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segunda-feira, 1 de maio de 2023

As obras na linha costeira da Figueira da Foz criaram um desequilíbrio brutal na costa

Hoje, no Jornal Público
Erosão costeira na Figueira da Foz: “O mar trabalha todos os dias e nunca se cansa”.

A propósito, recorde-se uma postagem OUTRA MARGEM, de 11 DE ABRIL DE 2008, antes do acrescento dos 400 metros do molhe norte:
Mas, será que alguém sabe, porque estudou, as REPERCUSSÕES QUE MAIS 400 METROS NO MOLHE NORTE terão na zona costeira na margem a sul do Mondego?

Esta pergunta, colocada antes do início da obra, foi ignorada por quem tinha o poder de decisão. A obra foi, na altura, apoiada pela Câmara Municipal da Figueira da Foz e pela Junta e Assembleia de Freguesia de S. Pedro. Há 15 anos estava tudo de acordo. 
O Kilas, o mau da fita, era o António Agostinho: foi caluniado, foi perseguido (até porrada lhe prometeram), foi isolado. Valeu-lhe, como ainda hoje, o grande ego e saber que a razão estava do seu lado. Como, infelizmente, se está a comprovar.
Contudo, esteve sempre bem acompanhado. 
O seu Amigo Manuel Luís Pata, fartava-se de lhe dizer: "há muita gente que fala e escreve sobre o mar, sem nunca ter pisado o convés de um navio".
Passados 15 anos os desperdícios de recursos financeiros, os resultados estão à vista de todos no Quinto Molhe, Costa e Lavos, Leirosa e mais além...
Como afirma Miguel Figueira na edição de hoje do Público, «a última reposição de areias, trazidas do zona do porto, terminou “há um mês” (e aponta para um enorme buraco na zona mais próxima do local onde os banhistas solitários se instalaram). E acrescenta: “Já está a ser completamente comida. Este buraco não existia, já está aberto. A duna está fragilizada e acabamos de gastar aqui um milhão de euros.”»
Como muitos também me recordo que  “quando éramos miúdos, descíamos as dunas a sul do Quinto Molhe com pranchas, pois isto era uma coisa colossal”. Agora, esse monstro de areia é só uma memória. Ali em frente, estão sacos enormes de sedimentos colocados na base do que resta da duna, que a APA instalou no local há alguns anos, na tentativa de reter parte da areia que tem sido reposta, pontualmente, no local. Sobre a duna há um tubo, que serve para transportar areia para ali, alimentando artificialmente a costa.

A APA continua a desvalorizar a avaliação de Miguel Figueira. Primeiro, garante em resposta escrita ao PÚBLICO, «a intervenção naquela zona não está concluída — foram depositados 45 mil metros cúbicos (m3) de areia e faltam ainda outros 55 mil m3, ou seja, só foi concluída 45% da operação prevista e a restante, se a agitação marítima deixar, deverá ser concluída até ao final do mês.
Quanto aos danos visíveis indica: “A APA e o empreiteiro estão a monitorizar a evolução da intervenção, estando a decorrer como esperado. Este tipo de intervenções de alimentação artificial tem normalmente associadas perdas iniciais de curto prazo associadas aos fenómenos de reajuste do perfil (até atingir o perfil de equilíbrio) e compactação da areia após deposição”, além de alguma “dispersão lateral por processos longitudinais para fora da zona de deposição.”
Segundo o Público, a palavra "monitorizar” anda a irritar sobremaneira Miguel Figueira e Eurico Gonçalves, antigo campeão de surf e o outro rosto do SOS Cabedelo. 
O que está mais do que provado, é tal como previmos antes da execução da sua execução, as obras na linha costeira da Figueira da Foz — incluindo a extensão em 400 metros do Molhe Norte do porto marítimo, uma obra iniciada em 2008 — criaram um desequilíbrio brutal na costa. O areal da praia da Claridade, na cidade, a norte do porto e da foz do Mondego, cresceu tanto que fez com que esta se tornasse a maior praia urbana da Europa.
A sul de tudo isto o cenário é o oposto — a falta de sedimentos, impedidos de passar pelo extenso molhe, fez recuar a costa vários metros, fazendo desaparecer praticamente o areal em várias zonas da Cova-Gala e criando uma meia-lua bem pronunciada ainda mais para sul, onde antes não existia, porque a linha da costa estava muito mais à frente. 
Como afirma Migueira: “não há falta de areia. Ela está é mal distribuída”

A norte do porto, o areal não pára de aumentar, mas a sul a linha de costa está cada vez mais recuada, porque os sedimentos não conseguem passar.
Dúvidas há?
Sem esquecer o perigo na barra do porto,  onde já morreram 15 pessoas em acidentes, desde 2009...
«O Estudo de Viabilidade da Transposição Aluvionar das Barras de Aveiro e da Figueira da Foz, encomendado pela APA a um consórcio, que incluía a Universidade de Aveiro (UA), analisou diferentes soluções e concluiu que o bypass era a solução “economicamente mais viável”, para uma zona que, a sul da Cova-Gala, já apresentava taxas de recuo da costa de 3,5 metros ao ano.
Para os responsáveis do movimento cívico, parecia o início do fim de um longo processo, uma percepção reforçada pelo anúncio do então ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, de que o bypass era mesmo para ser feito. O país já não queria voltar as costas ao mar — algo que nunca se faz, dizem, e que aprenderam muito cedo com os pescadores —, nem fazer dele o inimigo, mas aprender a adaptar-se às mudanças que ele próprio sofria, fruto, em grande parte, da intervenção humana.
Só que o balde de água fria veio logo a seguir: ao contrário do que o SOS Cabedelo esperava, a APA não tem qualquer intenção de avançar com a obra do bypass num futuro imediato e isso desespera os dois activistas. “Neste momento, a nossa maior preocupação é a urgência em avançar com a obra”, diz Eurico Gonçalves. “Queremos que se despachem”, reforça Miguel Figueira.»

Mais uma vez, as coisas estão a acontecer como o responsável do OUTRA MARGEM temia. Lembram-se das nossas conversas nos últimos dois anos sobre o assunto Miguel Figueira e Eurico Gonçalves? 
Percebem agora as minhas inquietações perante o vosso optimismo? 
Recordo Maio de 2021. De acordo com Carlos Monteiro, na altura presidente da câmara, que citou informação que lhe foi transmitida pela APA, o concurso para elaboração do projecto e estudo de impacte ambiental “ainda está para adjudicação”. Tendo um prazo de 12 meses para ser elaborado, só estará concluído em meados de 2022, a que acrescem os procedimentos de eventual aprovação, lançamento do concurso da obra propriamente dita e adjudicação dos trabalhos, que, se tudo correr bem, só deverão começar em 2023.
«Não será isso que vai acontecer. Em resposta escrita ao PÚBLICO, a APA explica que quando foi conhecido o resultado do estudo que apontou para o bypass como a melhor solução, já estavam em curso os procedimentos burocráticos para a operação de alimentação artificial do troço Cova-Gala/Costa de Lavos, a sul do porto marítimo, com 3,3 milhões de m3 de areia. “Só após a concretização dessa intervenção e a sua monitorização (fundamental para se avaliar a sua evolução, comportamento e eficácia) será possível avançar com a eventual solução de bypass fixo”, refere a APA.
E para que a “eventual” obra do bypass avance, terá ainda de ser precedida do seu próprio processo burocrático, acrescenta. Ou seja, concursos públicos, estudo de impacte ambiental, candidatura a financiamento...

A APA olha para o bypass — uma obra com validade mínima de 30 anos e custos de construção e operação para esse período estimados em 53 milhões de euros — como uma operação de “mitigação da erosão costeira” de “longo prazo”. Até lá, há a colocação de areia como a que está a decorrer a sul de Cova-Gala, com recurso a dragagem das areias do porto (solução de “curto prazo”) e a “alimentação artificial de elevada magnitude”, dos tais 3,3 milhões de m3, com um custo de 25 milhões de euros, e que é olhada como uma intervenção de “médio prazo”.
Miguel Figueira e Eurico Gonçalves não entendem por que não se avança já para o bypass. Nem porque querem monitorizar uma intervenção de colocação de areias que, acreditam, acabará por não ter sucesso, por não ser um processo contínuo. “Uma solução pontual não faz sentido. O mar trabalha todos os dias e nunca se cansa”, diz Miguel Figueira. “Então está tudo a arder e querem monitorizar a desgraça?”, questiona Eurico Gonçalves.»
Contudo, «Carlos Coelho, especialista em erosão costeira e coordenador dos investigadores da UA que participaram no estudo responsável pela identificação do bypass como a solução mais viável para a Figueira da Foz, defende a posição da APA. “Há alguns fenómenos e pressupostos admitidos durante este estudo que é possível que sejam discutíveis. Portanto, se pudermos aumentar o grau de confiança nos resultados, será o ideal”, diz.
E isso, defende, poderá ser conseguido monitorizando a operação que a APA tem prevista de colocação de 3,3 milhões de m3 de areia — um volume “muito mais alargado” do que o que tem sido colocado em operações mais pequenas e que, por isso, acredita, vale a pena acompanhar e avaliar. “Diria que a posição da APA faz sentido, sim. É um investimento muito alargado e tudo o que vier contribuir para aumentar o grau de certeza nos resultados deve ser feito”, defende.
E não se corre o risco de, daqui a alguns anos, quando se avançar de facto para o bypass, o estudo que o escolheu seja considerado desactualizado e se defenda a necessidade de um novo? Ouve-se Carlos Coelho rir ao telefone. “Podemos eventualmente correr o risco de ter de actualizar os resultados do estudo. Mas diria que este estudo do bypass acaba por ser válido num período mais longo”, diz o investigador.

