«O idiota é geralmente competente, moralmente irrepreensível
e socialmente necessário. Faz o que tem a fazer sem dúvidas ou hesitações,
respeita as hierarquias, toma sempre o partido do bem e acredita religiosamente
nas grandes ficções sociais.
O idiota é todo liberdades.
A idiotia também faz bem às artes, principalmente às
audiovisuais. A concentração do idiota numa ideia fixa, torna-o especialmente
receptivo às músicas de ritmo simples e batida forte, o que facilita extraordinariamente o comércio discográfico, com todas as vantagens que daí
advêm para producers e performers, enfim, para o tecido social. No que diz
respeito às artes plásticas, tudo é mais fecundo se não houver interferências
entre os olhos e as mãos. As ideias perturbam, turvam o olhar, atrapalham o
gesto e, nos casos de ideologite aguda, daltonizam as cores. Sem imagens, uma
cabeça vazia endoidece.
O idiota puro é o idiota jovem. Com o tempo, torna-se
cínico, adquire hábitos esquisitos, sempre à procura do que lhe serve ou lhe
rende, em busca de técnicas para obter sucesso e se sentir bem, sereno, de boa
saúde e belo aspecto: cristianismo, ioga, dieta macrobiótica, drogas,
parapsicologia, psicanálise, etc.
Entre os idiotas, também começa a manifestar-se, se bem que
de modo caricatural, algo que recorda o hedonismo e o utilitarismo da
aristocracia de outrora: o gosto de ser servido, de se distinguir do
"vulgar". Como única crítica a filmes, espectáculos, livros, etc., é frequente
ouvi-los dizer: "Mas que mau gosto!"
Os idiotas andam sempre juntos: consomem os mesmos produtos,
frequentam os mesmos locais, lêem os mesmos livros e jornais, e têm uma
habilidade notável para descobrir e evitar quem não é idiota. Graças a Deus!
A
política, porém, unifica o conjunto da sociedade sob o signo da idiotia:
pessoas estimáveis, notáveis até nos diversos domínios do saber e da cultura,
quando chegam à política tornam-se idiotas. Triunfam, quer-se dizer.
Tornaram-se, enfim, públicas.»
(Publicado no Diário
de Lisboa, de 12/6/87.)