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sábado, 18 de janeiro de 2025

Reposição de freguesias: lá lixámos a "troika" à custa dos mesmos de sempre - "o mexilhão"...

Ontem, no Distrito de Coimbra, o Parlamento aprovou a reposição de freguesias nos concelhos de Cantanhede, Figueira da Foz, Lousã, Mealhada e Oliveira do Hospital.
No nosso concelho, 𝗕𝗿𝗲𝗻𝗵𝗮, Buarcos, 𝗦𝗮𝗻𝘁𝗮𝗻𝗮 𝗲 𝗦𝗮̃𝗼 𝗝𝘂𝗹𝗶𝗮̃𝗼 𝘃𝗼𝗹𝘁𝗮𝗺 𝗮 𝘀𝗲𝗿 𝗳𝗿𝗲𝗴𝘂𝗲𝘀𝗶𝗮s.
O presidente da ANAFRE, Jorge Veloso acredita que agora a qualidade de vida daquelas populações “aumentará e muito”, salientando que “a proximidade é um fator muito importante para que as pessoas se sintam bem, se sintam apoiadas”. Apesar de sair satisfeito da Assembleia da Republica, referiu que o processo de desagregação “não terminou”. A Lei-quadro existe e muitos mais processos vão aparecer para desagregação. 
E pronto: mestres como somos nas artes do engano, aproveitámos uma singularidade nacional: a existência de dois níveis de poder local para em 2013, ludibriar troika — ao mesmo tempoe lixámos o mexilhão nacional, o mais desprotegido dos mexilhões: as pobres freguesias, nomeadamente as de “territórios de baixa densidade”.

1ª. página de 10 de outubro de 2012. Para ver melhor clicar na imagem.

Miguel Almeida estás perdoado
.
Recuemos à edição do Diário as Beiras de 10 de Outubro de 2012.
“Os presidentes das 18 juntas do concelho da Figueira da Foz sempre foram solidários uns com os outros quando estavam em causa situações que afectassem o conjunto ou alguns dos seus elementos. Na sessão da Assembleia Municipal da passada segunda-feira, porém, essa solidariedade foi quebrada, quando os autarcas do PSD e da Figueira 100% mais os independentes José Elísio (Lavos) e Carlos Simão (S. Pedro) se colocaram ao lado dos sociais-democratas e do movimento independente.”
Jot´Alves, (edição impressa)…

Passados 2 dias, em 12 de outubro de 2012, Miguel Almeida, com a colaboração do Movimento 100% e o alheamento do PS,  impôs às freguesias figueirenses, não uma reforma político-administrativa, mas, apenas um conjunto de alterações avulsas, coercivas e apressadamente gizadas, feitas à medida do chamado plano de reajustamento, ou Memorando de Entendimento (ME), celebrado pelo estado português sob a batuta do governo socialista de Sócrates com a Troika (FMI, CE e BCE), e com o acordo do PSD e CDS-PP.
Recordemos.
A Assembleia Municipal votou o novo mapa das freguesias.
Foi aprovada a proposta conjunta apresentada pelo PSD, Figueira 100%,  Presidente da junta de freguesia de S. Pedro (Carlos Simão) e Presidente da junta de Lavos (José Elísio).
A  extinção das Freguesias de S. Julião, Brenha, Borda do Campo e Santana foi aprovada com os votos contra do PS, da CDU e da presidente da junta de freguesia de Santana (PSD).
O presidente da junta de freguesia de Tavarede (PS) absteve-se.
Ficou assim a votação: 22 votos a favor; 19 contra; e 1 abstenção.
Resultado:
BUARCOS  AGREGOU S. JULIÃO;
ALHADAS AGREGOU BRENHA;
PAIÃO AGREGOU BORDA DO CAMPO;
FERREIRA A NOVA AGREGOU SANTANA.

A minha posição é a de sempre.
Não sou  defensor de que tudo, nomeadamente no que concerne às organizações humanas, é eterno.
Daí, encarar como perfeitamente natural reformas dos sistemas político-administrativos. Contudo, essas reformas, a meu ver, têm de assentar em estudos fundamentados e tendo em conta a realidade.
Reformas político-administrativas coerentes e sérias, só se justificam quando ocorrem três condições fundamentais: necessidade comprovada de reforma (através do resultado de trabalhos científicos, do debate e acção política e de comparações/imposições internacionais), existência de tempo e de recursos para promover a reforma mais adequada às circunstâncias e, finalmente, vontade de promover a reforma por uma via democrática no referencial constitucional em vigor.
Em 2012, creio que não será estultícia apontar que não se verificou nenhuma das três condições formuladas (salvo a imposição da Troika, que não foi coisa pouca).
Espero que em Janeiro de 2025 isso tenha acontecido.

Na Figueira, tal como de um modo geral no resto do País, o  comportamento dos políticos e dos partidos, tem contribuído para que os cidadãos se afastem da política. 
O que se passou em outubro de 2012 foi mau. 
Os cidadãos, na Figueira e no País, não se afastaram da política - foram sendo afastados.
Espero que Janeiro de 2025 tenha contribuido para ser dierente.
Termino com uma citação: como diria Sá Carneiro “a política sem alma é uma chatice, sem ética é uma vergonha”...

domingo, 8 de dezembro de 2024

O almirante agradece

«Há muitos responsáveis por a mais nobre atividade que há numa comunidade ter caído em desgraça. Sim, não há nada mais importante numa comunidade do que as pessoas que são responsáveis pelo bem comum. Os primeiros a contribuir para o desprestígio da classe foram os próprios políticos. 
Chegaria lembrar que o político que mais eleições venceu no Portugal democrático continua a renegar essa qualidade. 
A afirmação constante de Cavaco Silva deste contrassenso é uma excelente contribuição para todos os populismos. 
Mas há mais. A forma como os próprios desmereceram a carreira, promovendo salários baixos para cargos fundamentais de interesse público, levou ao afastamento de muita gente de qualidade, mas é sobretudo atentatória à responsabilidade da tarefa. Depois, através duma insana quantidade de incompatibilidades, fez-se com que praticamente só seja possível à gente das Jotas e a professores aceder à carreira política, nomeadamente ser deputado. Pior, ir para ministro de um setor que se conhece representa sobretudo não se poder regressar durante muito tempo à carreira que se tinha. Tudo isto foi feito pelos próprios políticos, mas sob o aplauso dos cidadãos. 
Sim, nós também temos feito a nossa parte, e de que maneira. Ajudamos a que seja impossível para uma pessoa que queira preservar o seu bom nome e a sua honra fazer um percurso político, ajudando os pasquins que têm como modelo de negócio difamar e insultar; fazemos generalizações sobre “os políticos”, confundindo o trigo com o joio; olhamos com nojo os partidos e associações cívicas, deixando-as entregues a quem se quer aproveitar delas e não as usar para o bem comum. 
Queremos alguém por não ser político diz muito do nosso amor pela democracia. Mas diz sobretudo muito sobre aquilo que fizemos para desprestigiar quem é essencial para o seu funcionamento. Gouveia e Melo agradece.»

domingo, 10 de novembro de 2024

Onze casos. Cresce o número de mortes associadas a atrasos no INEM...

 Imagem via Correio da Manhã

«São já 11 as vítimas mortais associadas aos atrasos no atendimento de emergência médica. Os técnicos de emergência médica pré-hospitalar, que fizeram greve, não se sentem responsáveis por estas vítimas. A Procuradoria-Geral da República abriu cinco inquéritos aos casos de mortes associadas a atrasos no 112. Um foi, entretanto, arquivado. A Inspeção Geral das Atividades em Saúde também está a investigar. Os tempos médios de espera têm vindo a baixar desde os últimos problemas: na sexta-feira, a média era de 17 segundos. Na sexta-feira, a secretária de Estado da Gestão da Saúde, que substituiu a ministra da Saúde numa visita ao Hospital Distrital do Pombal, revelou que o Ministério sabia do pré-aviso de greve dos Técnicos de Emergência Pré-hospitalarPor sua vez, o Sindicato dos Técnicos de Emergência pré-hospitalar garante que avisou a ministra 20 dias antes do início da greve, mas não teve resposta. Uma versão que contraria Ana Paula Martins, que afirmou ter sido surpreendida pela paralisação. 