Olhando o mar revolto da Figueira da Foz, de onde saíram há poucas horas, depois de mais uma manhã a surfar as suas ondas, os dois fundadores do SOS Cabedelo não se conformam com estes argumentos. Não se convencem que valha a pena avançar para uma operação intermédia, com um custo do m3 de areia que dizem ser dez vezes superior ao que é previsto para o bypass, e com o ónus ambiental “da queima dos combustíveis fósseis, com as dragagens”.
“Toda a gente já concordou com o bypass. É o que está inscrito na política do Governo, nos estudos da universidade, é o que defende a cidadania. Mas depois dizem-nos que isto é só para daqui a sete anos, para 2030. Isto é absolutamente insensato”, acusa Miguel Figueira.
O PÚBLICO questionou o MAAC, que remeteu quaisquer esclarecimentos para a APA. O presidente da Câmara da Figueira da Foz, Pedro Santana Lopes, em resposta escrita, refere: "Nunca foi admitido nem faz sentido dizer que uma acção, importante mas conjuntural, como a da transposição de 3 milhões de metros cúbicos possa pôr em causa a intervenção estrutural do bypass. E os calendários foram estipulados e ditos. A nosso ver, demasiado longos mas, de qualquer modo, assumidos."
O SOS Cabedelo vai continuar a insistir numa mudança de posição de quem decide as intervenções na costa. “A transição que falta fazer é desta atitude da APA, que continua numa lógica reactiva. De cada vez que há um acidente na costa, lá vêm eles gastar mais uns milhões. Têm de inverter esta lógica de “correr atrás do prejuízo”, para passar a correr atrás da solução. Hoje em dia é disso que se trata. Sabendo qual é a solução, têm de se pôr ao caminho”

Nota de rodapé.
Para ver o video com a entrevista de Miguel Figueira, clicar aqui.

domingo, 17 de abril de 2022

Desviem as areias...

A crónica de António Agostinho publicada na Revista Óbvia, edição de Março de 2022

Se há coisa com que lido mal é com acidentes no mar. Sou filho, neto e bisneto de pescadores. Estas tragédias tocam-me profundamente. Tenho antepassados que tiveram o mar como sepultura eterna.


Naufrágios na barra da Figueira aconteceram muitos nos últimos 12 anos. Entre eles, o mais presente na memória das pessoas, foi o ocorrido no dia 6 do mês de Outubro de 2015. A Figueira da Foz ficou de luto. Ao final desse dia negro para a nossa comunidade piscatória, o arrastão Olívia Ribau afundou-se à entrada da barra e levou consigo cinco vidas. 


Porém, entre os inúmeros acidentes que ocorreram `na barra da Figueira, depois do acrescento dos 400 metros do molhe norte, destaco o que aconteceu em 25 de Outubro de 2013. O barco naufragado foi o "Jesus dos Navegantes". Registaram-se 4 mortos numa tripulação de 7 homens.

Passados pouco mais de 2 anos, em 21 de Dezembro de 2015, o Estado português, via Tribunal de Coimbra, condenou o Mestre Francisco Fortunato a uma pena suspensa de dois anos e seis meses de prisão.  O Homem do Mar foi acusado pelo Ministério Público do Estado Português de quatro crimes de "homicídio por negligência", por não ter cumprido a "Carta Náutica"… Não ter tido conhecimento de um "edital"… E não ter mandado vestir coletes e descalçar botas.

Mas será que "a forma como a barra do porto da Figueira da Foz foi construída não poderá ter ajudado ao naufrágio da Jesus dos Navegantes"? Essa foi, pelo menos, a tese do falecido mestre José Festas, presidente da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar.

A obra do acrescento dos 400 metros no molhe norte, iniciou-se em 2008 e ficou pronta em 2010. A partir desse ano começou a alterar as condições da deriva sedimentar. Com o tempo acumulou as areias (até começarem mesmo a contornar a cabeça do molhe norte…), e esse acrescido assoreamento levou ao consequente alteamento das vagas nessa zona. Dada a pouca profundidade existente na ponta do molhe norte, o mar parte o mar nesse local, o que torna difícil as entradas e saídas aos pequenos de pesca e iates.

Exactamente no mesmo local - barra do porto da Figueira da Foz - depois da obra, em 26.10.2010, 20.01.2012, 10.04.2013 e 25.06.2013, aconteceram outros quatro  naufrágios, com três mortos. Depois  do acidente  com o "Jesus dos Navegantes" em 25.10.2013 com quatro  mortos, aconteceu o naufrágio do Olívia Ribau (e outros estiveram iminentes) com mais cinco mortos. Em Novembro passado, os graves problemas de segurança da barra da Figueira da Foz, com o assoreamento que torna o mar violento e traiçoeiro,  provocaram mais uma tragédia naquele local. Quatro amigos, pescadores amadores, morreram após a embarcação onde seguiam, a ‘Seberino II’, ter virado e naufragado entre as praias do Hospital e da Cova, a sul da barra.

Para quando a realização de um inquérito - a sério - à operacionalidade da barra depois das obras do prolongamento dos 400 metros do molhe norte?

No passado dia 10, perto da embocadura da barra da Figueira, o mar virou a lancha dos pilotos, que iam dar entrada a um navio que vinha com destino ao porto comercial para carregar argila. No acidente houve a registar 2 feridos e danos na embarcação utilizada pelos pilotos da barra da Figueira. Segundo o que li no Diário de Coimbra, "à situação não foi alheio o assoreamento". 

O velho problema de conseguir assegurar a manutenção desassoreada de uma instalação portuária  destinada também a barcos pequenos, de pesca e de recreio e não apenas a cargueiros continua. O acidente com os pilotos da barra confirma isso mesmo. Se há alguém que conhece a barra como as próprias mãos, são os profissionais que todos os dias operam na barra da Figueira e estão sujeitos a cumprir todas as regras e procedimentos instituídos na "carta Náutica".

Como certamente estão lembrados, 2021 foi ano de eleições autárquicas. Aconteceram a 26 de Setembro. O Governo, quiçá por mera coincidência, antecipou a divulgação pública do estudo sobre a transposição de areias na barra da Figueira da Foz, prevista para Setembro de 2021.  O documento foi apresentado no dia 12 de Agosto de 2021: esse foi o tempo considerado certo para anunciar o estudo de viabilidade do bypass. 

Continuamos a aguardar pelo tempo certo para o transformar em projecto... E, depois, em realidade. Recorde-se que o estudo do bypass, que custou 264 mil euros, foi adiado durante anos. Contudo, mais vale tarde do que nunca. Em 12 de Agosto, a  pouco mais de um mês da realização das eleições de 26 de Setembro de 2021, o ministro do Ambiente assumiu que a transferência de areias para combater a erosão costeira a sul da Figueira da Foz com recurso a um sistema fixo (bypass) é a mais indicada. 

“Avaliada esta solução (da transferência de areias) não há qualquer dúvida de que o bypass é a mais indicada e, por isso, vamos fazê-la”, disse à agência Lusa João Pedro Matos Fernandes.

O “Estudo de Viabilidade de Transposição Aluvionar das Barras de Aveiro e da Figueira da Foz”, apresentado na manhã de 12 de Agosto de 2021 pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), avaliou quatro soluções distintas de transposição de areias e concluiu, para a Figueira da Foz, que embora todas as soluções sejam “técnica e economicamente viáveis”, o sistema fixo é aquele “que apresenta melhores resultados num horizonte temporal a 30 anos”.

O estudo situa o investimento inicial com a construção do by pass em cerca de 18 milhões de euros e um custo total, a 30 anos, onde se inclui o funcionamento e manutenção, de cerca de 59 milhões de euros. “Obviamente que o que temos, para já, é um estudo de viabilidade, económica e ambiental. Temos de o transformar num projecto, para que, depressa, a tempo do que vai ser o próximo Quadro Comunitário de Apoio, (a operação) possa ser financiada”, disse o ministro.

O sistema fixo de transposição mecânica de sedimentos, conhecido por bypass, cuja instalação o movimento cívico SOS Cabedelo defende, há mais de uma década, que seja instalado junto ao molhe norte da praia da Figueira da Foz, será o primeiro em Portugal e idêntico a um outro instalado na Costa de Ouro (Gold Coast) australiana. É constituído por um pontão, com vários pontos de bombagem fixa que sugam areia e água a norte e as fazem passar para a margem sul por uma tubagem instalada por debaixo do leito do rio Mondego. A tubagem estende-se, depois, para sul, com vários pontos de saída dos sedimentos recolhidos, que serão depositados directamente nas praias afectadas pela erosão.

