terça-feira, 19 de março de 2024

Coisas muito pouco focadas...

Imagem sacada daqui

Ventura perde um vereador a cada três meses

"O Chega elegeu pelo menos 48 deputados para a Assembleia da República nas legislativas da semana passada. Mas, fazendo as contas ao cenário que resultou das eleições autárquicas de 2021, o partido já perdeu quase metade dos vereadores eleitos, a uma média de um a cada três meses, além de dezenas de deputados municipais, noticia o Jornal de Notícias esta segunda-feira.

O resultado eleitoral de 2021 deu ao Chega 173 representantes nas assembleias municipais e 205 nas assembleias de freguesia. Os deputados acabam por ficar, mas como independentes, desvinculando-se do partido.

Alguns dos vereadores dissidentes saíram em rutura com André Ventura e um queixou-se de preconceito xenófobo. Mas o Chega apresenta versões diferentes, alegando que retirou a confiança política a alguns deles por viabilizarem orçamentos do PS ou do PCP. Noutros casos, o Chega argumenta que os vereadores não cumpriram outras diretrizes."

A ligeireza de Sua Excelência o Presidente da República não pára de surpreender...

Dia do Pai


 
"Como tem repetidamente afirmado, o Presidente da República não comenta declarações de partidos políticos nem notícias de jornais."

Nota de rodapé.

«a) Excepto no Governo da 'Geringonça'

b) Excepto no Governo da maioria absoluta do Partido Socialista.»

Idalécio Cação, um Homem de Abril, vai ser lembrado em Moinhos da Gândara

Via Diário as Beiras

Nota:

"Quer ter mais tempo para dedicar, sobretudo, aos netos"...

 Via Diário as Beiras


Miragem que se adensa

 Partido de Interesse
"Em Zona de Interesse a páginas tantas assistimos a uma conversa entre Hedwig Hoess [Sandra Hüller], a esposa de Rudolf Höss, director do campo de extremínio, e a mãe, Eleanor Phol [Freya Kreutzkam], onde a segunda comenta que fazia limpezas na casa de uma judia que agora devia estar no outro lado do muro, dentro do campo, e a raiva que teve em não conseguir ficar com as suas lindas cortinas quando a senhora foi deportada. Lá para o final do filme Hedwig recusa abandonar a "qualidade de vida" que tem paredes meias com o campo, numa casa onde chove cinza e se ouve o metralhar das armas e os gritos de sofrimento vindos do outro, com as noites iluminadas a chamas das piras crematórias antes dos fornos terem sido adoptados na "solução final", por causa da transferência do marido Rudolf Höss [Christian Friedel], e quando no início da película já tínhamos sido apresentados a um chá entre as mulheres dos SS destacados onde o tema de conversa eram as roupas e as peles que recebiam da triagem feita a quem a seguir acabava gaseada. E ficámos todos a perceber que aquela "nova elite" que ia purificar a nova Alemanha afinal não passava de escumalha sem cultura, sem maneiras, sem educação, sem ética, ressabiada com as suas origens e que agora se apanhava com poder.

Não vamos a caminho do extermínio de uma raça ou etnia, apesar de vontade não faltar a alguns, mas é inevitável a analogia com um partido pejado de delinquentes - todos os dias notícias de deputados, velhos e novos, a contas com a justiça, que quando a maioria dos eleitos - autarquias, regiões autónomas, Parlamento, abre a boca ou entra mosca ou sai merda, e ainda assim os melhorzinhos com nítidas dificuldades de interpretação e iliteracia - vide participação em comissões parlamentares na última legislatura, com um léxico miserável, ressabiados com uma alegada elite política e cultural que lhes tapa a progressão social e que vêem na nova agremiação um veiculo para ascenderem socialmente. "Agora é que vão ver", devem pensar."
(Imagem de autor desconhecido)

