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terça-feira, 7 de novembro de 2023

UM PAINEL DE AZULEJOS COM HISTÓRIA

O painel de azulejos, que a foto sacada do blogue COVA GALA ... entre o rio... e o mar mostra, representa um importante e decisivo acontecimento da história de Portugal.
Em agosto de 1808, desembarcaram na praia do Cabedelo (antiga praia de Lavos) as forças anglo-lusas comandadas pelo General Wesllesley, para combater as invasões francesas que estavam a ocupar o nosso País.
Segundo o meu conterrâneo, Capitão João Pereira Mano, investigador, mas também o maior conhecedor da história marítima do nosso concelho, autor de obras como “Terras do Mar Salgado”, com centenas de textos avulso publicados em periódicos, tudo resultado de décadas de investigação aturada em fontes directas, “decorria o ano de 1793, quando Manuel Pereira se descolou a Lavos, com a sua mulher Luísa dos Santos e alguns familiares, para baptizar seu filho Luís, que nascera havia quatro dias, no lugar da Cova. A certidão do recém-nascido passou assim a ostentar como local de nascimento o lugar da Cova, passando a povoação a ver reconhecida oficialmente a sua existência.”
As populacões da Cova de Lavos, grandes pescadores vindos da zona de Ílhavo, que arriscavam todos os dias a vida para poderem continuar a viver, tiveram então, um papel decisivo neste desembarque.
A raça e a valentia destes homens, foi posta à prova, com a ajuda dos seus barcos de pesca. Deram uma contribuição fundamental no transporte das tropas, dos animais e do restante material nas agitadas e perigosas águas do Cabedelo.

Foram cerca de 13000 homens, para além dos animais e material bélico, desembarcados graças aos barcos da arte manobrados com saber, perícia e coragem, trazidos das naus, que se encontravam fundeadas ao largo, até à praia do Cabedelo.
Depois do desembarque, as tropas Inglesas caminharam para sul, pelo extenso areal de dunas, passando ao lado da povoação de pescadores da Cova de Lavos, onde provavelmente, pararam por momentos para descansar(...)
Depois seguiram mais para nascente, seguindo o caminho junto ao rio onde assentaram o seu primeiro Quartel General nos Armazéns de Lavos.
O General Wesllesley, a quem mais tarde foi dado o título de duque de Wellington, ficou alojado numa casa que ainda lá está, que merecia ser recuperada e preservada por uma entidade pública, dado o seu valor histórico, por exemplo, a Câmara Municipal da Figueira da Foz.
Em Agosto de 1808, o papel dos pescadores da Cova, que se tinham sediado na Cova a partir de 1793, como nos ensina o Capitão João Pereira Mano, um covagalense cuja memória nunca poderá ser esquecida, foi decisivo para o que aconteceu a seguir.
Os ingleses rumaram para sul do Mondego, e travaram duas semanas mais tarde, duas batalhas duras e decisivas: a de Roliça e do Vimeiro em 17 e 21 de Agosto, que acabariam por derrotar e expulsar definitivamente as tropas Francesas Napoleónicas de Junot, após a assinatura da Convenção de Sintra.
O painel que a foto mostra pode ser visto em frente à junta de freguesia de Lavos. 

Como é óbvio, não conheci o Cabedelo em 1808. Tudo o que sei dessa altura, fui bebê-lo aos livros e às longas conversas que tive com o Capitão João Pereira Mano, falecido em Agosto de 2012.
Porém, ainda conheci o Cabedelo do Cochim e do Bairro dos Pescadores, antes do Porto de Pesca ter passado para esta margem. Conheci o Cabedelo do campismo selvagem antes de ser possível ir lá de carro. Conheci o Cabedelo do campismo organizado. Nesse Cabedelo passei óptimos momentos - lá no tal “paraíso selvagem”.
Fui acompanhando o que foram fazendo ao Cabedelo, sobretudo depois de lá terem feito chegar os carros e a poluição.
Assisti à machadada final, quando a partir de 2020 fizeram o que está feito, mas ainda não acabado, ao Cabedelo.
Quero crer que quem fez o que fez ao Cabedelo com os milhões da Europa, o fez apenas por ignorância pura e dura, pois não deveria conhecer nada da história do Cabedelo e nem uma fotografia conhecia antiga do local conhecia.
Quero crer que tenha sido apenas por isso - e só por isso - apesar disso ser grave e sem desculpa...