A opção de avançar para a construção de um bypass era em Agosto de 2021, para o então presidente da Câmara da Figueira da Foz, Dr. Carlos Monteiro, uma solução que permitia “tranquilidade e esperança a quem usa o porto comercial, a quem usa o porto de pesca e à população da margem sul da Figueira da Foz”. Carlos Monteiro, na altura, disse que uma proposta a longo prazo “não é frequente” em Portugal e agradeceu ao ministro do Ambiente, Matos Fernandes, por aquilo que considerou ser um gesto com “visão”.

Carlos Monteiro solicitou que o estudo  apresentado fosse “avaliado o mais depressa possível” e que o projecto “fosse desenvolvido”. Mas disse esperar, “fundamentalmente, que tenha a maturidade necessária para ser inscrito no Quadro Comunitário [Portugal] 2030. Atendendo aos valores, acredito que possa e deva ser”. 

Também na altura, o arquitecto Miguel Figueira, do movimento cívico SOS Cabedelo, se manifestou agradado com a decisão de se optar pelo bypass. “Agora temos uma responsabilidade de contribuir para que seja bem feito. Há uma série de dúvidas, estamos a trabalhar em coisas que já deram provas de funcionamento, o sistema australiano funciona há mais de duas décadas, mas há sempre dúvidas sobre os impactes”, notou.

O ministro do Ambiente recordou a primeira vez que ouviu falar “ao vivo” da hipótese do bypass na Figueira da Foz e lembrou o “ar zangado” do arquicteto “cheio de certezas absolutas”, quando o movimento protestava, em 2019, pela construção do sistema fixo. “Agradeço ao SOS Cabedelo, a forma, muito para além de reivindicativa, mas técnica, com que nos entusiasmou a chegar aqui”, frisou Matos Fernandes.

Passaram sete meses. Espero, sinceramente, que tudo tenha sido mais do que uma mera tentativa de jogada de propaganda eleitoral. 

"Há muitos anos que, para mim, a protecção da Orla Costeira Portuguesa é uma necessidade de primeira ordem e que o processo de erosão costeira assume aspectos preocupantes numa percentagem significativa do litoral continental.

Atente-se, no estado em que se encontra a duna logo a seguir ao chamado “Quinto Molhe”, a sul da Praia da Cova. Por vezes, ao centrar-se a atenção sobre o acessório, perde-se a oportunidade de resolver o essencial..."

Escrevemos o que está entre comas, no blogue OUTRA MARGEM em 11 de Dezembro de 2006. Passados quase 16 anos, infelizmente, continua actual. Depois da construção do acrescento dos malfadados 400 metros do molhe norte, a erosão costeira a sul  da foz do Mondego tem avançado. A barra da Figueira, por causa do assoreamento e da mudança do trajecto para os barcos nas entradas e saídas, tornou-se na mais perigosa do nosso País para os pescadores. A Praia da Claridade transformou-se na Praia da Calamidade. A pesca está a definhar. Espero que, ao menos, perante a realidade possam compreender o porquê das coisas...

O Dr. Santana Lopes é agora o novo presidente de câmara. É ele que tem que perceber e saber  lidar  com as as consequências das diferentes dinâmicas que construíram  e desconstruíram a orla costeira no concelho da Figueira da Foz. "Um sistema complexo com uma instabilidade natural (decorrente de marés, das correntes, dos fenómenos meteorológicos, das derivas de sedimentos) mas também decorrente da acção humana, salientando-se aqui a interferência da barra do porto marítimo da Figueira da Foz e do seu prolongamento". 

O impacto ambiental causado pelo crescimento dos molhes  - uma infraestrutura que inibe a deriva de sedimentos acumulados na praia da Figueira da Foz (seguramente a maior praia da Europa) acelerou a erosão da costa a sul, colocou ao território do nosso concelho desafios que têm de ser defrontados com responsabilidade e ousadia. 

As soluções, ao que parece existem. A proposta do bypass - um sistema mecânico de bombagem permanente de areias que permitam restabelecer em grande parte a dinâmica dos sedimentos que alimentam a costa, já foi assumida pelo ainda ministro do Ambiente como a mais indicada. 

Se a situação foi estudada e a solução encontrada, continuamos à espera de quê? "O mar é a nossa terra". Temos de saber entende-lo e saber lidar com ele. E, sobretudo, nunca tentar contrariar a sua força, pois isso é impossível... 

segunda-feira, 4 de maio de 2020

"Não temos tempo para nada"...

(Esta é uma postagem para quem tem tempo, largueza de horizontes e disponibildade para fundamentar a opinião)...
"Altura para a entrevista com a ministra da Saúde, Marta Temido. Boa noite e bem-vinda a este jornal. Espero ter tempo porque são muitos assuntos que estes dois meses nos trouxeram..."
Foi assim que o pivot Rodrigo Guedes de Carvalho (RGC), da cadeia SIC, inicou a entrevista no Jornal da Noite de sábado.

Mas depois, RGC ocupou onze (11!) minutos (transcrito em anexo) num interrogatório desnorteado e sem chá, cheio de si e na 1ª pessoa, enervado - "eu estou a falar de saúde pública", "estou-lhe a perguntar se...", "não foi isso que eu perguntei..", "Isto não é uma questão de concordar ou de deixar de concordar", "mas a celebração da UGT interessa pouco para uma ministra da Saúde" -, marcado por preconceitos sobre o 1º de Maio da CGTP e os 73 anos de Jerónimo de Sousa, semelhantes aos do seu ex-patrão (e corroborados por Marques Guedes na edição de domingo na SIC). De tal forma, que acabou por ouvir a ministra dizer: "O estado de calamidade não é uma emergência totalitária. É uma emergência sanitária". RGC fugiu de um tabuleiro onde caíra para procurar outro onde engasgasse a ministra, perdeu o controlo das emoções e perdeu até notícias - como aquela em que a ministra deu a entender que, se não há 13 de Maio em Fátima, é porque a igreja católica não quer, o que, aliás, veio a confirmar-se ontem, e ainda mais no acordo entre o governo e a igreja católica como se soube hoje. 

Enfim, depois de um mau serviço jornalístico durante onze (11!) penosos minutos e de vergonha alheia, RGC rematou...:


"Muito bem, avancemos, senão não vamos ter tempo para nada"!! 
RGC pode não entender o papel constitucional que as organizações sindicais têm. Pode não perceber a teoria geral do papel das organizações na sociedade, a ponto de as comparar às pessoas que querem visitar a família. Pode não entender a necessidade que certas pessoas sentem desde o século XIX de celebrar o 1º de Maio, dê por onde der. Pode não perceber a densidade histórica da data, destilada por décadas de lutas, sacrifícios, vidas perdidas, dádivas humanas, contra a desigualdade, pelo direito a uma vida. Pode nem se lembrar do objectivo dessa luta lançada nos Estados Unidos no 1º de Maio de 1886, a que nem dá importância alguma - oito horas diárias de trabalho. E pode até nem relacionar que, por acaso, após 135 anos, essa reivindicação continua ser mais do que actual em Portugal, quando o trabalho extraordinário já é, em certos casos, mais barato do que em período normal de trabalho! 

Mas por tudo isso, deixo-lhe a circular oficial da Federação dos Sindicatos, de Novembro de 1885. Pode ser que ecoando estas frases com 135 anos, com a força que têm, pelo tempo e pelo tom, pela actualidade das suas palavras (apesar dos anacronismos) se aperceba das ridículas perguntas que fez sobre se era legal terem sido trazidos camionetas do Seixal para a Alameda... 




Camaradas trabalhadores,
Chegámos à época mais importante da história do trabalho. A questão é esta: entregamo-nos a um qualquer azar providencial para fixar a jornada de trabalho de oito horas ou contamos com as nossas forças, preparamo-nos para a luta e arrancaremos a jornada de oito horas àqueles que, por ignorância ou egoísmo, se opõem à sua adopção a 1 de Maio de 1886?
Se os assalariados estiverem unidos neste ponto e se se prepararem com fundos suficientes para aguentar a tempestade durante pelo menos um mês, eles trarão a vitória consigo. O trabalho agindo em unidade, tal como o capital, é todo poderoso. Ele pode impor reivindicações justas por meios pacifícos e legais. Unidade na acção e poupanças suficientes para manter o lobo em respeito durante um período curto, é tudo o que precisamos.
O movimento, para vencer, deverá abraçar todas as classes assalariados, de modo que os produtores não produzam senão quando as reivindicações forem aceites e os seus objectivos conseguidos. 
Trabalhadores:
O vosso dever junto de vós próprios, da vossa família, da prosperidade está claramente definido. Poupem uma determinada soma, metam dois dólares por semana, comprem mantimentos até 1 de Maio de 1886 e estarão em posição de ultrapassar a derrota. Eis o dever de cada um.
Mas qual é o dever das corporações e das sociedades? Que cada organização escolha um comité, para preparar os homens no seu ofício especial, envolvendo os sindicalizados e os não sindicalizados, no maior número possível para exigir as 8 horas em Maio de 1886.
Conseguir as vantagens de uma redução de trabalho quer dizer um trabalho mais regular e melhor remunerado, uma mais longa existência para os trabalhadores, façamos alguns sacrifícios. É tempo de agir.
Vinte anos de paz num país como o nosso, sem epidemias, sem exército permanente considerável, sem uma marinha dispendiosa, e sem que o pesado fardo do trabalho tenha sido aligeirado, mesmo quando por todo o lado a máquina poupa-trabalho é introduzida e que as ruas estejam pejadas de trabalhadores sem trabalho.
É aos trabalhadores e às sociedades que incumbe a tarefa de reduzir as horas de trabalho e de equilibrar o fardo da produção social.
Com a unidade na acção e 35 dólares de economia por cada trabalhador, poderemos levantarmo-nos e e vencer o capital. Tentemos a luta. Preparemo-nos!