segunda-feira, 18 de março de 2024

Costa de Lavos: erosão costeira

Via SOS/Cabedelo

O malabarismo de André Ventura à saída de Belém

Marcelo Rebelo de Sousa recebeu esta segunda-feira André Ventura
MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
Hoje André Ventura foi a Belém. Como tinha alertado ontem, convinha estar atento: no final da reunião, em declarações aos jornalistas, André Ventura afirmou que Marcelo "desmentiu cabalmente" que tenha manifestado intenção de travar a entrada do Chega no Governo, após uma audiência em Belém. 
Porém, o que estava no Expresso e Ventura não disse, era o seguinte: "Marcelo fará como fez com António Costa. Se a AD perder mas houver uma maioria de direita no Parlamento, o Presidente não aceitará um primeiro-ministro de substituição de Luis Montenegro para um eventual Governo com o Chega."
Portanto, o que está em cima da mesa é a rejeição de Marcelo a uma  ‘solução Centeno’ da AD. 
Ventura disse ainda ter transmitido ao presidente que "não há ainda acordo" ou "entendimento" com a AD que garanta estabilidade para quatro anos.

Golpe de Estado

Por José Goulão, jornalista português, iniciou a actividade em A Capital, em 1974, e trabalhou em o diário, no Semanário Económico e na revista Vida Mundial, de cuja última série foi diretor. Foi também diretor de comunicação do Sporting Clube de Portugal.
Actualmente é diretor do semanário digital de informação internacional O Lado OcultoFez carreira na área de política internacional.
"Não é hora de rodriguinhos, de tiradas politicamente correctas, de hipérboles linguísticas, de palavras mansasO que aconteceu durante os últimos meses teve um desenvolvimento dramático no domingo 10 de Março, e consumou um golpe de Estado; abrem-se problemas e situações ainda mais nefastas para o povo português. Um golpe de Estado não acontece apenas quando esbirros de um qualquer Pinochet, movidos pelos fascistas do neoliberalismo económico, instauram um regime político militarizado para que um país e o seu povo sejam despojados de vidas, bens e direitos. Golpe de Estado é também aquilo que está a acontecer em Portugal desde 2022, através de interferências desnecessárias no chamado «regime democrático»."

A "revolta" do Bom Sucesso...

Nas eleições legislativas de 10 de Março passado, o Bom Sucesso foi a única freguesia da Figueira da Foz onde o partido de André Ventura ganhou.
O Chega obteve 301 votos (30.04%), o PS 290 votos (28.94%) e a AD 241 votos (24.05%).
O Diário as Beiras foi ouvir o actual presidente da junta, Carlos Batata e o seu antecessor David Azenha para tentar perceber o "fenónemo"
"Ambos convergiram que se tratou de um voto de indignação."

O actual presidente da Junta do Bom Sucesso, Carlos Batata, cumpre o segundo mandato. No primeiro, tinha concorrido como independente. Neste segundo, o actual, foi candidato pelo PS. Por sua vez, David Azenha foi presidente da Junta de Bom Sucesso durante dois mandatos e tesoureiro num exercício autárquico, sempre pelo PSD, partido de que foi dirigente local. Actualmente, é deputado municipal, eleito pelo movimento independente Figueira A Primeira (FAP), cargo que também já desempenhou pelo PSD.

Segundo o Diário as Beiras, para ambos tratou-se de um voto de indignação. Para eles, “esta vitória fica a dever-se aos grandes partidos, o PS e o PSD, e às suas asneiras. Eles é que têm governado o país nos últimos 50 anos”, sustentou Carlos Batata. “Sinto indignação nas pessoas da freguesia”, acrescentou. “Pelo que tenho falado com as pessoas, após as eleições, concluo que não foi um voto para continuar, foi um grito de revolta. O grito que senti é que se continua a dar muitos apoios a quem pouco ou nada faz e nada a quem trabalha, e esta é uma terra onde se trabalha de manhã à noite, no emprego e na agricultura”, argumentou, por sua vez, David Azenha.