Perante o acentuar das críticas dos partidos da oposição, com o Bloco de Esquerda a exigir a demissão da ministra e o PS a denunciar "negligência", o primeiro-ministro, Luís Montenegro, recusa afastar Ana Paula Martins e afirma que é preciso resolver os problemas do INEM.

O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, insiste que o importante é que os problemas no Instituto Nacional de Emergência Médica sejam resolvidos o mais rapidamente possível: “Temos de pensar do ponto de vista das pessoas. E, portanto, que seja rápida a resolução deste problema”.

Em cinco anos, o Instituto Nacional de Emergência Médica perdeu quase 70 técnicos de emergência pré-hospitalar. Estes operacionais representam 68 por cento do total de efetivos e também são eles os responsáveis pelo atendimento de pedidos de ajuda e são eles que acionam os meios.

O Portal da Queixa recebeu mais de 300 denúncias sobre falhas nos serviços do INEM desde janeiro - mau atendimento telefónico, recusa de socorro e demora na chegada da ajuda são as principais críticas sobre o INEM.»

Texto via RTP

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

"A barra da Figueira vai de mal a pior. Esta administração do porto última, muito pior que as outras, tem sido uma verdadeira nódoa".

Armador da Figueira da Foz exige obras na barra e demissão da Administração do porto.

«Num texto publicado na rede social Facebook, António Lé, antigo presidente da cooperativa de produtores Centro Litoral e o maior armador português da pesca do cerco, afirmou que o que acontece na barra da Figueira da Foz – considerada perigosa para os barcos de pesca e de recreio, pela acumulação de areia e orientação de entrada e saída, para sudoeste, que faz com que a ondulação de noroeste embata de lado nas embarcações – “é um atropelo ao direito à vida que tem cada indivíduo”.

As críticas de António Lé estenderam-se à Administração portuária conjunta dos portos de Aveiro e da Figueira da Foz, que acusa de nada fazer para garantir a segurança dos pescadores na barra.

“Administradores do Porto de Aveiro e Figueira da Foz tenham vergonha e vão-se embora antes que sejam forçados”, vincou, no texto, António Lé, acusando ainda a classe política nacional de estar alheada da situação vivida na barra da Figueira da Foz.

“A classe política anda toda muito entretida a magicar acordos e arranjos de governação (…) Pergunto-me para quê? Para quem querem estes tipos governar? Para um pelotão de condenados que nem sequer têm direito a auxílio numa situação de perigo? Quando um cidadão, ou uma classe profissional, são deixados entregues a si mesmos numa situação limite, algo está por definição errado na palavra país”, argumentou.

Ouvido pela agência Lusa, o armador da Figueira da Foz reiterou as críticas à administração portuária, mas também à classe política, argumentando que o texto por si publicado é “um grito de revolta e é um ultimato” aos representantes do Estado.

“Cuidado, queremos ter aqui as altas individualidades que representam o país, nomeadamente o Presidente da República, o senhor primeiro-ministro e os ministros num contexto de festa, num contexto de celebração de qualquer coisa de bom para a nossa cidade. Nunca mais cá venham no contexto da Virgem Dolorosa [o naufrágio ao largo da Marinha Grande que, em Julho, provocou seis mortos] ou no contexto das outras pessoas que perderam a vida à entrada da barra, por falta de segurança [como no naufrágio do arrastão Olívia Ribau, que resultou em cinco mortos, em 2015] ou incompetência das administrações sucessivas da Administração portuária”, enfatizou o armador.

António Lé, referiu-se, nomeadamente, à actual Administração dos Portos de Aveiro e da Figueira da Foz “que tem sido a pior de todos os tempos”.

“Aveiro e Figueira têm tratamentos completamente diferentes. E a Figueira da Foz tem de ser vista como um porto seguro, não um inseguro que afasta qualquer tipo de negócio ou possibilidade de negócio. Mas, mais importante, a Figueira é um porto integrado, não é só de pesca, nem só comercial e de recreio, tem as três vertentes e tem de ter segurança”, aduziu.

Questionado se a actual configuração do porto privilegia a segurança dos navios cargueiros de maiores dimensões, em detrimento das embarcações de pesca e de recreio, António Lé afirmou que a insegurança é para todos.

“Ainda não tivemos foi a infelicidade de haver uma falha mecânica qualquer [num cargueiro] porque, em termos de resistência, será muito mais difícil tombar um grande do que um pequeno. Tombando [um grande] teremos percas materiais e não humanas, nos outros [de pesca e recreio] teremos perdas humanas e a vida humana não tem preço”, argumentou o armador.

A Lusa tentou ouvir Nuno Lé, presidente da cooperativa Centro Litoral, que representa os armadores desta região, mas os contactos resultaram infrutíferos.

Já fonte da Administração dos Portos de Aveiro e da Figueira da Foz remeteu uma reacção para um comunicado a divulgar mais tarde.»

Na Antena 1, no programa Portugal em directo, António Lé proferiu as seguintes declarações:


sábado, 12 de outubro de 2024

Inês, a mulher que mais prostitutas tirou da rua

Nunca estive pessoalmente com Inês Fontinha. Todavia, Inês Fontinha é das pessoas que mais julgo conhecer, pois acompanha-me há mais de 4 décadas.
Durante anos, entre 1978 e 1983, quando pouca gente a conhecia, li inúmeros textos de Inês Fontinha, antes de serem publicados pelo semanário Barca Nova.

O seu nome nunca saíu do meu radar. 
A prostituição continua a ser um problema social do qual pouca gente quer falar.
A socióloga Maria Inês Gomes Rodrigues Fontinha, nasceu na Madeira no ano de 1943. Filha de Georgina de Jesus Gomes e de Júlio Roque Gomes, cresceu numa família numerosa de sete filhos. Segue os seus estudos na Ilha da Madeira e, em 1964, vem para Lisboa onde ingressa no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, licenciando-se em Ciências Sociais e Políticas no ano de 1969. Foi pela mão de um seu amigo jurista que, em 1975, conhece a Associação O Ninho, instituição particular de solidariedade social fundada em 1967 por  impulso de Ana Maria Braga da Cruz, com o objectivo da promoção humana e social das mulheres vítimas de prostituição. Em 1976, torna-se monitora do lar de acolhimento das raparigas. Anos mais tarde será a coordenadora de lar e posteriormente directora de serviços. Trabalhou quase 40 anos na reinserção social das mulheres que se prostituem no sentido do desaparecimento da prostituição o que lhe dá uma indiscutível autoridade na matéria.