ANEXO
Entrevista à ministra Marta Temido, na SIC:  

RGC: O que achou da forma da celebração da CGTP em Lisboa?
MT: Estava em linha com a excepcionalidade prevista no decreto presidencial que se referia ao estado de emergência e que contenmplava uma excepção para a celebração do Dia do Trabalhador. E que referia que deveriam ser respeitadas regras de distanciamento, sanitárias.
RGC: Na verdade, o decreto coloca nas suas mãos e na directora-geral da Saíde definir as regras. Diz apenas que essa comemoração deve ter em conta os limites de saúde pública, No limite, foi a senhora e a directora-geral da Saúde que acharam que aquela celebração se podia fazer assim. Mas são cerca de mil pessoas.
MT: Quem estabeleceu os limites, as condições em que a celebração foi efectuada foi a estrutura sindical que optou por esta forma de celebração. (...) Outras estruturas sindicais optaram por outra forma de celebração. Aquilo que o decreto presidencial referia era a possibilidade de, mesmo em estado de emergência, era assinalar o dia...
RGC: Violou  as regras.. .
MT: ... dentro das regras definidas pelas autoridades  de saúde competentes. E portanrto, as autoridades de saúde competentes avaliaram a situação e imposeram determinadas restrições que são conhecidas de todos: o distanciamento, a protecção, o evitar de multidões, de aglomerações de pessoas...
RGC: E acha que aquilo que se viu ali não foi uma multidão, uma aglomeração de pessoas?
MT: Foi um número significativo de pessoas, superior ao número regra, mas um número enquadrado naquilo que era uma sinalização de uma data. Sei que há quem gostasse que tivesse sido de outra maneira, sei que outras estruturas sindicais optaram  por fazer a celebração de uma outra maneira e provavelmente...
RGC: [interrompendo] Então porque é que não deixou as pessoas virem para  a rua no 25 de Abril?
MT: ... há muitas opiniões contraditórias...
RGC : [interrompendo] Porque é que não deixou as pessoas virem para  a rua no 25 de Abnril?
MT: O que me parece relevante é que a forma como foi assinalado do dia foi ordeira, foi pacifica, e o que eu gostaria de sinalizar é que não tivemos, por exemplo, eventos com distúrbios como aconteceu noutros paises europeus... 
RGC: [interrompendo] Sim, mas uma coisa não tem nada a ver com outra: eu estou a falar de saúde pública, não estou a falar de intervenções policiais. Falou-me do decreto de estado de emergência onde nada se refere a excepções de cidadãos nestes três dias passarem de concelhos para concelhos. E no entanto, à frente de toda a gente, vieram camionetas pelo menos do Seixal e outros locais. Não era possível a CGTP ter feito uma manifestação só com pessoas do concelho de Lisboa que é bastante grande?
MT: Isso é algo que tem de perguntar à CGTP. O Ministério da Saúde, as autoridades de saúde têm é de definir regras para a realização de determinadas iniciativas, nos termos em que os poderes democráticos as aprovem. O senhor Presidente da República [PR], o Governo, a Assembleia da República  entenderam que o Dia do Trabalhador devia ser sinalizado. Houve uma estrutura que entendeu ter pessoas na rua, dentro de determinadas regras que são as regras sanitárias que temos estabelecidas. Pode-se concordar mais, pode-se concordar menos, pode-se achar que poderia ter sido feita de outra maneira...
RGC: [interrompendo] Isto não é uma questão de concordar ou de deixar de concordar. Estou-lhe a perguntar se nestes três dias 1, 2 e 3 foi ou não proibido pelo PR que as pessoas se desloquem para fora dos seus concelhos.
MT: Não, foi pelo Governo.
RGC: Ou pelo Governo.
MT: Foi estabelecido que nestes 3 dias...
RGC: [interrompendo] E no entanto...
MT: que são dias que, num contexto normal, aproveitaríamos parta visitar amigos, para visitar a familia, para passarmos à beira-mar...
RGC: [iomterrompendo] E aquelas pessoas que não poderam fazer...
MT: Bom, o que estamos a falar é de indivíduos e dos seus gostos pessoais ou de uma entidade que para todos os efeitos é uma entidade representativa dos trabalhadores e que entende fazer uma sinalização do Dia do Trabalhador...
RGC: [interrompendo] Mas porque é que têm mais direitos que todos os portugueses?
MT: As instituições têm sempre uma forma de representação social que os indivíduos não têm. Poder-se-á dizer : "Por que é o Natal é mais importrante do que o aniversário de qualquer um de nós individualmente considerado? Porque são momentos sociais...
RGC: [Interrompendo] E acha que a Igreja Católica é uma instrituição?
MT: Naturalmente.
RGC: Por que é que a Fátima, que é um lugar muito maior do que a Alamada de Lisboa, não se pode aplicar estas regras das filas bem separadas e as pessoas ficarem bem separas umas das outras?
MT: Mas É possível que se possam aplicar essas regras se...
RGC: [interrompendo] Ai é possível?
MT: Se essa for a opção das celebrações que - tanto quanto é do conhecimentro daquilo que foi conversado - a opção este ano seria outra... 
RGC Mas vimos aqui o bispo de Leiria dar a coisa como perdida, dizer que infelizmente este ano não vai poder ser assim...
MT: Repare, a propósito do Dia do Trabalhador, para a mesma forma de expressão que o decreto presidencial tinha que era a celebração do Dia do Trabalhador, duas estruturas sindicais, optaram por fazer uma celebração de uma forma distinta. Portanto...
RGC: Mas a celebração da UGT interessa pouco para uma ministra da Saúde, estamos a falar de saúde pública. Estamos a falar de exemplos que vão sendo dados aos portugueses. E estamos a reparar que há algumas excepções. Mas não quero insistir neste ponto, mas num outro ponto que também tem a ver com o mesmo dia. Jerónimo de Sousa esteve presente, tem 73 anos e ele respondeu que "a idade não é critério absoluto para determionar o risco. A senhora ministra da Saúde concorda?
MT: Concordo, a idade não... 
RGC [interrompendo] Ai não?
MT: é um criteério absoluto para determinar  o risco. A idade é um critério de risco por si só. Mas não é absoluto. Nós sabemos...
RGC: [Interrompendo] Aqui estamos no campo da retórica, não é?
MT: Não é retórica: é uma realidade que está por detrás do factor 70 anos e do facto 70 anos com melhor saúde ou pior saúde.
RGC: A realidade é que, por causa do decreto do estado de emergência e do facto de factor de risco dos 70 anos... [lê] "ficam sujeitos a dever especiao de protecção, alinea a) os maiores de 70 anos". Isto foi o primeiro decreto do estado de emergência. E nós temos, eu já vi, agentes de segurança falarem com pessoas que eles percebem que eles têm mais de 70 anos e dizerem-lhes que eles têm o dever de regressar à sua casa.
MT: Vamos lá ver. As pessoas acima de uma certa faixa etária têm um risco por si só acrescido. A opção do nosso Estado foi semprte a sugerir às pessoas tinham um dever especial de se salvaguardarem. Mas não de as impedir de sair à rua. Parece-me que isso seria, por si só, desproporcional e eventualmente até ferido de outros problemas. Aquilo que temos de ter em presença é quem, ainda hoje a OMS tem um documento especifico a propósito das pessoas de maior idade neste contexto de doença que sabemos que é potencialmente mais agressiva para elas. Mas nós temos de perceber que não é o único critério.
RGC: Muito bem. 
MT: E não podemos confinar as pessoas só porque têm mais...
RGC: [Interrompendo] Certo...
MT: ... de 70 anos, ficaram reclusas...
RGC: [Interrompendo] Então...
MT:... ao seu domicílio
RGC: [Interompendo] Então podemos ter agora os portugueses com mais de 70 anos a dar a mesma resposta, que será aceite pelas autoridades e compreendida pela ministra da Saúde.
MT: No contexto actual, sabemos que o dever que impende sobre todos os portugueses é o dever civico...
RGC: [Interrompendo] Não foi isso que eu perguntei..
MT: de recolhimento. Mas esta é a resposta.
RGC: Pronto, pronto...
MT: Esta é a resposta.
RGC: Então avancemos. Falamos aqui de Fátima. A senhora ministra abriu aqui a porta, afinal, de uma peregrinação a Fátima...
MT: Não abri.
RGC: Não abriu?
MT. Nâo.
RGC: Então formulo-lhe a pergunta: Por que é que em Fátima as pessoas, os peregrinos não podem estar lá presentes a ouvir a missa?
MT: Vamos lá ver: Se essa for a opção de quem organiza as celebrações - de celebração do 13 de Maio - onde possam estar várias pessoas desde que sejam respeitadas as regras santárias - isso é uma possibilidade. Agora cada organização de uma iniciativa tem de fazer um juízo de valor sobre aquilo que entende que são os riscos que vai correr. E pode haver entidades que entendam que aquilo que está em causa é compatível com determinadas regras e outras que não...
RGC: [Interrompendo] O mesmo que se aplica aos estádios de futebol?
MT: O estado de emergência, o estado de calamidade não é - como já disse - uma emergência totalitária. É uma emergência sanitária. E portanto as regras são sempre utilizadas com a proporcionalidade necessária à protecçãos anitária. Mas não mais do que isso. 
RGC: Muito bem. Campos de futebol, são também terrenos abertos. Podem também ter público?
MT: Não.
RGC: Porquê?
MT: Porque a opção neste momento será eventualmente a de não ter público. Mais uma vez, vamos fazer uma construção de medidas ao longo do tempo, que garantam a maior normalidade possível, mas num contexto que não é o regular, o normal, aquele que desejaríamos. E também porque avaliamos, os peritos, os organizadores avaliam aquilo que são...
RGC: [interrompendo] Eu quando estou a falar de público no futebol não estou a falar obviamente do estádio cheio. Mas aquela proporção que não se sabe qual será - um terço, dois terços - e pessoas separadas. Por que não é possível?
MT: São aspectos que estão eventualmente a ser ponderados num contexto, não daquilo que está em cima da mesa, porque aquilo que está em cima da mesa eventualmente serão jogos à porta fechada.
RGC: Muito bem, avancemos, senão temos tempo para nada."