Portanto: ao longo de 50 anos, no Bom Sucesso, os eleitores escolheram sempre o PS e o PSD para os governarem, mesmo nas eleições autárquicas. Foram eles, os políticos do PS e do PSD, incluindo os autarcas, que fizeram "as asneiras". Todavia, continuando a citar o Diário as Beiras, «tanto Carlos Batata como David Azenha, mostrando-se ambos surpreendidos com a dimensão do “voto de indignação” dos seus conterrâneos, conjeturam que o Chega não deverá obter o mesmo resultado nas eleições autárquicas de 2025. Isto porque, sustentam, neste acto eleitoral, vota-se mais em pessoas do que quem em forças políticas.»
Isso quer dizer que os eleitores, no futuro, vão continuar a escolher autarcas que sempre concorreram pelo PS e pelo PSD "os partidos que durante 50 anos fizeram as asneiras"?
Ou há outra alternativa?
Será que ss antigos autarcas autarcas do PS e do PSD, indignados com "a degradação dos serviços de saúde na freguesia", estão dispostos a concorrer pelo Chega?.. 
Aí, sim, estaria garantida a "mudança"...

Isto é assustador: citando Helder Macedo, cidadão empenhado, também professor universitário, ensaísta (é um dos grandes especialistas em Camões), romancista e cronista, "quando se muda o voto para o Chega, assume-se um suicídio das ideologias. É uma base de descontentamento que não está a ser canalizada para uma construção, seja ela utópica ou de outra natureza. É uma desistência da cidadania."
André Ventura usa uma linguagem de religião para destruir e não para construir. É quase um desejo de fim do mundo. Em qualquer construção, temos de ter atenção aos andaimes: "o ressentimento é, de facto, o pior sentimento que uma pessoa pode ter. É muito limitador, uma espécie de cancro mental e emocional. No campo sociológico e político, vejo esse ressentimento na frustração, na sensação de possibilidades não preenchidas. São carências que deixaram de ser transformadas em vontade de mudança."

Nuno Júdice (1949-2024), poeta de um eterno retorno e um homem da palavra

Nuno Júdice morreu ontem, vítima de cancro. A notícia foi confirmada ao PÚBLICO por fonte próxima da família. O poeta – que foi também ensaísta, romancista e praticou uma multiplicidade de géneros literários, para além de ter sido professor universitário e, desde há alguns anos, director da revista Colóquio/Letras – nasceu em 1949, em Mexilhoeira Grande, Portimão, no Algarve.
Com a sua morte aos 74 anos desaparece um dos poetas portugueses que mais refletiu sobre os limites da própria poesia.
Segundo as suas palavras, o volume com que, em 1972, inaugurou o seu longo catálogo foi o começo de um livro «contínuo»
"Domingo no campo", é um poema que publicou aqui
Aos domingos, quando os sinos tocam
de manhã, o que neles se toca é a manhã,
e todas as manhãs que nessa manhã
se juntam, com os dias da infância que
nunca mais acabavam, as casas da aldeia
de portas abertas para quem passava,
as ruas de terra batida onde as carroças
traziam as coisas do campo, os cães que
corriam atrás delas, uma crença no sol
que parecia ter expulso todas as nuvens
do céu, e a eternidade desses domingos
que ficaram na memória, com o ressoar
dos sinos pelos campos para que todos
soubessem que era domingo, e não havia
domingo sem os sinos tocarem a lembrar,
a cada badalada, que os domingos não
são eternos, e que é preciso viver cada
domingo como se fosse o primeiro, para
que o toque dos sinos não dobre por
quem não sabe que é domingo.

Nuno Júdice

domingo, 17 de março de 2024

Amanhâ Ventura vai a Belém. Convém estar atento...

Na sequência das eleições para a Assembleia da República realizadas a 10 de Março passado, o Presidente da República está a ouvir, desde a passada terça-feira, os partidos políticos e coligações que nela estarão representados, tendo em conta os resultados provisórios anunciados pelo Ministério da Administração Interna.
Marcelo Rebelo de Sousa começou por receber o PAN, seguiu-se o Livre (quarta-feira), CDU (quinta-feira), Bloco de Esquerda (sexta-feira), Iniciativa Liberal (sábado), Chega (segunda-feira), PS (terça-feira, dia 19) e Aliança Democrática (quarta-feira, dia 20).
Amanhã vai ser um dia curioso para Ventura.
Vai ser interessante estar atento. 
Se Ventura engolir em seco este acto de Marcelo na audiência de amanhã, será o sinal (mais um) do óbvio: André Ventura já começou a fazer parte do sistema, que diz querer continuar a combater.
Se assim acontecer, será uma traição (mais uma) ao seu eleitorado...