Inicia a sua actividade em O Ninho, em 1975, vivendo um período de mudanças profundas advindas da Revolução de Abril de 1974. Em plena euforia da liberdade conquistada, viu-se confrontada com uma realidade que desconhecia, a realidade das raparigas que residiam no Lar de Acolhimento, buscando caminhos de mudança, encontrando nele uma alternativa para a saída do sistema prostitucional que as acorrentava. Assinale-se que O Ninho, criado em Portugal à semelhança da instituição francesa Le Nid, com ela partilha objectivos e métodos, mas a sua singularidade apresenta um traço notável de persistência reconhecida quer dentro do País quer no estrangeiro. Em Portugal, O Ninho teve um papel fundamental na alteração da lei existente ao tempo do fascismo, quando a prostituição era proibida e as mulheres eram presas por se prostituírem (lei nº44 579 de 19 de Setembro de 1962) deixando a prostituição de ser crime a partir dos anos 80. Sempre atenta às mudanças operadas na sociedade – e no mundo – a instituição portuguesa foi membro fundador da Federação Europeia para o Desaparecimento da Prostituição, criada porque “a comunidade europeia está a ser pressionada pelo proxenetismo organizado no sentido da legalização”. Em 1992, Inês Fontinha é eleita Presidente dessa instituição europeia.
É membro do Conselho Nacional do MDM, tendo recebido a Distinção de Honra do MDM em 1992. Recebeu o Prémio da Revista Mulheres e muitas outras Revistas a consagraram nas suas páginas. Condecorada por Jorge Sampaio, recebe a Medalha de Mérito em 6 de Março de 1998. O Ninho, de que é Directora, é homenageado pela Assembleia da República com o Prémio de Direitos Humanos em 2003, sendo galardoado por várias organizações, entre as quais a Ordem dos Advogados.
Em 2005, em reconhecimento do seu mérito e prestígio pessoal, Inês Fontinha integra uma lista de mil mulheres proposta ao Prémio Nobel da Paz, lista apoiada pela organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), para se contrapor ao facto de que desde 1901 apenas 12 mulheres terem sido galardoadas com o Prémio Nobel. Ainda que tal não tenha sido aprovado, Inês Fontinha sentiu-se muito honrada com essa proposta, tendo considerado na altura que, em geral, “só as mulheres que têm sucesso na política ou a nível empresarial são reconhecidas, e que as que desenvolvem um trabalho social têm pouca visibilidade”, e nessa medida, considerou essa distinção muito importante para “dar visibilidade às mulheres” que desenvolvem “trabalhos ocultos” e apoiam pessoas marginalizadas.
Inês Fontinha é uma figura surpreendente e muitas vezes polémica que se entregou de corpo e alma a uma causa sem nunca perder a verticalidade para poder denunciar quem produz o mal que, entretanto, diz querer erradicar. Sem nunca deixar de reivindicar e propor, mesmo nos tempos do fascismo, uma solução mais digna para as mulheres caídas na prostituição por razões económicas e vítimas de uma sociedade em que os homens pretendem ser donos e dominadores das mulheres e dos seus corpos. Nesse sentido, pronunciou-se ativamente contra a criação na Mouraria, em Lisboa, de uma casa-refúgio, um anunciado prostíbulo camarário para prostitutas, onde estas também poderiam praticar sexo pago. Admitindo que esta proposta possa representar uma “forma camuflada de tentar legalizar a prostituição”, considera que é um projeto perigoso e aberto a novas formas de exploração. A pretexto de proteger as mulheres contra a Sida (quem sobretudo protege são os clientes!), pode ao contrário estimular o proxenetismo e o negócio. Os direitos das mulheres à igualdade e os direitos humanos estão sempre no seu horizonte quando equaciona a problemática da prostituição. “A legalização é um atentado aos direitos das mulheres, aos direitos humanos, é completamente perverso legalizar a prostituição”[2] . Conhece todo o argumentário a favor da legalização da prostituição e facilmente o desmonta, baseada na sua experiência acumulada junto das cerca de 8 000 mulheres que acompanhou na Instituição ao longo dos 40 anos em que nela trabalhou e das histórias de vida contadas num ambiente de psicoterapia institucional. Inconformada com a peregrina ideia de que a mulher é livre e tem legitimidade para “vender” o seu corpo, responde “Defendemos uma sociedade onde as mulheres tenham igualdade e agora vamos criar uma situação de subalternização ao homem, conceder ao homem o poder legítimo de comprar uma mulher?” O que existe, nesta situação, isso sim, “É o poder legítimo de o homem querer e poder comprar”. E adianta, “Não conheço nenhuma mulher que goste de ou queira ser prostituta. Não conheço nenhuma família, por muito desorganizada que esteja, que tenha como projecto de vida para os seus filhos serem prostitutas ou prostitutos” [3].
Vivemos numa sociedade em que, apesar dos avanços no campo dos direitos das mulheres, muita gente ainda concorda com uma situação em que a mulher está completamente subalternizada ao homem, é um objecto, um instrumento de prazer. Não há vazio legal. Temos um sistema abolicionista que imperou na Europa durante muitos anos. Porquê este frenesim de alguns países europeus em legalizar a prostituição, afirmando que vão combater o tráfico? É falso, está provado!
Legalizando a prostituição, fomenta-se o tráfico. Há governos que defendem a legalização escudando-se na saúde pública: “Alguns governos pensam que a regularização das casas de passe seria um passo no sentido de maior segurança para a saúde pública”, porém, para Inês Fontinha existe neste argumento um sentido discriminatório, visto apenas as mulheres ficarem sujeitas ao rastreio, para não contaminarem os homens. E ironiza: “A igualdade de género caiu por terra quando a mulher é considerada um objecto”.
Sobre a questão de que quem se prostituir ficará mais protegido se for encarado como trabalhador, Inês Fontinha recusa taxativamente a concepção de que a prostituição é um trabalho e insiste que “vender o corpo” não é um trabalho. Fala-se muito em trabalho digno, mas pergunta-se: Será que isto é um trabalho digno? Defende que se deveria dar um verdadeiro estatuto de vítima a uma prostituta, tal como se deu às mulheres vítimas de violência doméstica, não para as menorizar mas antes para poderem decidir da sua própria vida. A sua desvalorização nas ruas é profunda. Por isso, a ajuda externa é de extrema importância para poder abrir portas, e dizer: há esta possibilidade. O que falta são os apoios necessários para proporcionar reais oportunidades às pessoas.
A luta contra a prostituição como flagelo social, a dedicação total à protecção das mulheres prostituídas e sua reinserção social foi o grande motivo da sua vida. Por esta causa se notabilizou e foi pioneira. Porque esta problematização se impõe nos nossos dias com diversos matizes, replicamos alguns dos seus pensamentos sobre uma realidade que afinal é de muitos milhares de mulheres, e que traduzem seguramente o essencial desta mulher que na primeira pessoa nos conta a sua lancinante experiência.
“Fui aos locais onde as mulheres procuravam os clientes, ruas, bares, casas de passe. Ouvi histórias inabitadas de afectos, de abusos sexuais persistentes pelo pai, pelo padrasto, pelo irmão, por um amigo da família. Escutei a fome, o trabalho infantil, a pobreza que habitou a infância de todas elas. Escutei o sofrimento de corpos desvalorizados pela violência a que foram sujeitos, vi a dissociação/clivagem entre o psicológico e o físico, quando afirmavam “o meu corpo vai para o quarto, mas a minha alma fica de fora”.
Também no 9º Congresso do MDM realizado em Outubro de 2015, confirma perante centenas de mulheres, a sua experiência pessoal: “Acompanhei durante estes longos anos cerca de 8000 mulheres e afirmo com segurança que a prostituição viola severamente a dignidade humana e os Direitos Humanos. É contra a igualdade de género e quem defende a igualdade não pode afirmar que a prostituição é uma forma de a mulher utilizar o seu corpo conforme entender. Não! É uma forma de o homem usar o corpo da mulher como entender (…) Aprendi que a mulher se sente uma “coisa”, um objecto, um utensílio para uso do homem, para satisfazer as suas fantasias ” eu sou reciclável, sou usada e posta de parte (…) Aprendi que o homem cliente é proveniente de todas as classes sociais. O local onde procura a mulher é diferenciado consoante o seu poder de compra. Num hotel ou bar de luxo o cliente tem poder económico e exige que a mulher corresponda ao seu estatuto social, na forma de se vestir, de se comportar. Exige que se confunda com o seu próprio estatuto social. Por isso, quando entrei num bar de luxo vi mulheres que pareciam pertencer a classes sociais com poder económico, mas quando me contaram a sua vida, tinham tido percursos muito semelhantes a de outras mulheres que se prostituíam em outros locais, frequentados por homens/clientes com fracos recursos económicos. Vi, assim, a oferta a adaptar-se à procura.”
“Compreendi que o negócio da prostituição rende ao proxenetismo milhões de euros, porque a prostituição não se reduz a um acto individual de uma pessoa que aluga o seu sexo por dinheiro, é uma organização comercial com dimensões locais, nacionais, internacionais onde existem três parceiros; pessoas prostituídas, proxenetas e clientes.
Aprendi que a prostituição diz sempre respeito à sexualidade… está perante o sexo separado de todo o significado humano, sexo/objecto. Compete-me pôr as minhas dúvidas em relação a esta banalização do sexo (…) Na prostituição todos estes actos íntimos são rebaixados a um nível único – ao de um valor mercantil (…) A sexualidade é vivida como uma procura de prazer á custa do outro. É uma forma de violência”.
Inês Fontinha é uma Mulher de Abril, porque Abril deixou rasto na sua vida e contaminou a sua forma de encarar o mundo.
Ao ouvir na Antena 1 o Postal do Dia que Luís Osório lhe dedicou, tive um sobressalto ao recordar a história de vida de Inês Fontinha, a mulher que mais prostitutas tirou da rua. Hoje, com mais de 80 anos, a sua cabeça é a de uma jovem que continua todos os dias a mudar o mundo um bocadinho que seja.
Fica, para ouvir, o Postal do Dia.