Via Ladrões de Bicicleta

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Plano anticovid da Festa do Avante! 2020 vai integrar o espólio do Museu da Farmácia (parte 2)...

Ter razão antes do tempo


"Esta notícia, divulgada no site oficial da Festa do Avante, terá passado despercebida na comunicação social. Posso estar enganado, mas não vi qualquer referência. E no entanto, nunca uma Festa do Avante ocupou tanto espaço de mediático como a de 2020. Valeu tudo para a vilipendiar, caluniar e tentar impedir. 

Realizar a Festa do Avante em 2020 foi uma decisão difícil. O país estava a atravessar uma fase aguda da covid-19, não havia vacinas e a solução preconizada pelas autoridades era o confinamento, apesar das tremendas dificuldades que essa opção implicou para o mundo do trabalho, para as atividades económicas, para a educação e a cultura, para a generalidade das esferas da vida social. Contudo, muitos trabalhadores tiveram de se manter na linha da frente, no Serviço Nacional de Saúde, nos bombeiros, nas forças e serviços de segurança, nos transportes, nos serviços públicos essenciais, na grande distribuição comercial, tomando as medidas necessárias para enfrentar o perigo real de contágio.

O PCP nunca teve uma posição negacionista. Nunca minimizou o perigo da covid-19 e nunca faltou com propostas para o enfrentar. Todavia, sempre considerou que o modo socialmente menos lesivo de enfrentar a covid-19 não era o confinamento puro e simples, mas a adoção de medidas sérias de proteção sanitária, de reforço significativo da capacidade de resposta do SNS e de apoio a todos os que vissem as suas condições de vida e de trabalho afetadas pela situação de contingência que se vivia. A solução, para o PCP, não era parar o país, mas adotar todas as medidas de segurança necessárias para que o país não parasse. 

Entretanto, cedo se percebeu que a pandemia estava a servir de pretexto para muita coisa que só a generalização do medo tornava aceitável. Muitos despedimentos, muita redução de direitos e rendimentos, muitas arbitrariedades foram cometidas, não por causa da pandemia, mas a pretexto da pandemia. 

A posição corajosa do PCP, de enfrentar a paralisia do medo e de nunca desistir de apoiar quem mais precisava de ser apoiado, serviu também de pretexto para uma violenta campanha mediática anticomunista que teve o seu clímax a propósito da realização da Festa do Avante de 2020. 

É certo que já tinha havido vozes contra a sessão solene do 25 de Abril na Assembleia da República e contra as manifestações do Primeiro de Maio, mas a propósito da Festa do Avante, desde calúnias, acusações infundadas, provocações, tentativas de proibição e fake-news do mais grosseiro, valeu tudo o que a desonestidade conseguiu inventar. A campanha política e mediática contra a Festa do Avante e o PCP, envolvendo todas as televisões e praticamente todos os demais meios de comunicação social, assumiu uma violência, uma obsessão, um caráter sistemático e uma dimensão de ataques sem possibilidade de resposta que ficará tristemente assinalada nos anais do anticomunismo mediático nacional. 

Foram dirigentes políticos de direita a dizer que a Festa deveria ser proibida. Foram reacionários oportunistas a avançar com uma providência cautelar para que a Festa fosse impedida pelos tribunais. Foram jovens betos de direita a afixar um cartaz provocatório, junto à porta da Festa, a afirmar que a covid sairia vencedora. Foram dirigentes locais do PS e do PSD do Seixal a instrumentalizar as populações e os comerciantes locais contra a realização da Festa. Foi Pedro Abrunhosa a dizer que o vírus saltaria “de camarada em camarada”. Foram as reportagens obsessivas, horas a fio, das televisões, contra a realização da Festa, arregimentando dezenas de comentadores. Foi a afirmação de que os demais espetáculos estavam proibidos, quando o que se passava é que os respetivos promotores não estavam dispostos a tomar as medidas de segurança sanitária que a Festa do Avante tomou. A campanha foi de tal dimensão que levaria muitas páginas a descrever, mas talvez a joia da coroa tenha sido a falsa primeira página do New York Times sobre a Festa do Avante postada nas redes sociais e que o Jornal da Noite da SIC divulgou como sendo verdadeira, e nunca pediu desculpa, nem aos espectadores, nem ao PCP, nem ao New York Times. 

A campanha não deixou de ter efeitos. Acicatou o discurso do ódio contra o PCP, com repercussões nos esgotos das redes sociais. Terá convencido certamente muitas pessoas a não ir nesse ano à Festa do Avante e mesmo a condenar a sua realização. O PCP sempre assumiu uma atitude de compreensão relativamente a quem, por receio, não foi à Festa, mas garantiu que seriam tomadas medidas de segurança sanitária capazes de afastar esses receios. Garantiu e cumpriu. 

A Direção-Geral da Saúde acompanhou a par e passo a preparação da Festa. Impôs uma lotação máxima que foi escrupulosamente cumprida. Definiu regras de segurança muito exigentes que foram escrupulosamente asseguradas. 

A Festa foi realizada e nenhuma das acusações se confirmou. Não houve qualquer surto de infeções em resultado da sua realização. Os artistas puderam atuar depois de longos meses de paragem forçada. O vírus não andou de camarada em camarada, e apesar da Festa ter desaparecido dos noticiários, acabou por se tornar um exemplo da forma adequada de enfrentar a covid, vivendo a vida sem comprometer a segurança. 

Não espero que os mentores da campanha contra a Festa do Avante de 2020 peçam desculpa. Aliás, meses mais tarde estavam a querer impedir o Congresso do PCP, e em 2022 estavam a vilipendiar os artistas que atuaram na Festa do Avante, acusando-os de apoiar a guerra na Ucrânia. Desses não espero nada, a não ser novos ataques, por tudo e por nada. 

Porém, num momento em que as medidas de segurança tomadas com vista à realização da Festa do Avante de 2020 são assumidas como um exemplo museológico do combate à covid-19, é justo que muita gente que, de boa-fé, criticou o PCP por realizar a Festa do Avante, reconheça que o PCP afinal tinha razão e foi injustamente criticado."

quinta-feira, 17 de março de 2022

O passado, a "intectualidade" actual, Santana e a oposição (PS + PSD): no fundo a política e o futuro da Figueira

A crónica de António Agostinho publicada na Revista Óbvia em Fevereiro de 2022

«Reinava D. Luis. Vivia-se numa Monarquia Constitucional. Assistia-se ao recrudescimento das lutas políticas. Os dois grandes partidos eram o Progressista e o Regenerador.

Um acontecimento cívico, a comemoração do centenário de Camões (1880), foi como que um despertar para novos caminhos. O País iniciava o caminho para estar com a Europa evoluída. Os ideais republicanos começavam a ser reconhecidos publicamente.

Na Figueira existia uma consciência política. A verdadeira lição dos factos, a que ficou para a história, é de que foi benéfica para a comunidade a rivalidade dos partidos Progressista e Regenerador. Todos, no fundo, pretendiam alcançar objectivos que servissem a Figueira e os Figueirenses.

Naquele tempo, escreveu Carlos Faria, "cada Filarmónica, cada coisa, cada pessoa e cada associação pertence a um partido politico: ou Progressista ou Regenerador. A terra ganha com isso,  faz obras, e obras grandes".» 

Em 26 de Setembro de 2021 a maioria dos cidadãos figueirenses estava farta do presidente de câmara e queria a sua substituição. Foi o que aconteceu.

Veio Santana. Pensou-se  que o cenário iria melhorar. 

Embora me engane algumas vezes, o que é uma vantagem que só os pessimistas conhecem, tem sido normal piorar, quando se muda de políticos na Figueira.  