Os (neo) tachos...

“Portugal precisa de uma limpeza” e o apelo ao fim dos “tachos”, são slogans frequentes na campanha para limpar Portugal do Chega. 
No entanto, segundo a Sábado, o partido de André Ventura também tem um historial de contratar membros do partido para cargos municipais ou no Parlamento: "o Chega contrata desde 2022 jotas e candidatos autárquicos para assessoria na AR e em municípios"
Uma fonte parlamentar do Chega não comenta nenhum dos casos em específico, mas garante que as “orientações nacionais são para que as contratações sejam feitas pelo mérito e pela capacidade de trabalho”
Portanto, no Chega nada de "boys and girls"
Só existem "contratações devido ao mérito e à capacidade de trabalho”.

Será que o Chega é um bando de estultos armados em espertos, chefiados por um esperto armado em estulto, ou será um bando de espertos chefiado por um esperto, que nos quer fazer passar por estultos a todos?

sábado, 16 de março de 2024

Nada acontece por acaso...

 Pacheco Pereira no jornal Público

(..)«A politização do jornalismo nem sempre é resultado da volição política do jornalista; pode ser um efeito do rebanho ou da alcateia, mas é hoje tão comum que ninguém diz “Pára aí” ou “O rei vai nu”. A profunda identidade entre os relatos jornalísticos e a agenda da direita foi evidente quanto à “crise dos serviços públicos”. Significa que houve “crise”? Sem dúvida, mas teve o alcance dramático com que se relatou? Não. Usaram-se muitas vezes casos pontuais para “alimentar”, dia após dia, a ideia da “crise”? Sim. As estatísticas mais sérias e sólidas confirmavam a agudeza da “crise”? Não. Esteve sempre presente a ideia às claras ou subliminar de que a “crise” se devia à “ideologia estatista” contra os privados? Claro que esteve, é aí que os jornalistas politizados saem do seu casulo matinal para disseminar as suas posições políticas como comentadores e que, se fosse num país anglo-saxónico, se identificariam como apoiantes de A ou B, para que o que dizem trouxesse a tão falada transparência. E muitos dados pertinentes, como seja a comparação entre os tempos de espera dos hospitais privados e os públicos, nunca tiveram nenhum papel na “informação”...»

O 25 de Abril começou começou faz hoje 50 anos nas Caldas da Rainha

O golpe falhado das Caldas, um passo importante para a queda da ditadura, aconteceu faz hoje 50 anos. O Jornal Público recorda hoje, que o "25 de Abril começou nas Caldas da Rainha. Na madrugada de 16 de Março de 1974 uma coluna militar saía do Regimento de Infantaria 5, nas Caldas da Rainha, e marchava sobre Lisboa para fazer um 25 de Abril 40 dias antes do tempo. Perto de Sacavém recebe ordens para regressar. Lamego, Santarém, Mafra e Vendas Novas não chegaram a sublevar-se como estava previsto e os militares rebeldes, que julgavam estar atrasados, descobrem que estavam sozinhos. Nas Caldas são cercados por tropas supostamente fiéis ao regime e rendem-se ao fim da tarde."