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Os bombeiros não são carne para canhão

Rafael Barbosa

«Defender a vida das pessoas. Deve ser essa a prioridade, quando o fogo é impossível de controlar, como tem acontecido em tantos lugares por estes dias. Não é preciso ser um especialista para perceber que, por maior que seja a capacidade tecnológica e logística à nossa disposição, a natureza terá sempre mais poder. Isto não é sinónimo de deixar arder. Significa apenas que os meios materiais e humanos devem ser orientados, em primeiro lugar, para salvar vidas. E só depois para o património. Isso inclui salvar as vidas dos bombeiros, que não são carne para canhão. Vai ser preciso esperar para detalhar o que aconteceu aos três bombeiros de Vila Nova de Oliveirinha (Tábua) que morreram por causa de um veículo avariado. Como será preciso esperar para saber porque foi considerado mais importante resgatar uma máquina do que assegurar a vida de um trabalhador florestal em Albergaria-a-Velha. Não se pode tirar conclusões de forma precipitada, mas não chega reconhecer o heroísmo e apresentar condolências. Se houve negligência ou cobiça, se os meios não eram adequados, se alguém deu uma ordem errada, é preciso apurar, corrigir e castigar.»

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

UM RAPAZ DE VISEU, EM LOS ANGELES (E NO SEU PRÓPRIO PAÍS…)


FOTO:
DAQUI

TEXTO: ALFREDO PINHEIRO MARQUES, DATADO DE 12 DE AGOSTO DE 2024

«12.08.2024, completaram-se quarenta (40) anos desde 12.08.1984… o dia em que o Homem da Maratona — o rapaz de Viseu… — conquistou para Portugal a primeira Medalha de Ouro dos Jogos Olímpicos. E conquistou-a nem mais nem menos do que na prova da maratona… A mais importante, mais simbólica e mais difícil de todas, na versão moderna desses Jogos que os Gregos criaram na Antiguidade e que a finura francesa renovou e recomeçou a partir do século XIX, e que, por isso, depois, a partir do século XX, se tornou o principal palco mundial, e ainda hoje (nesta semana que agora passou) o continua ser.

Carlos Lopes, o rapaz de Vildemoinhos (Viseu), é o homem por quem o autor destas linhas tem, e sempre teve, a maior admiração e o maior respeito, por entre todos os seus concidadãos e contemporâneos portugueses da segunda metade do século XX e dos inícios do século XXI. E eu sempre soube que, um dia, mais cedo ou mais tarde, iria escrever sobre ele, e dizer publicamente isso mesmo. E esse dia chegou. É hoje, quarenta anos depois.

Quando eu próprio estive em Los Angeles, em 1992 — em Westwood, na UCLA, ali ao lado de Beverly Hills, de Rodeo Drive, e de Hollywood… —, foi a sombra desse rapaz de Vildemoinhos que eu lá então pressenti, e procurei… Quando percebi que, sendo eu também vindo de Viseu, tinha chegado lá… E lá estava, eu, ao lado da "Meca" dos sonhos e das ilusões do mundo moderno inteiro… Do verdadeiro centro do mundo, da "Sociedade do Espectáculo".

Essa sombra foi a coisa mais verdadeira que lá encontrei (talvez só acompanhada pelo bronze de um busto de Aldous Huxley, na biblioteca da UCLA, de que também ia à procura?).

Pensei em Séneca. "Não há nada pior para a formação de um bom carácter do que perder tempo a assistir a espectáculos"… Estamos sós. Nascemos sós. Devemos fazer a nossa própria corrida (mas, contra nós próprios…). Sós. Para nos testarmos a nós próprios. Para sabermos até onde poderemos chegar. É esse o espírito ("that's the spirit…"). Olímpico.

Devemos ser nós a escolher a direcção e a disciplina, seja ela qual for. Seja ela mais ou menos difícil (mas as mais difíceis são as melhores). Ou aceitar a que o acaso do destino nos propiciou, mas… tornando-a nossa, por vontade ("dúplice dono de dever e de ser"… "calmo sob mudos céus"…). Tornarmo-nos naquilo que já somos, segundo o conselho nietzscheano.

E… sobretudo, depois, devemos correr… Correr por correr. Como se fosse sem ser por nada (nós sabemos porquê…). Por uma coroa de ramos de oliveira, ou qualquer outra coisa assim, que tivermos escolhido. Devemos ser olímpicos. Na nossa vontade, pelo que queremos, e no nosso desprezo, pelo que desprezamos.

Carlos Lopes, o homem que se fez a si próprio e que, em 1984, neste mundo (no centro deste mundo, tal como ele já então era… i.e. em LA.…), veio a ter o maior dos triunfos planetários possíveis, tinha, antes disso — 37 anos antes disso — nascido pobre.

Em Portugal, país pobre (tal como sempre foi, e continuou a ser).

Quando Carlos Lopes tinha onze anos de idade, foi servente de pedreiro. Para ajudar a sustentar a família (sendo o mais velho de oito irmãos). Ele até teria querido, então, ser jogador de futebol, no clube da sua terra, o Lusitano de Vildemoinhos. Mas foi recusado, e veio antes a fazer parte de uma secção de atletismo que ele próprio lá criou, juntamente com os seus amigos de então, nesse clube da sua aldeia, nos arredores de Viseu. Eles começaram a correr, uns atrás dos outros, num pinhal na Beira Alta, a ver quem era o que chegava primeiro. Foi assim que se criou um futuro campeão de corta-mato, e de estrada, e de longa distância.

A primeira competição oficial em que participou foi a corrida de São Silvestre, em Viseu, em 1965. À medida que cresceu, corrreu todo o circuito das competições de atletismo nos circuitos locais e regionais da Beira Alta, à volta de Viseu. Os resultados eram invulgares e, por isso, depois, teve a oportunidade de ir para Lisboa, em 1967, e aí correr por um clube da capital, o Sporting, e ser treinado pelo melhor treinador da época, Mário Moniz Pereira. E ele era sportinguista… quis ir… Recusou a Académica de Coimbra e o Benfica de Lisboa. Agarrou essa oportunidade de ser treinado pelo melhor treinador português, como já tinha agarrado as anteriores, ao mesmo tempo que, sempre (para poder sobreviver, enquanto corria…) trabalhou como empregado de mercearia, como serralheiro, como contínuo de um jornal e de um banco.

O que, portanto, quer dizer que os dois portugueses que depois vieram a ganhar prémios internacionais verdadeiramente importantes, de primeiro nível mundial — Carlos Lopes a Medalha de Ouro Olímpica em 1984, e José Saramago o Prémio Nobel da Literatura em 1998 —, haviam sido, antes disso, ambos, serralheiros… ou aprendizes de serralheiros…

Tão diferentes, mas, nisso, unidos: pobres, num país de pobres.

Em 1970 já brilhava em Portugal inteiro, e não somente em Viseu. E em 1976 já estava em circuitos internacionais, e ganhou o Campeonato do Mundo de "cross-country" (corta-mato, sem ser nos pinhais de Vildemoinhos). Depois, nos Jogos Olímpicos, fez o cursus honorum como deve ser feito, longamente, começando desde o princípio… Em 1972, em Munique, para aprender… e em 1976, em Montréal (já sabendo), para ganhar… E só não ganhou, logo então, o ouro da corrida de 10.000 metros (teve que se contentar, por enquanto, com a Medalha de Prata) porque, no fim, à última hora, depois de dominar a corrida toda, esse ouro de Montréal foi para o seu grande rival de então, o finlandês Lasse Viren, que era polícia (nessa época, todos eram então ainda amadores, e não eram mercenários comercialmente subsidiados…). O rival que, para além de ter uma grande capacidade atlética, beneficiava também de práticas tecnológicas e de estratégias de treino então ainda muito pouco divulgadas (como a de fazer transfusões sanguíneas), as quais seguramente não estavam ao alcance de um atleta português.

Foi uma desilusão. Mas, em todo o caso, nesse momento, com essa Medalha de Prata dos 10.000 metros, foi assim ganha para Portugal, pela primeira vez, desde sempre, uma medalha olímpica em atletismo. Foi mostrado que era possível. Por esse rapaz de Viseu.

E, mais importante ainda, ele aprendeu, para o futuro ("fui enganado por um polícia"…).

Continuou. Em Julho de 1984, enquanto se preparava, em Portugal, para os novos Jogos Olímpicos, que iam ter lugar nos Estados Unidos no mês seguinte, foi atropelado… Atropelado enquanto treinava, correndo, numa rodovia, no meio do trânsito desordenado de Lisboa (e foi atropelado pelo carro do candidato a presidente de um clube lisboeta, o clube em que ele próprio treinava, e em frente ao estádio do outro clube lisboeta…).