Até ver, na minha opinião, não foi isso que aconteceu. Contudo, a procissão ainda vai no adro.

No passado dia  4 do corrente o Diário as Beiras publicou uma entrevista com Santana Lopes. O ambiente, na Figueira política, azedou e ficou estranho. Momentos houve em que pareceu estarmos à beira de uma borrasca. 

A Figueira política, além de estranha, ficou irrequieta, tensa e quezilenta. Notou-se amargura, frustração, azedume e  irritação. Houve excesso. Sobretudo, de palavras. 

Porquê? E para quê? Qual é o objectivo? Desviar atenções? Criar mais agitações? 

Alguém conseguiu perceber? No momento em que estou a escrever esta crónica (10/2/2022) a confusão continua instalada em vários lados.

A Figueira está estranha. À beira de uma borrasca? Ou isto é, apenas, "uma nuvem passageira"? 

O povo é sereno. Pode ter sido só "fumaça"...

Na Figueira, neste momento, existem problemas sobre a própria natureza da política e do seu exercício. Há muita coisa mal resolvida. O problema é que nunca se começa de novo - há sempre um rasto de problemas do passado a colar-se como uma maldição. 

Será, citando Santana Lopes, que "isso tem a ver com o nível das pessoas"? Será, continuando a citar Santana Lopes, "porque ainda não digeriram a derrota"? Ou será "porque Santana não está a fazer aquilo que eles queriam que fosse feito"?

Carlos Monteiro já esqueceu a primeira reacção de incredulidade perante a derrota. 

Essa reacção começou por ter a sua graça. Assumiu a derrota nas eleições, atribuindo-a ao "fenómeno"  Santana Lopes", com uma tirada de "Lapalisse": "temos aqui um resultado em que o fenómeno de Santana Lopes existiu e o fenómeno de Carlos Monteiro não existiu", disse o candidato do PS, ao final da noite de 26 de Setembro. 

A evidência foi tão grande e tão evidente, que a explicação se tornou ridícula.  O PS ganhou 11 em 14 juntas de freguesia do concelho da Figueira da Foz. Tem "maioria" na Assembleia Municipal.  Perde a Câmara Municipal que liderou apenas 2 anos, embora fazendo parte do executivo PS durante 12 anos. 

Com este resultado atípico, a derrota foi de quem? 

Dele - Carlos Monteiro, como ele próprio admitiu.

Em circunstâncias normais, assumiria a responsabilidade da derrota, respeitaria a decisão dos eleitores, continuaria a trabalhar em prol da Figueira, mas tiraria as consequências e iria à sua vida.

Contudo, os que se habituaram a viver da política, primeiro, embora com dificuldades, digerem, depois, como mais pastilha, menos pastilha rennie (o alívio é rápido e eficaz), habituam-se e não "emigram".

 Agarram-se ao que podem e ficam "em casa" a cuidar do seu  futuro. 

Isso, no futuro, vai fortalecer Santana Lopes. Ele sabe que assim será,  melhor que ninguém. E agradece.

A "intelectualidade" figueirense não gosta de Pedro Santana Lopes. Considera-o  um demagogo populista e volúvel. A "intelectualidade" local abespinha-se  com Santana, como se a sua existência fosse um vazio cultural (aflige-a que Santana Lopes troque os títulos dos livros e o nome das peças musicais, o seu passado de homem do futebol, a sua herança de sedutor com um rasto de hipotéticos corações destroçados).

Porém, o concelho real também não gosta da "intelectualidade" local. Considera-a presunçosa e vaidosa, com o seu ar superior, as suas indignações, a sede de atenção e de  prestígio.  

A opinião "esclarecida" da  "intelectualidade" local quer defender o povo figueirense das "garras" dos santanistas figueirenses. Porém, foi o povo figueirense que deu o poder  a Santana na Câmara da Figueira. 

E Santana sabe isso. Melhor do que ninguém.

Continuamos a assistir a "tiros nos pés" da oposição PSD, tal como aconteceu na campanha para as autárquicas de setembro p.p.

O que é um disparate e uma vantagem para Santana.

E Santana sabe. Melhor do que ninguém. 

Há problemas sérios na Figueira a resolver. Santana sabe.  A opinião "esclarecida", a "intelectualidade", a oposição (PS + PSD) também devem saber.

Santana sabe. Melhor do que ninguém. Convém não menosprezar, nem duvidar, da capacidade do exorcismo do diabrete. 

"Um político necessita de ter a capacidade para prever o que vai acontecer amanhã, na próxima semana, no próximo mês e no próximo ano. E de ter a capacidade para explicar depois porque nada disso aconteceu." (Winston Churchill).

Em 1880, Progressistas e Regeneradores,  pretendiam alcançar objectivos que servissem a Figueira e os Figueirenses.

Será que hoje podemos acreditar no mesmo?

O rigor e a exigência, não interessam. O que é importante, são as coisas feitas à pressa, em cima do joelho, e sem nexo. 

Isto, tem a ver com o absoluto amadorismo em que se fundamenta, em 2022,  muita da politiquice figueirinhas, em o que conta é a fachada, a agenda do momento, pouco ou nada interessando o contexto e a estratégia para o que tem que ser feito e é importante para o futuro da Figueira e dos Figueirenses.

No fundo, o que está em causa é o nosso futuro...

sábado, 26 de outubro de 2013

A "coisa" continua a dar que falar...

Tal como exprimi,  logo que de tal tomei conhecimento, “assim, a frio, a coisa pareceu-me desagradável...”
Isto aconteceu, em tempo real, pois a sessão camarária ainda estava a decorrer - por isso fui de certeza o primeiro a alertar para a gravidade da “coisa”...
Posteriormente, o meu amigo Fernando Campos, publicou um guião sobre a “coisa”.
A meu ver, completamente a martelo, meteu-me ao barulho ...
Ele lá saberá porquê...
O que está em causa - e isso, do meu ponto de vista,  é que é importante - é lembrar ao senhor que ocupa o cargo de presidente da câmara de uma cidade com tradições democráticas, que isso não é a mesma coisa que exercer as respeitáveis e difíceis funções de juiz.
Parafraseando um grande democrata figueirense, o doutor Luís Melo Biscaia, em democracia "nada há a esconder e é bom que quem dispõe da maioria num órgão político não julgue ter o direito de fazer o que quiser…"

domingo, 3 de dezembro de 2023

Discurso de Vasco Lourenço nas Comemorações do 50.º Aniversário da Reunião de 1 de Dezembro de 1973 em Óbidos

A reunião conspirativa do Movimento dos Capitães realizada em Óbidos, em 01 de dezembro de 1973, na Casa da Música, foi evocada precisamente meio século depois naquela vila mediaval, numa iniciativa da Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril.
Para quem quiser ler e para memória futura, fica a intervenção do Coronel Vasco Lourenço.
"Senhor Presidente da República, Excelência
Senhora Ministra da Defesa Nacional
Senhores representantes dos Chefes de Estado Maior das Forças Armadas
Senhora Comissária das Comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril
Senhores Presidentes da Câmara e da Assembleia Municipal de Óbidos e demais autarcas desta linda Vila Medieval e Histórica
Senhores demais autarcas
Senhoras demais autoridades militares, civis e policiais
Senhoras e Senhores
Caros camaradas de Abril