Fica o video da última «Conversa em Família» de Marcelo Caetano, que aconteceu em 22 de Março. Foi assim que Marcelo Caetano se referiu ao golpe das Caldas: 

Cães que ladram muito à porta de casa, mas…

"
A notícia do dia em termos internacionais é a reunião de um trio europeu constituído pelo presidente francês e os primeiros ministros da Alemanha e da Polónia para discutirem a ajuda europeia à Ucrânia para esta vencer a Rússia. A História não ensina a decidir o presente, mas pode acontecer que existam antecedentes que aconselhem cautelas. As mais fortes tentativas da Europa Ocidental ir desafiar o urso russo à sua toca foram as de Napoleão em pessoa, no século 19 e a de Hitler, através do seu marechal de campo Ernest Paulus repetirem o desastre no século 20. Napoleão, o grandioso derrotado, repousa nos Invalides, em Paris, Paulus, o triste derrotado alemão, que se rendeu e depois foi julgado em Nuremberga acabou por morrer em casa e está sepultado em Baden Baden.
Nem Macron, nem Schulz, nem Trusk são cromos repetidos. Nem querem atacar a Rússia. A Rússia e o apoio à Ucrânia para a guerra de desgaste da Rússia são apenas pretextos para cada um dos membros do trio jogar os seus interesses. A França quer disputar com a Alemanha o papel de potência líder na Europa, um papel que os Estados Unidos, o mestre do jogo, atribuiu à Alemanha e que esta, queira ou não, tem de representar. A Polónia conhece a fraqueza da França – sempre magnificamente derrotada -, que na Segunda Guerra foi incapaz de cumprir o compromisso de defender a Polónia em caso de ataque alemão. A Polónia conhece o interesse da Alemanha pelo domínio do seu território e da sua economia, e tenta compensar o apetite alemão com a França e, fundamentalmente, com o apoio dos EUA. 
Os milhões de euros e os milhões de munições para a Ucrânia são fichas lançadas para a roleta em que a França e a Alemanha estão a jogar. Sendo certo que o dono do casino são os EUA. O palavreado agressivo contra Putin e as eleições que os órgãos de propaganda utilizam são reveladores da fraqueza dos jogadores. A Europa está a dar muito mais importância à Rússia do que esta dá à Europa, que para a Rússia deixou de contar. Em resumo, a Europa está reduzida ao papel dos cães que ladram muito à porta de casa e fogem mal são ameaçados. 
Quanto aos cidadãos europeus, vão pagar munições que um dia lhes podem cair sobre a cabeça. Para já, têm conseguido enviar as suas máquinas de guerra para serem transformadas em sucata na Ucrânia… O trio dos ponta de lança da Europa quer passar a uma fase seguinte, lutando entre si, fingindo que estão a lutar contra a Rússia… É um número arriscado para os cidadãos europeus. Os três dirigentes europeus são representantes de três grandes derrotados… Estão como a cavalaria polaca a atacar blindados com uma carga a cavalo de sabre desembainhado…"

sexta-feira, 15 de março de 2024

E agora, Sr. Presidente?

Neste conturbado tempo que vivemos, em Portugal, na Europa e no Mundo, Miguel Sousa Tavares é dos raros com acesso à comunicação social de larga difusão, que tem a coragem de ser claro e objectivoNo texto publicado hoje no Expresso sublinha o papel de Marcelo Rebelo de Sousa, no derrube do Governo de António Costa e na consequente ascensão meteórica da extrema-direita. 
"E agora, Sr. Presidente, como é que nos tira desta embrulhada onde nos meteu? Como aqui escrevi há duas semanas, o rol de promessas eleitorais, associado à conjuntura internacional, torna Portugal ingovernável: ou porque não serão cumpridas e serão então cobradas nas ruas e nos serviços públicos, ou porque serão cumpridas e nos levarão à falência.

E agora, Sr. Presidente?

Como era mais do que previsível, acordámos segunda-feira com um país ingovernável. Era previsível para qualquer um, mas especialmente para alguém como Marcelo Rebelo de Sousa, que passou uma vida inteira a acumular fama e proveito como imbatível leitor e construtor de cenários políticos, capaz de ler nos astros o que o comum dos mortais ainda não tinha descortinado na parede em frente. Deixemo-nos, pois, de meias-palavras: Marcelo não tem desculpa. Estamos como estamos porque ele assim o quis.

