontou as imprecisões e, no caso do número de quartos, uma imprecisão para ele dramática.
Depois da conversa com o presidente do PSD procurei confirmar o que me tinha dito. Não por dele duvidar – seria ainda mais grave se me tivesse mentido -, mas por estrito dever profissional.
Confirmei que era verdade o que me jurara.
Confirmei que baseara a minha opinião num pressuposto totalmente falso e em algumas meias-verdades.
Não é justo para Luís Montenegro.
E é minha estrita obrigação repor a verdade.
E pedir desculpa ao presidente do PSD.
4.
Neste tempo tão polarizado, de tanta agressividade e de tanta pulhice é necessário que a ética consiga, apesar de tudo, sobreviver.
O que escrevo, o que penso e o que faço é baseado no meu olhar sobre o mundo.
Nos meus conceitos e preconceitos ideológicos.
Acredito num modelo de sociedade.
E o que escrevo reflete o que penso.
Sou lido por muitas pessoas e pessoas muito diferentes.
Gente de direita e de esquerda.
Gente religiosa e ateia.
Gente com culturas diferentes, de gerações diferentes.
Gente que sabe perfeitamente quem sou, o que penso e defendo.
Mas acredito que me leem por uma relação de confiança, a de que escrevo sem ter nada na manga, a de que escrevo sem aproveitar o espaço que tenho para denegrir pessoas de quem não gosto ou para tirar vantagens políticas, materiais ou outras.
É por isso, e em nome disso, que tenho de pedir desculpa a Luís Montenegro. Com o mesmo espaço, enfase e sinceridade com que o critiquei tão agressivamente na passada semana.
Se não o fizesse não seria apenas injusto para Montenegro.
Seria injusto para quem me lê – mesmo para os que nunca votarão PSD.
E diria bastante sobre mim."

sexta-feira, 12 de maio de 2023

O palácio de seis andares de Montenegro e a casa de Massamá

"Uma casa em Espinho com mais de 800 metros quadrados? Seis pisos? Quartos e quartos e quartos? A 100 metros da praia na zona mais cara de Espinho?
Como pagou, como aconteceu, se declarou ou não declarou, se existem ou não troca de favores com quem podia autorizar - tendo em conta que a moradia foi construída em Espinho, terra dos dois autarcas de quem tanto se falou. 
Mas a questão fundamental, apesar de importante, não é essa. A questão central é uma outra - que angustia e desvanece qualquer ilusão que se possa ter sobre a sua humilde condição. 
Escolho a palavra "humilde" em memória de Frank Underwood, personagem principal do extraordinário House of Cards. Numa conversa com Remy Danton, um lobista profissional, o político Underwood explicou-lhe a diferença entre os dois. "O que te interessa é o dinheiro, o poder do dinheiro. Por isso, nunca terás o único poder que me interessa a mim, o político. E como sabes o poder político é incomparável com o tão pouco que desejas". 
A tradução é livre e de memória. Mas o que o político ambicioso diz ao homem ambicioso está nos manuais. Quando se junta alguém que ambiciona dinheiro, ambiciona casas como aquela e ambiciona poder político, alguma coisa está mal. Aliás, bastar-nos-ia ver o exemplo de José Sócrates para o entender."

Para ler na íntegra este Postal do Dia escrito por Luís Osório, clicar aqui.

quinta-feira, 27 de abril de 2023

Morreram no dia 25 de Abril de 1974 e eu aplaudo-os

1.
Há 49 anos saíram para a rua quatro jovens que não chegaram a saber o que era a liberdade.
Talvez aquele dia fosse mesmo o dia, os sinais eram bons, os militares estavam na rua e gritavam-se palavras de ordem.
Palavras de liberdade.
Palavras contra a guerra colonial.
Palavras contra a censura e a favor da liberdade de imprensa.
Palavras contra a PIDE e a tortura.
Palavras a favor da libertação dos presos políticos.

2.
Faz hoje 49 anos que o dia não se completou para qualquer um dos quatro.
Estiveram em vários pontos da cidade de Lisboa. E confluíram para a Rua António Maria Cardoso, sede da PIDE. Corria o rumor de que os torturadores estavam a tentar fugir, a rádio tinha noticiado que uma multidão de gente gritava "não passarão".
3.
Foram para lá.
Centenas de pessoas na rua viram uma janela abrir-se e ouviram uma rajada de disparos.
Alguns corpos caíram, muita gente correu para se proteger e houve pânico e desgoverno.
Quatro não se levantaram.
Morreram no dia 25 de Abril de 1974.
Nenhum deles pôde sequer saborear o seu primeiro jantar em liberdade.
4.
Fernando Giesteira tinha 17 anos e era um vivaço. Chegara de Montalegre e em miúdo adorava os bailaricos em Chaves e correr até ao alto da Nevosa. Tinha boa pinta e fora para Lisboa puxado uns anos antes por um familiar. Trabalhava como empregado de mesa na Cova da Onça, boîte frequentada por artistas, malta da bola e Polícia Judiciária. Saíra do trabalho e fora para a rua sem passar pela Pensão Flor, no Areeiro, o quarto onde vivia. Já arranjara um cravo vermelho e prendera-o certamente à camisa a cheirar ao fumo da noite.
José Harteley Barneto era o mais velho. Tinha 38 anos, quatro filhos e uma vida estável. Escriturário no Grémio Nacional dos Industriais de Confeitaria, morava na Flamenga, perto de Loures, e nascera em Vendas Novas. O pai ou a mãe eram ingleses e ele estava entusiasmado e sentia que tudo passara novamente a ser possível, mesmo o impossível.
Já José Guilherme Arruda tinha 20 anos. Viera há pouco tempo dos Açores, era excelente aluno e matriculara-se no segundo ano de Filosofia. Morava na Avenida Casal Ribeiro, perto do Saldanha, no centro de Lisboa. José Guilherme não tinha como esconder o sorriso, afinal estava a viver a história e a revolução que só conhecia na teoria.
Fernando Luís dos Reis tinha 23 anos. Era o único dos quatro que nascera em Lisboa e também o único militar. O seu batalhão era de Penamacor, mas ele estava de férias. Também por isso saiu à rua e dirigiu-se ao lugar onde talvez mais precisassem dele. Casara-se há pouco tempo e tinha planos de ser pai.
5.
Nenhum deles conheceu a liberdade.
Por esses dias, milhares de pessoas seguiram os seus funerais.
Milhares se despediram nos últimos dias de abril de 1974.
Mas ninguém os recordou hoje.
Pelo menos que eu tenha notado, ninguém deles falou.
Ninguém se lembrou dos quatro para quem a liberdade foi, até ao último segundo da sua curta vida, a esperança em estado bruto.
Ninguém se lembrou de quatro rapazes que, se fossem vivos, estariam certamente no único lugar possível, o lugar dos que acreditam que a ditadura e o fascismo têm de ser combatidos.