Agradecendo a todos a vossa presença, permitam-me que enderece um especial agradecimento à Vila de Óbidos, na pessoa dos seus representantes, a vossa disponibilidade para, mais uma vez, aqui nos receberem com a já habitual hospitalidade.
Foi há 50 anos que aqui, nestas instalações, nos reunimos cerca de 180 oficiais do Exército, em representação de 429 camaradas das suas Unidades.
Lembro que, apesar de já haver alguns contactos com camaradas da Armada, nesta reunião ainda não compareceu qualquer deles.
Quanto à Força Aérea, que desde o início quase sempre foi representada pelos paraquedistas, já aqui demonstravam a sua propensão para os equívocos, ao proporem como possível chefe para o Movimento o General Kaúlza de Arriaga. Lamentavelmente, nunca mais acertaram o passo na consolidação do 25 de Abril. E se vieram a salvar-se à última hora, participando com uma força no 25 de Abril, o certo é que nunca mais deixaram de estar no lado errado da barreira, como se viu no 28 de Setembro de 1974, no 11 de Março de 1975 e no 25 de Novembro de 1975.
Como coordenador do Movimento, pedi aos Capitães do Regimento de Infantaria 5 (o ERRE AI FAIVE, como lhe chamávamos), situado aqui bem perto, nas Caldas da Rainha, que conseguissem um local para reunirmos sob a capa de um convívio magustal.
Foi o Luís da Piedade Faria que pediu ao seu cabo miliciano Octávio Pinto que arranjasse um local para cerca de 200 Oficiais fazerem um convívio, local onde então estivemos e onde hoje comemoramos essa data histórica, passados 50 anos.
O Piedade Faria já nos deixou, assim como outros camaradas que aqui compareceram e também já partiram, e é por isso que agora a todos evoco, pedindo um momento de reflexão em sua memória e homenagem, a que junto os demais companheiros do Movimento dos Capitães e do Movimento das Forças Armadas, que com eles estarão algures.
… … …
Obrigado!
Felizmente, ao caro amigo Octávio Pinto, aqui presente entre nós, posso saudar e agradecer-lhe a sua atitude e a sua disponibilidade. E também recordar que isso lhe valeu represálias, pois as autoridades militares, não tendo coragem para castigar os oficiais, que aqui se haviam reunido – numa atitude de afrontamento ao Poder, com o argumento de discutir a forma de como recuperar o prestígio das Forças Armadas – investiram contra o Cabo Miliciano, transferindo-o compulsivamente para os Açores.
Longe estava eu de imaginar que, passados menos de três meses, acabaria por sofrer a mesma represália e me iria encontrar com o Octávio Pinto no mesmo destino, ainda que em Ilhas diferentes…
Mas, voltemos ao dia 1 de Dezembro de 1973.
Cerca de três meses depois do nascimento do Movimento tinha já sido ultrapassada uma ruptura interna que afastou aqueles que tinham ido para Alcáçovas a pensar apenas nos decretos e interesses corporativos (felizmente a única durante todo o período da conspiração); também ficara para trás a proposta de um “cheque em branco” ao Governo saído da última farsa eleitoral da ditadura, em 28 de Outubro de 1973.
Havia agora que repensar o Movimento, estruturá-lo e definir o caminho a prosseguir.
Foi isso que aqui viemos fazer.
Convém recordar que esta reunião de Óbidos realizada há precisamente 50 anos, foi antecedida de uma outra importante reunião em S. Pedro do Estoril, no dia 24 de Novembro, seis dias antes, onde se aprovou a agenda de trabalhos que aqui discutimos.
Essa reunião revelar-se-ia fundamental, principalmente pela intervenção feita pelo tenente-coronel Luís Ataíde Banazol que, de cima do seu posto – os militares, de um modo geral, são muito sensíveis a isso – clamou que o Governo tinha de cair e só os militares o poderiam derrubar. Acrescentando que ficaríamos muito mal na fotografia e na História, se não cumpríssemos o nosso patriótico dever.
A renovação da sua proposta, aqui repetida com igual força e vigor, não obteve o enorme sucesso alcançado em S. Pedro do Estoril. Certamente porque aí estiveram cerca de quarenta oficiais e aqui o número mais que quadruplicara.
Apesar de tudo, a importância foi tal que quase levou a hipótese de “um golpe de Estado imediato” a obter a maioria dos votos. Venceu então a hipótese de “continuar a luta reivindicativa, com o objectivo da recuperação do prestígio das Forças Armadas, junto da Nação”. Mas, se juntássemos aos votos dos que assim se pronunciaram, os que votando, por essa solução reivindicativa, acrescentaram que “se não se obtiverem resultados rápidos, a solução terá de ser a utilização da força”, ficaria claro que caminhávamos inexoravelmente para a acção militar. Foi isso que, como moderador da reunião, então salientei, com a pronta reacção de protesto dos que assim não pensavam.
Quanta emoção ainda sinto, ao lembrar este e outros episódios da nossa caminhada para a libertação do país!
Recordo ainda a decisão aqui aprovada do alargamento aos outros dois Ramos das Forças Armadas, a Armada e a Força Aérea. Que, como sabemos, seria feita de modo diverso, sem uma total e perfeita integração no Movimento, mesmo depois de, em 5 de Março em Cascais, este passar a ser designado por Movimento das Forças Armadas (MFA), anulando a designação com que o baptizámos aqui – Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA) – e cujo nome nunca vingou.
Aqui foi também escolhida a Comissão Coordenadora, que funcionaria até ao 25 de Abril.
Igualmente aqui ficariam escolhidos os futuros chefes a convidar, os Generais Costa Gomes e Spínola, que seriam ratificados na já referida reunião de 5 de Março em Cascais.
Saímos de Óbidos com a convicção firme de que, apesar de tudo o resto, continuava a ser necessário desfraldar a bandeira da recuperação do prestígio das Forças Armadas. É por isso que eu, aqui e agora, não resisto a comparar essa nossa convicção com a situação que hoje se vive: o prestígio das Forças Armadas, embora bastante razoável junto da população portuguesa, não merece grande atenção junto do Estado, apesar das inúmeras declarações de louvor proferidas pelos membros do poder político, em que tudo parece cheirar a hipocrisia. Por isso eu não acredito, nem eu nem os meus camaradas militares, que os agentes do poder político considerem importante o prestígio das Forças Armadas e tenham por elas o respeito que apregoam. Se assim não fosse, se respeitassem as suas e as nossas Forças Armadas, apesar de alguns recentes progressos, teriam muito mais cuidado com elas e não as estariam a conduzir, desde há muito, à sua quase destruição.
Não vivemos a situação de 1973, vivemos em democracia, os militares já demonstraram defender os valores de Abril, não há o perigo de nova utilização da força contra o Poder. Contudo, devemos proclamar bem alto: o Poder Politico tem o dever de respeitar e proteger as suas Forças Armadas, como instituição basilar que são de um Estado Democrático.
Quando aqui nos reunimos há 50 anos estava já em marcha o que viria a constituir o maior perigo que o Movimento correria até ao 25 de Abril: por proposta dos paraquedistas, fez-se nesse dia o primeiro contacto com o coronel Frade Júnior, que nos tentaria arrastar para um golpe radical de reforço da ditadura, com a promessa de um aumento do prestígio das Forças Armadas. Esta tentativa foi imediatamente rejeitada, ao verificarmos que para eles o aumento do prestígio era igual e se resumia ao aumento dos vencimentos. Por esse motivo, não estiveram aqui os dois elementos do Movimento destacados para essa ligação, que hoje mais uma vez saúdo: o capitão Rodrigo Sousa e Castro e o tenente José Manuel Freire Nogueira, então oficiais do CIAAC de Cascais.
As duas semanas seguintes seriam decisivas na luta contra essa tentativa de golpe, em reforço da ditadura.
Apresentando-se como representante de Kaúlza de Arriaga e de mais três Generais, Frade Júnior dizia ter os paraquedistas e duzentos ex-combatentes da área de Setúbal prontos a ajudar-nos na acção militar.
Dirigi pessoalmente a denúncia e o consequente abortar dessa tentativa. Primeiro junto de Costa Gomes e de Spínola, apresentados no plano como alvos a eliminar, depois, vendo o desinteresse, um tanto imprudente, destes dois Generais, através da denúncia pública feita pelo Carlos Fabião, no Instituto de Altos Estudos Militares em Pedrouços.
Não posso deixar de salientar a cobardia de Kaúlza de Arriaga, que negou sempre esta tentativa, até ao dia em que, no último livro que escreveu, vir a assumi-la, mas com uma alegação de “não se tratar de uma tentativa de golpe de Estado, porque feita por Generais”!
Comentários, para quê?
Saliento que esta conspiração se não resumia aos ultras, de que Américo Tomaz, Kaúlza de Arriaga e Jorge Jardim eram figuras de proa, mas também a outros sectores influentes de Portugal. À guerra de libertação dos Movimentos nas colónias, opunha-se a tentativa de independências brancas e racistas regionais. Basta lembrar Alcora, já acordado com a África do Sul do apartheid e com a Rodésia de Ian Smith.
Situação compreensível para um regime que seguia o preceito do ditador do “orgulhosamente sós”, mas altamente penoso para os portugueses que se sentiam humilhados quando, confrontados pelos países democráticos, nomeadamente os europeus.
Vencida esta luta, pudemos continuar a avançar para o Dia “inicial inteiro e limpo”, como escreveu Sofia de Melo Breyner Andersen.
Foi nessas condições que jovens generosos, sem motivações de poder ou de conquista de vantagens e de benefícios pessoais, porém suficientemente experimentados na guerra e nas suas consequências, já conscientes do valor da Paz e da importância e necessidade da negociação e do cumprimento dos acordos negociados, com boa fé e respeito pela dignidade dos diferentes protagonistas, foram capazes de, num caminhar intenso e rápido, assumirem que queriam a Paz, a Liberdade, a Democracia, a inserção na comunidade internacional, o respeito pela dignidade de todos. E que isso só poderia ser uma realidade futura, se o regime fosse derrubado, incapaz que se mostrava de renovação e de encontrar caminhos para as aspirações dos portugueses, nesses tempos difíceis.