No “Público”, e na esteira de vários outros, Manuel Carvalho escreveu que “o prenúncio desta degradante democracia liberal estava à vista quando uma maioria se extinguiu à luz dos indícios de corrupção”, pelo que “Marcelo fez o que a sua consciência lhe ditava e que o grosso da opinião publicada lhe exigia”. Pois, o problema é que o grosso da opi­nião publicada tomou por indícios de corrupção o que não leu com atenção ou não percebeu, e, no mais, um Presidente deve guiar-se por aquilo que, em cada momento, quer a opinião pública, e não a opinião publicada. Até porque, em contrário, há quem diga mesmo que foi Marcelo quem sugeriu a Lucília Gago que introduzisse no comunicado da Procuradoria-Geral da República o tal parágrafo que ambos sabiam que levaria à imediata demissão de António Costa. Eu não acompanho essa teoria da conspiração ou do maquiavelismo, mas continuo a perguntar-me o que se terá passado na conversa entre o Presidente e a procuradora-geral que antecedeu a demissão do primeiro-ministro: terá Marcelo exigido saber, como lhe competia, o que havia de sólido nas suspeitas em relação a António Costa? E, em face disso — que era nada, como concluiu o juiz de instrução —, conformou-se com a execução pública do PM às mãos da PGR e com a sua demissão? Isto feito, e mal feito, com que legitimidade constitucional optou por recusar o nome indicado por António Costa para lhe suceder na chefia do Governo ou, em alternativa, pedir ao PS que indicasse um nome, como se faz em todas as democracias normais? Quem disse a Marcelo que em 2022 os portugueses tinham votado apenas em António Costa, e não também no PS, e que, se por qualquer razão ele não terminasse o seu mandato, preferiam eleições antecipadas e desembocar na situação que temos agora? A que deve ele obediência: às suas inclinações partidárias, às suas interpretações políticas ou às regras da Constituição da República? E, já agora, para que lhe serviu a opinião de um Conselho de Estado rigorosamente dividido a meio sobre o caminho a seguir? Apenas para o desprestígio acrescido de ver dois dos conselheiros, por si nomeados e ligados à AD, votarem pela convocação de eleições e depois aparecerem a fazer campanha eleitoral pela mesma AD…

E agora, Sr. Presidente?

Não, Marcelo não tem desculpa. Trata-se de alguém que passou anos a defender o valor da estabilidade e da previsibilidade dos mandatos levados até ao fim. Que, nos últimos dois anos, disse e repetiu que nada poderia pôr em causa o ritmo de execução do PRR — a última grande oportunidade de financiar o desenvolvimento do país com dinheiros europeus —, chegando a dizer a uma ministra que não lhe perdoaria um só dia de atraso. E, afinal, manda tudo ao charco em duas penadas e cavalgando uma insustentável ficção processual do Ministério Público relativamente ao PM — que, isso sim, devia preocupá-lo, e muito. Interrompe uma governação antes ainda do meio do seu termo, paralisa o país durante meses, lançando o alerta em Bruxelas, e dá-se ao luxo de deitar borda fora aquilo que qualquer país europeu hoje mais preza: uma maioria absoluta de um partido dentro do sistema democrático. Hoje podíamos ter à frente do Governo alguém como Mário Centeno, o nome que António Costa levou a Marcelo e que este recusou: alguém que nem sequer era filiado no PS, que conhecia o Governo e as finanças, que tinha provas dadas aqui, conhecimento e prestígio lá fora. O país não teria parado, o PRR e os principais dossiês não estariam paralisados e, sobretudo, aqueles que ainda se esforçam por acreditar num futuro para Portugal não experimentariam mais uma vez a decepção de ver a vida a andar para trás, a sua e a de Portugal, porque lá em cima se anda a brincar com coisas sérias para satisfação de protagonismos ou de impulsos infantis.