Quando se levantou do chão, e deu conta de que até ainda conseguia correr, diz que percebeu, logo então, que ainda viria a conseguir ir para a América, competir, e ganhar.

Recuperou, foi, e ganhou. Quinze dias depois desse atropelamento, em 12 de Agosto de 1984, venceu, destacadíssimo, a prova mais importante e mais emblemática de todas as do atletismo mundial, a maratona, nos Jogos Olímpicos de 1984 em Los Angeles.

Foi, portanto, o primeiro português a ser medalhado com Ouro, nos Jogos Olímpicos.

Na Maratona.

Tinha andado ao longo dos últimos dois anos e meio a treinar especialmente só para isso — só para a maratona —, e a participar em provas dessas (sem nunca ganhar nenhuma delas… e, às vezes, até desistindo…), só para ver e vigiar os potenciais adversários, sem dar nas vistas.

Tinha sobre eles a enorme vantagem de (embora deliberadamente não dando nas vistas nessa especialidade de maratona) ser um dos melhores, ou o melhor, de todos os atletas nas especialidades de 10.000 e 5.000 metros; e portanto poderia vir assim a surpreender todos os adversários futuros, com uma aceleração e uma ponta final arrasadora nos últimos cinco quilómetros, se lá chegasse, quando um dia viesse a correr a sério, para ganhar, uma prova de 42 quilómetros e 195 metros, como é a maratona… E foi isso o que veio a acontecer.

Em Los Angeles correu os dois últimos quilómetros saboreando isso; e quando por fim entrou, sozinho, e destacadíssimo, naquele Coliseu californiano, saudou o público — de 90.000 pessoas… — com tanta ou mais efusividade do que aquela com que esse público, surpreendido, e em delírio, o estava a saudar a ele… E, mesmo depois de já ter passado a meta, continuou a correr, para dar mais uma volta ao estádio… saudando…! Viseu em LA…

O seu tempo de então, de 1984, viria a continuar sem ser batido por ninguém durante VINTE E QUATRO (24) ANOS. Foi, então, de 2 horas, 9 minutos e 21 segundos… Um recorde que durou até aos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008. E, logo depois, no ano seguinte, em 1985, para além de já ter batido o recorde olímpico, Carlos Lopes bateu também o recorde mundial absoluto, em Roterdão, com 2 horas, 7 minutos e 12 segundos …

Ganhou a maratona, em LA, quando tinha mais idade do que qualquer outro vencedor: trinta e sete (37) anos de idade.

Foi o último vencedor europeu nas provas todas de longa distância, antes do domínio avassalador desse tipo de provas pelos atletas extra-europeus, etíopes, quenianos, etc..

As suas duas medalhas olímpicas conseguidas para Portugal, uma de Ouro e outra de Prata, continuaram a ser o melhor resultado olímpico obtido por um só homem, para este país, durante os quarenta (40) anos seguintes. Até às Olimpíadas que agora estão em curso em 2024 em Paris… 

E Carlos Lopes continuou a ser o mesmo homem que sempre havia querido ser, e nunca se deixou instrumentalizar ou manipular para qualquer fim, político, partidário ou comercial, ao serviço seja do que for ou de quem for. Na sua própria terra, em Viseu, e no país. Olímpico.

Ele fala por si mesmo. Carlos Lopes é um homem inteligente, e corajoso, e que bem sabe — e bem afirma, claramente (em Viseu, e em Lisboa, e no país inteiro) —, que foi a democratização, em Portugal, no pós 25 de Abril de 1974, que veio a permitir que a sua carreira tenha sido feita como foi, e tenha tido os êxitos que teve. Para além, claro, da razão e força principal do seu destino e dos seus êxitos, desde Viseu a Los Angeles: a SUA VONTADE… A sua capacidade de querer, e de conseguir. E de saber o que deveria querer.

Ele sabe bem, e aponta, as razões por que a prática desportiva e a participação olímpica em Portugal não têm o desenvolvimento que deveriam ter se Portugal e as suas instituições escolares fossem capazes de se estruturar para isso, em vez de acumular retóricas e mentiras.

Esse homem fala por si.

Nunca verdadeiramente em Portugal lhe deram o reconhecimento e a admiração que há muito merecia, na dimensão que merecia. Em vez disso, foram-lhe dando, sucessivamente, um a um, os degraus todos — sucessivos… — de uma condecoração estatal que o Doutor Oliveira Salazar antes havia inventado, no seu tempo, em 1960, com o nome do mítico "Infante Dom Henrique", dos míticos "Descobrimentos"… O "Infante", cuja mentira histórica, monumental, o Estado português nunca teve coragem de deixar de oficiar, nem antes nem depois de Abril de 1974, embora toda a gente possa facilmente perceber que é um mito totalmente falso…

Foram-lhos dando todos os quatro sucessivos graus "henriquinos"… desde "Cavaleiro" até "Grã-Cruz", em 1977, 1984, 1984, 1985… E não lhe deram mais quase nada…

12 de Agosto de 2024, completam-se quarenta (40) anos desde o dia da entrada triunfal do homem de Vildemoinhos (Viseu) no Estádio Olímpico em Los Angeles.

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Não posso dizer que o conheça pessoalmente. Julgo que só eventualmente teremos falado, presencialmente, uma vez (há mais de cinquenta anos…), quando eu, muito novo, nessa época, por volta de 1972 (?), estive na organização de uma prova de "atletismo", uma corrida local, no âmbito das festas anuais da minha aldeia, na Beira Alta, e tivemos a honra da participação dele entre os corredores convidados, de Viseu, e que corresponderam ao convite. Devo ter apreciado isso, então, em alguma medida. Mas não percebi que essa breve conversa, numa rotunda antes de se chegar à minha aldeia, iria ser uma das grandes honras da minha vida.

Pela minha parte — que, ao longo da vida, depois, iria fazer um pouco de tudo, mas mal (sobretudo actividades desportivas e afins como corrida, futebol juvenil, tiro com arco, aikido e surf) — até estive em Olímpia, quando fui à Grécia no verão de 1979, mas não fiz lá nenhum desporto no estádio antigo. Não era esse o meu destino. Fiz sim, lá, no anfiteatro refeito, aquilo que toda a gente já então fazia (e os turistas ainda hoje certamente continuam a fazer): amarrotei um papelzinho… para se poder comprovar que a acústica dele é tão boa que até na última fila se consegue ouvir esse papelzinho a ser amarrotado…

Veio a ser essa, de resto, a principal e verdadeira disciplina olímpica a que eu me iria dedicar (mas com o verdadeiro espírito, o olímpico…) ao longo dos cinquenta anos seguintes: amarrotar papelzinhos (depois de neles ter escrito, antes, com uma caneta, as coisas que neles queria escrever…). E ainda hoje continuo a fazê-lo (e vou continuar…). Ainda bem que o sei fazer bem (e com o bom espírito), para poder agora estar hoje aqui a escrever este texto, sobre esse homem. Pois, na verdade, por quem eu tenho, desde há muito, de facto, a maior das admirações e o maior dos respeitos, no meu país, é por Carlos Lopes, de Vildemoinhos (Viseu).

Pergunto a mim próprio como é que esse homem se deverá sentir hoje, quarenta anos depois, em 12.08.2024, ao ver que Portugal continua como continua — igual, ou até, em alguns aspectos, pior do que sempre esteve…? —, com o Futebol (e os seus negócios, cada vez mais milionários e escuros) a dominar, esmagadoramente, na sociedade, na economia e na opinião pública… e todas as outras disciplinas desportivas a serem por isso desprezadas e esquecidas, ao longo de cada ano inteiro, durante cada quadriénio…

E, depois, nos telejornais, e nos jornais, e nos círculos decisores, toda a gente a esconder e a silenciar aquilo que toda a gente sabe: que, exceptuados os do Futebol, os resultados desportivos portugueses — na sua imensa maioria (salvo algumas pequenas excepções, que servem para confirmar a regra) — são infelizes, e simplesmente confrangedores, e pobríssimos, por falta de apoios para os atletas que, apesar de tudo, heroicamente, ainda vão insistindo em tentar praticar quaisquer outras disciplinas desportivas para além do Futebol.

