"Tem-se falado muito, ultimamente, de sociedades secretas. Cooptam, as ditas cujas, toda a gente sabe. Mas se ainda fosse só a Maçonaria e a Opus Dei...
Segundo reza a constituição, Portugal é uma república. Mas como a constituição, por estas bandas, é essencialmente decorativa, para inglês ver, isso não significa nada. Depreende-se que é uma república porque não tem rei, soberano coroado, titular em exercício dinástico. E, no entanto, se é verdade que, em rigor, Portugal não é uma “mon-arquia”, porque não é governada por “um” rei, não é menos verdade que é uma “poli-arquia”, ou seja, é “governado” por “muitos” - reizinhos, é claro. Reis no diminutivo. Temos, assim, uma república sui generis: Uma república infestada de reis diminutos. Num certo sentido, uma república feudal; um território fraccionado, escaqueirado, numa mirídade de pequenos reinos ou feudos, um condómino fechado, hermético, com múltiplos inquilinos régios. Mas isto a todos os níveis. Não é só o próprio presidente da putativa República portuguesa que está convencido que é a rainha de Inglaterra, ou o pândego da Madeira que se julga majestade insular, ou os presidentes de Conselho de Administração das empresas estatais e outras que estão convencidos de que foram divinamente investidos, ou os presidentes das Câmaras e dos clubes de futebol que se sentem entronizados. Não; é mais vasto, é mais grave, vem por aí abaixo, alastra em todas as direcções e sentidos; rodopia, turbilhoneia, exorbita. É endémico e epidémico. A realeza desfila por todo o lado, ubíqua, ungida, eleita ou meramente ejaculada. Dá-se um pontapé numa pedra e salta de lá uma dinastia completa, com planos magistrais, babélicos, para a reestruturaçãoção do universo e arredores; com teorias mirabolantes acerca de tudo e mais alguma coisa, mas especialmente sobre as conspirações da arbitragem e o penteado dos futebolistas. Já não falando nas respectivas cortes, sempre numerosas, famintas, sabujabundas, a reptar viscosamente em redor. Quais toupeiras invertebradas a cheirar a migalha, a sobra, o espólio... Porque, como é óbvio, cada rei nunca se contenta em ser só rei: quer ser imperador de outros reis, ambiciona expandir-se, contrair vassalos. Em suma: é um beija-mão, um beija-pé, um beija-cu compulsivo e generalizado. Onde menos se espera, lá estão meia dúzia de prostrados a velar a majestade impante e a inalar o chulé que desliza em ascenção ao trono. E são aos milhares os snobes, escudeiros e patos bravos, é toda uma nova-nobilarquia apócrifa, anódina e chunga, mas poderosa, ubíqua, que, se não leva o rei na cabeça, transporta-o de certeza na barriga. Quer dizer, tanto levam a vaidade estampada nos chifres, como, em gestação, na pança. E com que basófia jactam o bandulho proeminente!...
Se não acreditais, julgais que zombo, então espreitai na RTP, na RDP, na TAP, nos CTT, na CML, e em múltiplos outros ninhos da mesma espécie...São pais, mães, filhos, sobrinhos, primos, amigos, afilhados, noras, cães, gatos, piriquitos, canários, piolhos púbicos, são linhagens rascas em réplica subalterna, mas multiplicada, de linhagens snobes; são estirpes rafeiras à sombra de pedigrees olímpicos. Se os de cima entram pela porta da frente, pela passadeira aveludada da maçonaria, da opus dei, da opus gay, do raio que os parta, os de baixo enfiam-se de roldão pela porta do cavalo, à boleia de tios e padrinhos, de pais e avós, mas sempre por hemodiálise social. Quer dizer, por cooptação sanguínea, como membros dilectos mais que duma sociedade, dum pequeno reino ou feudo secreto. E, para mais, à boa maneira dos Bourbons e quejandos, todos eles, os de cima mas sobretudo os de baixo, casam uns com os outros, procriam empresarialmente, entregam-se à endogamia organogrâmica.
É de arrepiar, pois é: O cabrão do país está entregue a uma estirpe retorcida e metastizada de feudalismo esotérico. Deus nos acuda!"