Mas não é apenas a instabilidade governativa que eu não perdoo a Marcelo. Mais ainda do que isso, o que não lhe perdoo é ter soltado a besta presa na cave, a besta da demagogia: o Chega. Por mais análises que me forneçam sobre as razões sociológicas e políticas do milhão e cem mil votos do Chega, algumas certamente pertinentes, há uma que desde logo o justifica: a compra de votos. O Chega comprou votos, comprou muitos votos, e comprou-os com uma campanha de demagogia despudorada e irresponsável. Contem-nos: nas forças policiais e respectivas famílias são 100 mil; nos reformados, a quem prometeu, pelo menos, uma pensão equivalente ao salário mínimo, mesmo para quem não contribuiu, serão uns 300 mil; nos professores, a quem prometeu tudo o que reclamam, dos 120 mil terão cativado uns 30 mil; nos agricultores outro tanto, e por aí fora, tudo junto somando metade do milhão e cem mil votos de André Ventura. Num país onde tantos se habituaram a exigir tudo do Estado e tão poucos se perguntam quem e como pagará, o discurso de Ventura está condenado ao sucesso, muito mais do que o racismo, a xenofobia, o autoritarismo e tudo o resto a que, por preguiça, gostam de o reduzir. O sucesso eleitoral de André Ventura chama-se demagogia à solta, e o pior de tudo é que, por competição e por sobrevivência, ele contagiou em larga medida todos os outros. Como aqui escrevi há duas semanas, o rol de promessas eleitorais, associado à conjuntura internacional, torna Portugal ingovernável: ou porque não serão cumpridas e serão então cobradas nas ruas e nos serviços públicos, ou porque serão cumpridas e nos levarão à falência.

Quando recusou a solução de estabilidade governativa que o país esperava e que ele próprio tinha apregoado durante tanto tempo, preferindo antes lançar o país numa aventura eleitoral desnecessária e de efeito previsível, Marcelo sabia ao que ia. Mas não se conteve, porque há muito que ele ia dando sinais de incontinência, aliás com ameaças explícitas. E não venham cá com o desgaste dos “casos e casinhos”, porque no mais grave deles — o caso Galamba, onde Marcelo entrou em choque frontal com o PM, exigindo publicamente a demissão do ministro — ainda estou para perceber qual é a responsabilidade de um ministro que demite um assessor que se recusou a entregar uns documentos exigidos por uma Comissão Parlamentar de Inquérito e depois, sem mais qualquer intervenção da sua parte, vê o assessor invadir à força o gabinete, roubar o computador de serviço e levá-lo para casa, só o devolvendo a um agente do SIS e por intervenção de outro membro do Governo. Mas, ainda que a razão fosse os “casos e casinhos”, a renovação do Governo com a indigitação de outro PM, e exterior ao PS, esvaziava o argumento.

Não, a verdade é outra: o cargo deve ser profundamente aborrecido para quem gosta de viver a vida. O primeiro mandato presidencial acredito até que possa ser estimulante e apelativo: andar por aí a conhecer o país e as pessoas, dar beijos e abraços, ser recebido com a despreocupação de quem só pode prometer o bem e não fazer o mal, viajar lá fora e conhecer os grandes do mundo, escutar o hino com a herança de quase nove séculos às costas. Mas, isto passado, o segundo mandato é mais do mesmo e, sendo o tédio mau conselheiro, a tendência para a asneira torna-se inevitável. Mas nenhum resiste à tentação do segundo mandato, nem mesmo alguém como Mário Soares, que tinha tão mais vida do que aquela que cabia nas paredes de Belém. No primeiro mandato vimos o melhor de Marcelo, um contagian­te suspiro de alívio depois dos anos de chumbo da majestade cavaquista; no segundo, estamos a assistir ao seu pior, à facilidade com que os grandes princípios degeneram numa absoluta vacuidade. Prejudicial ao país. Mas, enquanto o tempo não passa e isto não tem fim, fica a pergunta a que só ele tem obrigação de responder: e agora, Sr. Presidente, como é que nos tira desta embrulhada onde nos meteu? Dia 15 de Março, sexta-feira, cinco dias depois do acto eleitoral, ainda nem sequer sabemos quem ganhou as eleições e se quem ganhou quer mesmo governar."