Os jornalistas, e os jornaleiros, e os comentadores, e os políticos, depois, lá repetem as retóricas e as lamentações e as promessas do costume: gabam quem, apesar de tudo, tem a "resiliência" de continuar, e opinam que o que são precisas são soluções mais "robustas", para se ultrapassarem os "constrangimentos", etc., etc., etc., blá, blá, blá, blá, bá, blá, blá, bá, blá… Para que tudo continue igual, com as escolas sem desportos a sério, e as televisões (que são as verdadeiras "escolas", neste mundo que aí está…) sempre cheias de mais e mais Futebol…

O mensageiro que em 490 a.C. veio trazer a notícia da batalha de Maratona a Atenas morreu depois de correr esses 42 quilómetros (e era, apesar de tudo, uma boa notícia). Mas o nosso Carlos Lopes, de Vildemoinhos, Viseu — que em 1984 levou Portugal ao mundo inteiro, a sério, ganhando uma maratona olímpica, a sério, e desde então nos diz que devíamos desenvolver o desporto, a sério, no nosso próprio país —, está vivo, e fala por si próprio, a sério. Deveria ser ouvido (quando nos dá a má notícia do estado do desporto, a sério, neste país…). E deveria ser homenageado, a sério, como merece, na dimensão que merece. O que, de facto, até hoje, ainda não aconteceu. É possível alguma coisa a sério, neste país…?

E o desporto português continua a ser confrangedor. Portugal é o país que, desde 2004, se cobriu a si próprio de ridículo e de vergonha — um ridículo e uma vergonha que vão ficar para sempre, na sua História… — quando, nesse ano de 2004 (gastando nisso rios de dinheiros dos impostos dos seus cidadãos e de dinheiros que a Europa lhe dava para sair do seu subdesenvolvimento…?), construiu de raiz dez (10) estádios de futebol (!)… para albergar um campeonato de futebol… e chamou a isso "um desígnio nacional" [sic] (!)…

E fez isso no ano a seguir ao ano de 2003… em que o país havia ardido mais do que nunca (!), nos seus anuais incêndios florestais (até a NASA, a partir do espaço, e de lá de Pasadena, em Los Angeles… fotografou especialmente essa desgraça).

Portugal, em 2004 — vinte anos depois de 1984… —, na sua política e na sua sociedade e no seu desporto, foi uma anedota, e uma tragédia…

E o que é, hoje em dia… em 2024, quarenta anos depois…? E o que pode ser, no futuro?»

domingo, 30 de junho de 2024

Ministério Público e Processo Penal: Erros e equívocos

por António Garcia Pereira

"Foi, enfim, lançado o tão necessário debate público sobre o que é hoje o Processo Penal em Portugal e qual o papel nele desempenhado pelo Ministério Público (MP), muito por mérito do “Manifesto dos 50” (que são já mais de 100, nos quais tenho a honra de me incluir), não obstante todos os desesperados, e até caluniosos, esforços por parte da imprensa “amiga” do MP para o procurar desacreditar. 

Estão, assim (e finalmente), (re)colocadas correctamente as questões essenciais: são a Liberdade e Democracia que são gravemente postas em causa quando se admite que o Processo Penal possa ser, como tem sido, convertido ou pelo menos utilizado como instrumento de abate de adversários políticos e/ou de cidadãos incómodos e quando se permite que, em qualquer sector da sociedade, haja poderes incontroláveis e incontrolados, cujos titulares acham e proclamam que, quais auto-investidos guardiões da moralidade pública, estão acima dos cidadãos comuns e que, com tanta altivez quanta irresponsabilidade, não têm que prestar contas a ninguém pelo que fazem ou deixam de fazer.

Contudo, para pôr cobro a este estado de coisas não basta – embora esse seja um primeiro e muito importante passo a dar – ousar denunciá-lo publicamente. É preciso também desmontar as violações, algumas grosseiras, da Constituição, bem como os erros e os equívocos em que se funda o discurso legitimador com base no qual foi sendo construído e justificado o autêntico “Estado dentro do Estado” em que o MP foi sendo transformado. Aqui fica, pois, um modesto contributo para essa mesma desmontagem, tão necessária quanto urgente.

1.º O Ministério Público não é Poder Judicial 

Um dos argumentos normalmente usados para procurar abafar críticas, sob o pretexto de que com estas se estaria a atacar a independência dos Tribunais, é o de que o MP integraria o Poder Judicial. Mas não é de todo assim! Nos termos da Constituição[1], os órgãos de soberania são os Tribunais e estes são os órgãos do Estado, dotados de independência, em que um ou mais juízes procedem à administração da Justiça em nome do Povo. Ou seja, a função jurisdicional pertence aos juízes, e os Tribunais – onde, aliás, se incluem não só os elementos do MP, mas também os advogados e os funcionários judiciais – são o instrumento organizativo indispensável ao exercício da jurisdictio pelos juízes. Em suma, o MP é, por um lado, uma autoridade judiciária, e, por outro, um elemento funcionalmente integrante da estrutura organizativa dos Tribunais, mas não integra o Poder Judicial, não tem poderes jurisdicionais, nem se caracteriza por “independência”, mas sim por “autonomia” externa e – ainda que só teoricamente, como temos visto… – por hierarquia interna e responsabilidade.

2.º O Conselho Superior é a “nomenklatura” do MP no Poder

O Conselho Superior do MP – cuja existência está prevista na Constituição[2], mas não a sua constituição, ao invés do que sucede com o Conselho Superior da Magistratura – tem uma composição fixada pelo próprio Estatuto do MP[3] que garante à partida que é a sua própria estrutura, e sobretudo a sua camada dirigente, quem manda na gestão e disciplina de toda a corporação.

Com efeito, dos seus 19 membros, 2 são designados pelo Ministro da Justiça, 5 são eleitos pela Assembleia da República e os restantes 12 são 6 Procuradores da República e 1 Procurador-Geral Adjunto, eleitos pelos seus pares, a que acrescem por inerência 4 Procuradores-Gerais Regionais e a Procuradora-Geral da República. Quanto às secções do Conselho, dos 5 membros da Secção Permanente (a “Comissão Executiva” do Conselho), 4 são do MP. Dos 11 membros da Secção Disciplinar, 7 são do MP. Dos 10 membros da Secção de Avaliação, 7 são do MP. É, pois, caso para dizer que os que precisamente deveriam ser escrutinados são, afinal, os seus próprios escrutinadores! 

E é exactamente deste enorme poder – que vai desde toda a gestão dos quadros até à acção disciplinar, passando pela avaliação de desempenho, indispensável para a progressão na carreira – que a estrutura dirigente do MP, que não se quer ver minimamente questionada, não quer de todo abdicar, opondo-se por isso, “com unhas e dentes”, a qualquer projecto de alteração que coloque os seus membros em número inferior ao dos exteriores à corporação.

3.º A palavra “magistrado” aplicada aos membros do MP é equívoca e errónea

O uso da palavra “magistrado” para designar os agentes do MP, apesar de bastante vulgarizado (e pouco discutido…), não é, em termos conceptuais rigorosos, correcto, porquanto tal expressão – derivada da palavra latina magistratus – pretende significar aquele que, investido de autoridade, tem o poder público de dizer ou declarar o Direito, e esse é, no nosso sistema jurídico-constitucional, e apesar de todas as tentativas de o distorcer, exclusivamente o juiz! É que, como bem referem, por exemplo, Gomes Canotilho e Vital Moreira, o primeiro e principal sentido e alcance do n.º 1 do art.º 202 da Constituição (“Os Tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a Justiça em nome do Povo”) é o de determinar, com inteira clareza, que só aos Tribunais, e dentro destes só ao juiz (a chamada “reserva de juiz”), compete administrar a Justiça, não podendo ser atribuídas – seja por Lei ou Estatutos – funções jurisdicionais a outros órgãos ou agentes, e designadamente ao MP.

E se é certo que a Constituição de 1976 já usava a expressão “magistrados”[4] do MP, a verdade é que, por um lado, logo os definia, com total clareza, como “responsáveis, hierarquicamente subordinados” e, por outro, quer na epígrafe do referido artigo, quer nos seus n.º 1 e 2, os referia, e bem, como “agentes do Ministério Público”[5], o que está correcto, pois é precisamente isso que os agentes do MP, exercendo uma actividade material e funcionalmente administrativa e não jurisdicional, efectivamente são.

