A minha Mãe foi baptizada de Dorati da Conceição, nasceu na
freguesia de Lavos, Figueira da Foz, descendente de uma família de pescadores
naturais de Ílhavo, que desceram a costa portuguesa à procura de peixe e água
potável que lhes permitisse a sobrevivência, que se vieram a sediar na cova de
uma duna, um local a que passaram a chamar de Cova por volta de 1750/1770.
A Gala, onde a minha Mãe nasceu, é uma povoação mais
recente, nasceu cerca de 40 anos depois, quando alguns dos pescadores se
deslocaram para nascente e ergueram pequenas barracas ribeirinhas, para recolha
de redes e apetrechos de pesca.
Os familiares que me antecederam eram gente com mãos rugosas
do trabalho e faces marcadas pelo sol e
pelo mar, onde arriscaram a vida para continuar a viver.
A vida da minha Mãe, até ao último dia, foi, sobretudo, uma
vida de “trabalhos”.
Normalmente, este blogue serve para tudo, menos para falar
de mim ou da minha família.
Hoje, é uma dessas raras excepções… Mas, como é que se
escreve sobre uma Mãe que teve uma dura e difícil vida e que acaba de me deixar?
Neste momento, não sei se não sei, não sei se não consigo.
Sei que foram quase oitenta e sete anos, uma longa vida,
ainda por cima, vivida com muitas dificuldades, inúmeros desgostos e algumas
amarguras.
Não conheceu o Pai, soldado na I Grande Guerra. Ficou viúva,
aos 46 anos de idade, no tempo em que não havia reformas, com 3 filhos e uma
Mãe de idade já avançada para cuidar.
A vida é tão difícil para alguns… Contudo, a minha Mãe deu a
volta por cima e foi sempre uma mulher lutadora e uma filha, mãe, avó e bisavó dedicada.
Nunca desistiu: e isso foi o mais importante.
Viveu muitas alegrias no seio familiar – toda a família a rodeou de cuidados, amor,
carinho e atenções até ao último dia.
Porém, as consequências de uma vida longa, dura e difícil
pesaram no final – as últimas semanas foram penosas, muito penosas mesmo.
Ao longo do percurso aconteceu de tudo: chuva e sol, sorrisos
e lágrimas, chegadas e partidas – e, sobretudo, trabalho, muito trabalho e
muita luta pela sobrevivência com honra e dignidade – o maior e mais importante
legado que deixou à família.
Quase oitenta e sete anos deram para descobrir o que é
verdadeiramente importante na vida - as pessoas que nos rodeiam e que amamos.
E, disso, a Dona Dora, minha Mãe, não se pode queixar.
É assim que a vou recordar. Sinto a sua partida e o que teve
de sofrer nos últimos meses, como uma profunda injustiça. Como a pior traição
que se faz a um filho.
“Consola-me” um pouco, porém que, hoje, a morte vai ser a primeira
noite sossegada que vai ter de há largos meses a esta parte…
Até um dia Mãe.
Um beijo.