Por JOÃO RAMOS DE ALMEIDA
«"No 2º trimestre deste ano, Portugal alcançou o maior número de sempre de trabalhadores - 4,979 milhões. Para além do emprego criado, o desemprego continua a descer. Entre o 1º e 2º trimestre deste ano, temos menos 55 mil cidadãos no desemprego. A coesão social do emprego é um elemento central para um partido de esquerda. E é por isso que, desde 2015, com estas pollíticas, temos menos 700 mil portugueses em risco de pobreza e exclusão social. Só uma política de esquerda de um partido verdadeiramente social-democrata que tem as pessoas no centro pode prosseguir estas políticas e alcançar estes resultados." (Brilhante Dias, líder da bancada parlamentar do Partido Socialista, declaração política ONTEM no Parlamento)
Os tempos vão mesmo muito difíceis. Daqui a pouco, estaremos a comemorar os 50 anos do 25 de Abril, daquele dia em tudo parecia ser possível. A sociedade era tão desigual que, nessa altura, o Partido Socialista - segundo a sua Declarações de Princípios de Dezembro de 1974 - tinha opções claras:
"Combate o sistema capitalista e a dominação burguesa", "repudia o caminho daqueles movimentos que, dizendo-se sociais-democratas ou até socialistas, acabam por conservar (...) as estruturas do capitalismo e servir os interesses do imperialismo"; "o capitalismo é uma força opressiva e brutal, o Partido Socialista luta pela sua total destruição". "A estratégia antimonopolista e o reforço da acção do Estado passam forçosamente por um plano escalonado de nacionalizações (...) retirando aos grandes grupos monopolistas o poder económico e político", assegurando "o processo de desenvolvimento para uma via socialista". "O caminho para o socialismo passa pela criação imediata do Instituto da Reforma Agrária e o estabelecimento um programa escalonado de reforma agrária, visando a expropriação do latifúndio".
Em Abril de 2026, estaremos a comemorar os 50 anos da aprovação de uma Constituição que - mesmo depois do 25/11/1975! - consagrou, com o aplauso dos 116 deputados do Partido Socialista (mas não nos esqueçamos dos 81 deputados do PPD e nalguns pontos dos 16 deputados do CDS) - a construção de uma sociedade a caminho do "socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras", "empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes". E que esse poder passava pela consagração de que "todas as nacionalizações efectuadas depois do 25/4/1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras". Mário Soares veio a dizer a 2/4/1976: "Liquidámos um capitalismo retrógrado parasitário, um capitalismo monopolista".
Logo depois, começaremos a relembrar os 50º aniversários das sucessivas e múltiplas iniciativas políticas - incluindo uma revisão constitucional em 1989 negociada mano-a-mano, fora do Parlamento, entre o secretário geral do Partido Socialista (Vítor Constâncio) e o então primeiro-ministro e líder do PSD (Cavaco Silva) - que reverteram esse projecto revolucionário de destruição "capitalismo retrógrado parasitário, um capitalismo monopolista" e que iniciaram a construção de um outro edifício contra-revolucionário, respaldado, subordinado, subserviente a instituições estrangeiras não eleitas (FMI, Comissão Europeia, BCE), preocupadas com objectivos que não passam pela salvaguarda e bem-estar de quem vive e trabalha neste país. Pelo contrário, manifestam sintomas de sociopatas.
A tal ponto que, hoje, vencidos pela inflação que o governo "verdadeiramente social-democrata" não quis equilibrar através da subida salarial, um em cada dois trabalhadores não consegue fazer face às suas despesas quotidianas.
Ao mesmo tempo, os grandes grupos económicos continuam a beneficiar dessa enorme perda de poder de compra dos salários (poupando em salários e ganhando com a alta de preços, numa transferência de rendimentos dos mais pobres para os mais ricos nunca antes vista) e, ainda por cima, beneficiando de um enquadramento legal - paulatinamente criado - que lhes permite reduzir cada vez mais a sua contribuição para a colectividade.
Em 1974, o objectivo era o poder das classes trabalhadoras rumo a uma sociedade sem classes. Hoje, a Constituição consagra a construção de uma "sociedade livre, justa e solidária", mas que, mesmo vaga, está a anos-luz do mundo do despoder dos "colaboradores", dos trabalhadores transformados em empresas unipessoais, sozinhos e individualizados, dessindicalizados, estigmatizados, para ser mais fácil serem esmagados, humilhados, explorados, mal pagos e estraçalhados em horários e em transportes sem fim.
Por isso, o Partido Socialista já só quer ser reconhecido como social-democrata, porque na verdade esteve ao lado e legitimou a abertura e hegemonia do projecto contra-revolucionário nacional-liberal em que estamos encharcados e enredados, sem que se consiga sair dele pacificamente (é possível entrar, mas não sair) senão à custa da pele dos trabalhadores.»