4.º Falta de um balanço independente, sério e rigoroso do que tem sido a investigação criminal

Fora a exibição, pelo MP, das estatísticas oficiais das condenações em 1.ª instância, a verdade é que não temos uma apreciação séria de qual a percentagem de pessoas que foram constituídas arguidas e por vezes detidas (com alguma frequência, e se tal vender jornais ou telejornais, com grande espectáculo mediático), mas que não chegaram a ser acusadas ou sequer indiciadas pelo MP, assim como a percentagem das que, uma vez acusadas, requereram a abertura de instrução e não foram pronunciadas por um juiz, nem a percentagem das que, mesmo pronunciadas, não chegaram a ser julgadas ou, das que tendo sido condenadas em 1.ª instância, interpuseram recurso e viram a sua condenação, designadamente em prisão, ser revogada. O que sabemos é que, em 2015, uma nunca desmentida investigação do jornalista Plácido Júnior, publicada na revista Visão, revelou que, só no espaço de 7 anos, foram absolvidos 154.569 cidadãos (ao ritmo de 60 por dia!?), por carência de prova bastante da acusação!

Por outro lado, é hoje uma realidade indesmentível que a investigação criminal dirigida pelo MP se viciou no recurso às escutas telefónicas, em detrimento de outras formas e técnicas de investigação, porventura bem menos intrusivas e bem mais eficientes. E, de uma época, há cerca de 20 anos atrás, em que já então se sabia fazerem-se em Portugal quatro vezes mais escutas do que em França, por exemplo, passou-se cada vez mais à lógica das escutas “de arrasto”, em que se sujeita alguém à devassa dos seus telefonemas durante anos a fio, não para se investigar um crime de que há fundadas suspeitas, mas em busca de se encontrar alguma coisa que possa ser considerada comprometedora, numa actividade de “escutar às portas” (como bem lhe chamou a Procuradora-Geral-Adjunta Maria José Fernandes), ou seja, de verdadeira e inaceitável vigilância, inclusive política. E em que – como acabou de se verificar com as escutas a António Costa – se vaza, para logo ser amplamente publicitado pela imprensa amiga do MP, e sob a habitual invocação das invariáveis “fontes próximas do processo”, aquilo que, ainda que sem qualquer relevância criminal, possa, todavia, causar estragos na imagem pública do visado. 

Mas em que também – impõe-se dizê-lo – se usa e abusa de subterfúgios, como o dos famigerados PA (Processos Administrativos), para se cometerem tais devassas (bem como de contas bancários e patrimónios) sem controlo jurisdicional e durante anos a fio, assim como o das buscas a Escritórios de Advogados, com a sua imediata constituição como arguidos, não porque exista qualquer fundada suspeita da sua cumplicidade ou co-autoria relativamente a alguma conduta ilícita, mas unicamente para assim propiciar e legitimar a apreensão de documentação sujeita a segredo profissional que possa comprometer os respectivos constituintes.

Porém, apesar e no fim de tudo isto, qual é, afinal, o real balanço, em termos de resultados, a fazer de “investigações” como as da destruição dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, de negócios como os da Empordef, dos submarinos e das viaturas Pandur, dos contratos swap, do SIRESP, do Monte Branco, do apagão informático relativo às operações em offshores ou, mais recentemente, de tão badalados processos como os da operação “Tutti Frutti”, por exemplo? E, por outro lado, o que se pode – e deve! – dizer do caso de pessoas como Miguel Macedo, Jarmela Palos, Mário Lino, António Mendonça, Azeredo Lopes, Luísa Salgueiro e Miguel Alves, entre muitos, muitos outros, que viram o seu nome repetidamente arrastado na lama como pretensos autores de graves ilícitos criminais, para depois serem absolvidos de tais infamantes acusações? E qual foi a reacção do MP, e em particular da sua “tropa de elite”, o DCIAP, perante todos estes clamorosos dislates? Rigorosamente nenhuma, sem qualquer responsabilização, sem qualquer esboço de auto-crítica e sem qualquer pedido de desculpas, numa autêntica e democraticamente intolerável postura de fazer o que quer e não ter que prestar contas a ninguém!

Com as críticas (designadamente as internas, ferreamente ameaçadas e amordaçadas), com a completa inexistência de responsabilização, com a total ausência de prestação de contas e de balanços, era inevitável – pois poderes absolutos conduzem sempre a abusos absolutos – que o MP, sempre sob a sinistra lógica de que “os fins justificam os meios”, resvalasse para o uso dos meios alternativos, eticamente repugnantes e legalmente inadmissíveis. E, como se fosse a coisa mais natural do mundo, trata de escrever insidiosos e assassinos parágrafos em notas à imprensa, como o que forçou António Costa à demissão, bem como “contra-alegar”, por meio de comunicados à imprensa, despachos de juízes de instrução que se recusaram a fazer o mesmo papel de polícia e de justiceiro de Carlos Alexandre. 

A culminar tudo isto, procura ainda “vingar-se” da monumental derrota, e também da veemente denúncia das suas erradas posições feita no Acórdão da Relação de Lisboa do passado mês de Abril, proferido no processo “Influencer”, fazendo agora divulgar publicamente excertos (ou alegados excertos) de escutas que, embora não contenham qualquer vislumbre de indícios de crime, podem, todavia, servir para riscar a imagem do atingido e, sobretudo, passar para a opinião pública a ideia de que o MP teria, afinal, razão, pois se Costa não praticou aquilo que há uns meses lhe quiseram atribuir, terá feito outras coisas social ou politicamente criticáveis. Tal é levado a cabo passando despudoradamente à Imprensa as escutas às quais, ao fim de todos estes meses, se continua a proibir o acesso pelas defesas, procurando, por este ínvio e repugnante modo, justificar-se a farsa do inquérito em curso, sem prazo à vista para a sua conclusão e sem que o principal visado tenha sequer sido constituído arguido.

Em consonância com tudo isto, e apesar de o do Código de Processo Penal[6] punir clara e expressamente com o crime de desobediência simples a publicação, por qualquer meio, de quaisquer escutas realizadas no âmbito de um processo que se encontre em segredo de justiça (como o “Influencer”), obviamente que ao MP nunca ocorreu desencadear a acção penal contra a imprensa amiga que, depois de as receber das ditas “fontes próximas do processo”, procedeu à respectiva publicação…

5º A repetitiva desculpa da falta de meios

Sempre que são confrontados com mais um dos seus falhanços em matéria de recolha e produção de prova – coisa bem diversa de conjecturas ou de recortes das notícias de jornal que se fizeram publicar… – os dirigentes do MP logo tratam de invocar a falta de meios. A verdade, porém, é que, se efectivamente se verifica uma crónica carência dos meios necessários para o Estado cumprir adequadamente as suas tarefas e obrigações essenciais, essa carência também se verifica noutros sectores, como a Saúde, mas nunca ninguém se atreveu a invocá-la, muito menos sistematicamente, para tentar justificar a falta de assistência a um paciente em estado grave. E, por outro lado, quando se quer dar um espectáculo para as televisões e jornais, esses meios, afinal, já não faltam, como se vê pela mobilização de dezenas e até centenas de polícias, magistrados, automóveis e, agora, até aviões da Força Aérea… 

6.º Basta de arrogância e de irresponsabilidade

A única conclusão que se pode tirar de tudo o que se vem de referir – e que daqui se desafia o MP ou algum dos seus amigos a desmentir!… – é que, do ponto de vista da Liberdade e Democracia, é absolutamente inaceitável “o estado a que isto chegou”, tornando mesmo necessário que se faça um novo 25 de Abril para a Justiça!

E para todos aqueles que sempre invocam o já mais que estafado “argumento” de que aquilo que se pretende é atacar a autonomia do MP, senão mesmo destruir a instituição, para assim proteger corruptos e poderosos, convirá desde logo reafirmar e demonstrar, e sempre com argumentos sérios e com recurso a dados e factos objectivos, que a situação é, na verdade, gravíssima e intolerável. 

Mas também se impõe lembrar aos novos censores amigos do MP que, num acórdão recente[7], o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em (mais) uma decisão condenatória do Estado Português, declarou a ilicitude da sua actuação ao perseguir criminalmente um cidadão particularmente crítico do MP, consagrando explicitamente que os agentes do MP não estão, nem podem estar, acima da crítica e da censura, mesmo a mais viva, pois “são funcionários públicos, cuja função é contribuir para a boa administração da Justiça”, “fazem parte da máquina judiciária”, a qual, “numa sociedade democrática” não pode estar isenta de crítica. Em suma, “impõe-se também a esses funcionários um elevado grau de tolerância”. E de um mínimo de sentido autocrítico e até de vergonha, acrescentaria eu…"

[1] Art.º 202.º, n.º 1.