Sentimento que se reforçava, ao constatarmos a intensificação das lutas populares de muitas e muitos portugueses, por direitos que lhes estavam vedados. Uma convicção se instalava, cada vez com mais vigor, na consciência de todos nós: o povo português ambicionava pelo fim da ditadura, ambicionava e lutava pela Liberdade e pela Paz. O nosso dever era o de servir o povo e não o de sustentar uma qualquer elite, que o oprimia há mais de 47 anos. Logo, como afirmara Luis Ataíde Banazol, dizendo claramente o que muitos de nós sentíamos e até já vínhamos proclamando, o nosso dever era acabar com a ditadura, libertar a Liberdade, fazer a Paz construir a Democracia, terminar com o isolamento internacional.
Foi um sentimento que rapidamente se instalou, convencendo-nos nós de que caminhávamos ao encontro dos anseios dos portugueses.
Por isso, nos sentimos tão felizes e realizados, com a reacção popular, de imediata adesão ao que fazíamos, no dia 25 de Abril de 1974.
Ora esse sentimento, considerando o teor das intervenções feitas na reunião de há 50 anos, e também pelos resultados obtidos nas votações, viria a instalar-se, com vertiginosa velocidade, na generalidade dos oficiais do Movimento.
E se, durante os dias seguintes, ainda houvesse dúvidas, o certo é que três meses depois, na reunião de 5 de Março em Cascais, a opção pela acção militar de derrube do regime foi consensual e aprovada sem resistência.
A evocação desta e de outras reuniões permite-nos também evidenciar a nossa postura de conspiradores: utilizámos sempre, internamente, processos democráticos, a que juntámos o respeito pela dignidade de todos, debatendo as nossas ideias de forma franca e aberta, com lealdade e transparência, o que nos permitiu superar diferenças e até divergências entre nós, ao mesmo tempo que o Governo, desesperadamente, nos tentava comprar com benesses de natureza pessoal.
Foi esta opção natural, de seguirmos o caminho da dignidade, da coragem e da responsabilidade, assumindo correr todos os inerentes riscos, que nos ajudou a caminhar, decisivamente, para o dia da libertação, e nos permitiu vencer todos os obstáculos internos e externos com que tivemos de nos confrontar nesse dia e nos dias futuros.
Foi esse caminho que nos permitiu depois – com o 25 de Abril de 1975, o 2 de Abril de 1976 e o 20 de Outubro de 1982 – regressarmos a casa, Realizados e Satisfeitos, mas essencialmente Honrados, por termos cumprido tudo a que nos propuséramos e comprometêramos, ao apresentar o Programa do MFA aos portugueses.
A conjuntura que vivemos hoje, obriga-me a fazer um paralelo com esses tempos.
Hoje, num mundo que parece ter ensandecido, com forças totalitárias a chegar ao Poder através de eleições, imitando Hitler de tão má memoria, surgem figuras dementes a enganarem os povos e a obter os seus votos, como acaba de acontecer na Argentina.
Também Portugal está numa situação muito complicada: tudo aponta para um novo tipo de perigosa actuação anti-democrática, onde, em vez da força das armas, se utiliza o poder Judicial e o poder da Comunicação Social para o levar a efeito. Onde está a informação verdadeira, não manipuladora? Será que ainda se pode falar em verdadeira liberdade de imprensa, em verdadeira liberdade de expressão, quando a manipulação se está instalando no nosso país?
Em consequência disso, e apesar de uma maioria absoluta na Assembleia da República, esta foi dissolvida e temos pela frente uma luta eleitoral, onde as forças inimigas de Abril tudo farão para que o seu próximo 50.º Aniversário não seja comemorado com base nos seus valores, da Liberdade, Paz, Democracia, Justiça Social e Solidariedade.
Se é certo que Abril começou a ser atacado logo no próprio dia e no próprio interior dos seus protagonistas, muitas conquistas se conseguiram, numa luta conjunta da generalidade do povo português e do MFA. A Constituição da República, a criação do Serviço Nacional de Saúde, o incremento da Educação para todos os portugueses, são bem exemplo das enormes conquistas alcançadas com o 25 de Abril.
Ao longo destes anos muitos ataques Abril tem sofrido – lamentavelmente, nenhuma força política pode assumir-se inocente, face aos seus comportamentos nestes 50 anos!
Os ataques aos seus valores, às suas características – onde pára a ética Republicana? – com a utilização das chamadas fake-news fizeram-nos “bater no fundo” e quase nos venceram nos tempos difíceis em que se declarava querer ir “além da Troika”. Conseguimos resistir e reerguer-nos. Não podemos soçobrar agora, quando chegam ao ponto de, esquecendo ou fazendo por esquecer que nós temos memória, procuram deturpar a História e mistificam os acontecimentos, inventando heróis da luta pela Liberdade e pela Democracia.
São muitos os que, vencidos nos seus propósitos de então, se procuram apresentar como vencedores, como responsáveis pelos valores de Abril, nomeadamente o da Liberdade e o da Democracia. A esses, sejam 80 ou mais, diremos que mantemos a memória fresca, não esquecemos, e não admitiremos deturpações da História!
Estamos comemorando o 25 de Abril de 1974, do qual fomos os principais protagonistas, o que muito nos honra. Nunca abdicaremos de assumir essa acção e os seus valores!
Fomos igualmente os principais protagonistas pelo cumprimento das suas promessas, respeitando tudo o que, logo no dia 25, assegurámos aos portugueses, dizendo ao que vínhamos através do nosso programa, o Programa do MFA.
Comemorar Abril não se pode resumir à celebração da data. Tem de se estender à celebração dos seus valores, das suas conquistas.
Celebrar Abril é lutar pela continuação e aprofundamento da Liberdade, da Paz, da Democracia, da Justiça Social, da Igualdade, da Solidariedade, do Estado Social.
Celebrar Abril é respeitar a sua História, a luta pela sua consumação, não permitindo que alguém fabrique um passado à medida dos seus actuais interesses.
Pelo caminho que alguns querem inventar, qualquer dia não foi o MFA que derrubou uma longa ditadura, mas a democracia terá vindo, de mansinho, através de uma evolução na continuidade!
O facto é que, haja ou não quem queira pensar o contrário, nem existiu um levantamento popular como alguns pretendiam, nem existiu uma evolução na continuidade como outros preconizavam!
Foi o MFA, foram os Capitães de Abril que protagonizaram a recuperação da Liberdade e abriram caminho à Paz, à Revolução Social, à construção da Democracia e à possibilidade de se construir uma sociedade mais justa, igual e solidária.
Porque concordamos que todas as datas contam para a História, não deixaremos que a comemoração do 25 de Abril não evoque todas as datas em que os seus inimigos tentaram conspurcá-lo, foram vencidos e não conseguiram evitar que ele se consumasse com a aprovação da Constituição da República. O mesmo é dizer que iremos evocar os 50 anos de todas as vitórias do MFA sobre quem quis destruir o 25 de Abril.
Que nestas comemorações consigamos obter o que alcançámos há 50 anos: a vitória sobre as forças que queriam reforçar a ditadura.
Hoje, a luta é por reforçar a Democracia, assente nos valores de Abril, onde os serviços públicos sirvam os cidadãos, onde os agentes e dirigentes do poder sirvam a comunidade e não aproveitem para se servir a si próprios!
Uma democracia onde a missão desses agentes do Poder seja a gestão da “coisa pública”, na defesa da Justiça Social, da Liberdade, da Igualdade, não permitindo a falência do sistema, abrindo caminho à mercantilização dos direitos sociais, o que nos levará inevitavelmente à desigualdade e à injustiça.
Hoje, podemos lamentar que os valores e princípios intemporais, que há 50 anos nos guiaram e permitiram chegarmos a bom porto, não estejam totalmente presentes na sociedade portuguesa.
A Democracia tem a sua natureza própria, as suas virtudes e os seus defeitos, o que lhe confere uma característica especial: a existência de vários poderes, o facto de na Casa da Democracia haver diversas e diferentes sensibilidades, tornando-a mais difícil de gerir, menos operativa do que uma ditadura. Apesar de tudo isso, continuamos a preferir, convictamente, uma imperfeita Democracia, com todos os seus defeitos, a uma “boa” ditadura.
Por isso, temos de acarinhar a Democracia, respeitando a sua idiossincrasia, onde um bom relacionamento entre os seus diversos organismos, nomeadamente os Órgãos de Soberania, é essencial.
A Democracia só vence, se os cidadãos nela acreditarem!
Cada Órgão de Soberania terá de assumir as suas responsabilidades e competências, respeitando as responsabilidades e competências de todos os outros. É isso que, apesar de todo o ruído gerado pela comunicação social, onde devemos incluir todos os outros instrumentos, como as redes sociais, nos parece que tem acontecido.
Os nossos votos são no sentido de que, no futuro, os Órgãos de Soberania não venham a atropelar-se uns aos outros. Porque isso é essencial para que Abril possa continuar.
Ora, apesar de todos os erros cometidos pelas forças que se reclamam de Abril, quando no Poder ou fora dele, são essas forças – com necessidade, é certo, de uma reformulação interna, no sentido de servirem o total dos cidadãos e não apenas a sua “tribo” – que nos dão a garantia de os valores de Abril continuarem a ser defendidos.
Por isso, não querendo entrar em posições partidárias, mas assumindo a nossa posição de não neutralidade entre Abril e não-Abril, aqui formulamos os votos de que no Poder continuem as forças que se assumem de Abril, através da sua maioria na Assembleia da República.
Mas, porque aqui assumimos esta atitude, fique certo de que estaremos sempre na linha da frente, pela imposição de que as forças que se dizem de Abril se não limitem a declarações, por mais vigorosas que sejam. Se são forças que se assumem de Abril, terão de levar isso à prática, defendendo e praticando efectivamente os seus valores!
Será essa a nossa exigência, vinda do passado, a caminho do futuro.
Com um forte abraço a todos, Abril, Sempre!
Viva o Movimento dos Capitães!
Viva o MFA!
Viva Óbidos!
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!"