Quem sempre determina o rumo do mundo, são duas espécies de seres humanos.
Os que fazem da sua vida uma inspiração a luta pela esperança, pela democracia e pelo futuro.
E os outros.
É por isso, que quando desaparece alguém que deu exemplo de generosidade e dedicação, que olhou para diferentes como semelhantes ou para semelhantes como iguais, ficamos abandonados à sorte de uma humanidade que continua a revelar-se animalesca, verificando-se, nos últimos tempos, uma revalorização do ódio, uma perseguição do outro, a obsessão da identidade nacional como desculpa para a agressão.
É por isso que Portugal em 2025 está a ficar tão perigoso.
A implantação da República em Portugal, aconteceu como um golpe inevitável dado o clima que se vivia no país.
Nos últimos anos de monarquia a situação sócio- económica do país agravava-se de dia para dia, a crise tinha-se instalado, o povo vivia na miséria em contraste com a abundância em que viviam a classe política, a burguesia e a nobreza. Esta situação agravou-se com a questão do Ultimato Inglês, onde era exigido que Portugal se retirasse do território entre Angola e Moçambique (zona do Mapa cor-de-rosa), perdendo os benefícios de que usufruía nessa região. O descontentamento foi geral, tanto mais que ainda reforçava o poder do Rei, e os ânimos exaltaram-se. A partir de 1906 conjurava-se já o derrube da monarquia constitucional. Em 1908 deu-se, efectivamente, uma primeira tentativa de destituição da monarquia, mas falhou, tendo sido, no entanto, morto o Rei D. Carlos I e o Príncipe herdeiro D. Luís Filipe. O regicídio deu-se no Terreiro de Paço, onde foram ambos abatidos a tiro. D. Manuel foi o seu sucessor. Nos anos seguintes o clima foi-se agravando e, em 1910 o país vivia num caos com conspirações dos republicanos de um lado, conspirações dos monárquicos do outro, os operários faziam greve reclamando melhores condições de trabalho e de vida e a classe média, mostrava-se tão furiosa como o operariado, pois perdiam com a falência do banco Crédito Predial Português, dirigido por chefes políticos da monarquia. Os republicanos reclamavam, acima de tudo, com a ordem forçada em que se vivia, reclamavam uma “greve geral” e a ideia, por muito disparatada que parecesse, começou a soar bem. As operações que levaram à queda da monarquia revelaram-se fáceis face à desorganização das forças monárquicas.
A Figueira também viveu os acontecimentos de Outubro de 1910.
Manuel Gaspar de Barros, Memórias
"Nos anos que precederam a proclamação da República, os republicanos organizavam conferências de propaganda em todo o país. Na Figueira isso acontecia frequentemente, com numerosos vultos políticos. Só quero agora referir que conhecei então o Prof. Miguel Bombarda. Veio uma vez fazer umas dessas conferências no Teatro Príncipe, que mais tarde ardeu.
Em 1910 eu tinha 9 anos. A nossa habitação era na rua da Lomba e o meu pai tinha um pequeno escritório no rés-do-chão. No dia 3 de Outubro à noitinha o meu pai disse-me: “Vais ser um homenzinho e quero-te dizer uma coisa. Rebentou em Lisboa uma revolução para proclamar a República. Hoje aqui não sabemos mais nada”. Mas no dia seguinte, 4 de Outubro, o meu pai não veio almoçar e à noite não veio jantar. Não sabíamos dele e, ao entrar da noite, minha Mãe começou a ficar inquieta, não sabia o que havia de fazer. A cidade estava agitada, corriam muitos boatos, na madrugada do dia 5, perante a inquietação de minha mãe a minha avó, que tinha grande ascendente sobre meu Pai, resolveu-se afazer alguma coisa. Mandou um empregado procurá-lo pela cidade e dizer-lhe que ela lhe queria falar; ele não apareceu à hora matutina do primeiro almoço, e contou que, de pé, dum banco da praça Nova, tinha conseguido pelo seu prestígio político, manter ordeira toda a população agitadíssima pela vitória da República em Lisboa.
Nos dias seguintes, talvez nos dias 5 e 6 de Outubro, eram manifestações e cortejos por toda a cidade. Vivas, discursos, a cada paragem, homens roucos de tanto gritar. Meu pai seguia nessas manifestações e eu acompanhava-o. Um dos tribunos mais em evidencia era o Snr. António Lino Franco, farmacêutico na Praça Velha. Nas manifestações as filarmónicas tocavam incessantemente a “Portuguesa”, o nosso hino. Em seguida foi a mudança da bandeira azul e branca, da Monarquia, pela verde rubra da República, nos edifícios públicos. No forte de Santa Catarina deixaram-me puxar a adriça para içar a bandeira verde-encarnada. Possuo uma fotografia da cerimónia."
Morreu em 28 de Abril de 2000.
Tinha nascido a 17 de Fevereiro de 1941.
Nome completo: José Alberto de Castro Fernandes Martins.
Para os Amigos, simplesmente o ZÉ. Purista do verbo e do enredo no dissertar da pena, concebia o jornalismo como uma arte e uma missão nobre.
“Também a lança pode ser uma pena/também a pena pode ser chicote!”
Andarilho e contador de histórias vividas, passou em palavras escritas pelo Notícias da Figueira, Diário de Coimbra, Diário Popular, Jornal de Notícias, Diário de Lisboa, República, Opinião, Vértice, Mar Alto (de que foi co-fundador), Barca Nova (de que foi fundador e Director) e Linha do Oeste.
No associativismo passou pelo Ginásio Clube Figueirense e Sociedade Boa União Alhadense.
Lutador contra o regime deposto pelo 25 de Abril de 1974, teve ficha na PIDE.
Foi membro da Comissão Nacional do 3º. Congresso da Oposição Democrática que se realizou em 1969 em Aveiro.
Chegou a ser preso pela polícia política.
Com a sua morte, a Figueira perdeu uma parte do seu rosto.
Não a visível, mas a essencial.
Era crítico e exigente. Mas, ao mesmo tempo, bom, tolerante e solidário.
Mais de 25 anos depois da sua morte, a Figueira, a cidade que amou toda a vida, continua a ignorá-lo. |
| Zé Martins, de costas e em primeiro plano, é o terceiro a contar da direita |