[2] Art.º 220.º n.º 2.

[3] Art.º 22.º, da Lei n.º 68/2019, de 27/08.

[4] No seu art.º 225, n.º 1 (actual art.º 219.º).

[5] Tal como actualmente sucede nos n.º 4 e 5 do art.º 219.º.

[6] Art.º 88º, n.º 4.

[7] Acórdão de 16/01/2024 (caso Victor Cardoso v. Portugal).

sexta-feira, 28 de junho de 2024

Trânsito, estacionamento e lugares deprimentes...

Há quem diga, e eu sei bem porque o dizem, que os munícipes são todos iguais.
Quem anda por aqui há 7 dezenas de anos, há muito que percebeu que não é bem assim.
Na Figueira, no que ao estacionamento diz respeito, não é bem assim - e em muitos lados. Por exemplo, um cidadão que queira assistir a uma reunião camarária ou da assembleia municipal, se for em transporte próprio e deixar o carro no parque junto à câmara, tem de pagar. E isso coloca, desde logo, um problema: é que nunca se sabe bem o tempo que essas reuniões demoram...
Os membros da câmara e da assembleia, porém, estão isentos desse pagamento. 
Para incentivar a participação cívica dos figueirenses na vida da sua cidade e do seu concelho, não haveria uma maneira de criar um protocolo para facilitar essa benesse aos cidadãos que pretendam participar ou assistir às reuniões de câmara ou da assembleia?
Claro que, eu, ingénuo como sou, não estou  sequer a admitir que isso possa não vir a acontecer por calculismo da outra parte. Isto é, daqueles que não estão interessados na participação democrática e cívica dos cidadãos figueirenses.  
Claro que não estou a dar ideias para tornar utilizável um espaço nobre como o da Praça da Europa, um espaço que depois de ter sido preterido para as festas pela Praça João Ataíde, não serve para nada.
Portanto, que fique bem claro: o melhor é não fazer nada à Praça da Europa
"Para melhor, está bem, está bem, para pior já basta assim".
FIca, porém, uma sugestão.
Para o ano, se assim o entenderem, recoloquem lá a Feira das Feguesias.
O casco velho da cidade e a zona ribeirinha agradeciam.
Pessoas para agradecer, é que já lá devem existir poucas.

Entretanto, existe tanto trabalho pela frente: por exemplo, acessos dignos às praias,  renovação das casas da habitação social, pintura de passadeiras, plantação de árvores e melhoria dos espaços verdes, ordenamento do caravanismo, construção de ciclovias urbanas, transortes urbanos e de ligação às freguesias, etc.
A Praça da Europa, um dos poucos locais na zona ribeirinha citadina que proporciona uma vista ampla para o rio, está bem como está. O local é demasiado valioso e importante para os figueirenses, que dispensa bem que alguém lhe faça o que fizeram ao local entre o Forte de Santa Catarina e a margem do rio.
Está tudo por fazer para repor a ligação da cidade ao rio.





«Parte da ribeirinha praça João Ataíde será ocupada para estacionamento grátis e sazonal, já a partir de julho e até ao fim de época balnear, podendo prolongar-se por mais tempo. O espaço terá capacidade para cerca de duas centenas de viaturas.
Contudo, ressalvou, ao DIÁRIO AS BEIRAS, o presidente da Câmara da Figueira da Foz, Santana Lopes, “a praça não será transformada num parque de estacionamento”.
“É uma praça magnífica, com imensa área, muito bem localizada, perto do centro da cidade, perto do Mercado [Municipal], perto da zona náutica e perto da marginal, mas está desaproveitada o ano todo. Às vezes, há a Feira das Freguesias e a passagem de ano. [O resto do ano] está vazia. Tem um café”, sustentou Santana Lopes.
“O seu a seu dono”, o autarca ressalvou que a ideia partiu da presidente da Junta de Buarcos e São Julião, Rosa Batista. “Estávamos a admitir outras possibilidades, e foi quando ela deu essa ideia”, revelou.
A área da praça dedicada ao estacionamento será utilizada para aquele efeito “até ao final do verão ou até quando for preciso”, afiançou Santana Lopes.»
Salvo melhor opinião e com todo o respeito e consideração por quem teve a ideia, a meu ver, o caminho não passará certamente por aqui.
Na Figueira, ao longo de décadas, os políticos não se cansaram de  encher o concelho de lugares deprimentes.

Em tempo.
O parque de estacionamento coberto, integrado no projecto de regeneração urbana da zona do Forte de Santa Catarina, foi inaugurado no verão de 2013: tem 130 lugares. Contudo, 10 + 5 + 19 estão permanentemente reservados!
É grátis e tem capacidade para 130 lugares. Contudo, a Administração do Porto da Figueira da Foz (APFF) foi um dos parceiros da Câmara da Figueira da Foz para o projecto global, financiado, em cerca de dois terços, por fundos europeus. 
A administração portuária, proprietária do terreno, ficou com 10 lugares. Por sua vez, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a Polícia Marítima (PM) celebraram protocolos com a autarquia, ao abrigo dos quais a primeira força de segurança tem direito a cinco lugares e a segunda a 19.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Espuma dos dias… sobre a Europa em tempo de eleições

“A Alemanha na Europa 2024 – Da hegemonia relutante ao vazio político”

«Hoje, perante a indiferença, o conformismo e a complacência, e em muitos casos a promoção nazi-fascista, por parte dos grandes e pequenos poderes políticos e de uma boa porção da sociedade civil, interrogo-me:

ao fazer algum tipo de analogia entre a criação deste transe coletivo, quase irracional, que se está a viver e que se vê crescer de forma assustadora, e o transe colectivo que levou Hitler ao poder, não estará a Europa a ser como o pobre animal deste quadro, que cegamente e ingenuamente julga caminhar em direção à luz quando, na verdade, caminha para a morte?” (período por mim adaptado, partindo de um texto de Adão Cruz)

 

Não se pense porém que o problema que atravessamos resulta da má política do país A ou B ou C, não é isso, o problema fulcral é o modelo neoliberal que estrutura toda a Europa e desde há décadas. A União Europeia está toda ela como está, ou seja, em franca decomposição, e o texto de Tooze reflete essa mesma realidade crua e dura. Olhando para fora da União Europeia, vejamos  o que nos diz um importante Conservador britânico, Victor Hill, sobre o que se na passa no Reino Unido:

Há poucas hipóteses de os serviços públicos britânicos melhorarem consideravelmente até ao final do outono. As listas de espera do Serviço Nacional de Saúde (NHS) continuam a ser de quase 7,5 milhões de pessoas; e a polícia foi aconselhada a não prender criminosos porque as nossas prisões estão literalmente cheias. Prevalece uma sensação de deriva e de declínio, com poucas expectativas de que um governo trabalhista seja capaz de inverter a situação. De facto, há muitos indícios de que o povo  britânico não está particularmente encantado com o Partido Trabalhista de Sir Keir Starmer, enquanto despreza os Conservadores. Em termos eleitorais, é o oposto do MasterChef. Os eleitores são convidados a provar não o prato mais delicioso da ementa, mas o menos revoltante. (Victor HillAs eleições gerais no Reino Unido foram muito mal planeadas , 31 de maio de  2024)

Se adicionarmos  aos problemas resultantes de um modelo (des)estruturante, o modelo provadamente falhado da União Europeia e desde há décadas, a incompetência que grassa por todos os escalões profissionais e políticos de qualquer um dos países na Europa, a começar por Portugal, percebemos que a situação está a ficar explosiva. O caricato é-me dado hoje por um canal televisivo, questionando Bugalho quanto à sua ambição de querer ser ou não, primeiro-ministro no futuro. A lembrar Kafka, o seu conto que, salvo erro, se chama O homem do leme. Até onde descemos na espiral da ignorância e da estupidez em que até se coloca a hipótese de alguém que tendo o paleio de um fala-barato ou de um troca-tintas possa, por isso mesmo, chegar a primeiro-ministro!» 

Júlio Mota