Mas que sortudo que eu fui por ainda ter tido a possibilidade de aproveitar os últimos anos de paisagem natural no Cabedelo.
Ainda cheguei a tempo.
Esse privilégio ninguém mo vai roubar, faça o que fizer no futuro ao Cabedelo.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Quem se lembra do papel do "Senhor dos Aflitos" na vida Aldeia?

Era neste edificio que funcionava o "Senhor dos Aflitos".
A entrada era por uma porta lateral, do lado da Alfândega.

A Cova e a Gala, têm origem na fixação de pescadores, oriundos de Ílhavo, nas dunas da praia da Cova, por volta 1750/1770.
De acordo com alguns documentos, estudados pelo único Homem que realizou verdadeira pesquisa histórica sobre as origens da Cova e Gala, o Capitão João Pereira Mano, tempos houve em que pescadores naturais de Ílhavo, desceram a costa portuguesa à procura de peixe e água potável que lhes permitisse a sobrevivência.
Sediaram-se na cova de uma duna, um local a que passaram a chamar de Cova.
A Gala, é uma povoação mais recente, nasceu cerca de 40 anos depois, quando alguns dos pescadores se deslocaram para nascente e ergueram pequenas barracas ribeirinhas, para recolha de redes e apetrechos de pesca.

Na minha infância - finais dos anos 50 do século passado - a Aldeia  teria cerca de de 2.000 habitantes. 
Vivia-se mal: não havia esgotos, a corrente eléctrica, nas casas humildes e pobres, era considerada uma excepção, a miséria material, as condições de trabalho desumanas, a deterioração das células familiares, a má nutrição era a situação de toda uma região economicamente desfavorecida.
Especialmente a  “Cova era como um novelo de lã em que não se sabia  onde estava a ponta por onde se devia puxar”.

Os tempos que correm estão difíceis. Cada vez mais difíeis. 
Não quero ser pessimista, mas já estamos a lembrar os tempos da caridadezinha hipócrita da consciência tranquila, que quem viveu antes do 25 de Abril de 1974 em terras onde a miséria campeava, bem se recorda.
Enquanto país, somos o que somos, desde 1143. Os poderes, que continuam a conseguir manter os governados em rédea curta, asseguram a estabilidade do sistema.
É assim que se perpetua a pobreza, a caridadezinha e a humilhação de não podermos ser cidadãos de corpo inteiro.
A Aldeia faz parte de um País que sempre foi pobre e periférico. 

A foto é de 1943. Mostra a realidade da Cova e Gala desse tempo. Na altura, vivia-se em plena II Grande Guerra. Aqui, neste cantinho à beira-mar plantado, imperava o desemprego, o medo, o racionamento, a miséria e a fome. Éramos gente cabisbaixa, vencida e resignada, entregue a um destino sem sentido e ferida na sua dignidade. Valia o altruísmo de alguns a quem doía a visão da fome e da miséria. Estávamos em 1943 em plena Cova num local que alguns, porventura, ainda reconhecerão.
Eram os tempos dos invernos da fome - duros e prolongados. 
Os homens iam para a pesca do bacalhau e as mulheres ficavam a governar a casa.
O dinheiro faltava. Recorrria-se ao "livro" nas mercerias da Aldeia.
Mas, havia invernos ainda mais duros e mais prolongados e com mais fome.

E, aí, restava o último recurso: o "Senhor dos Aflitos"
"Senhor dos Aflitos", para quem não sabe, era a "casa dos penhores" que funcionava na Caixa Geral de Depósitos. 
As mulheres entravam por uma porta lateral (do lado da Alfândega) e subiam umas escadas onde eram atendidas pelo funcionário (se bem me lembro, o senhor Branco...) da Casa de Crédito Popular, criada em 1922 por intermédio da Caixa Geral de Depósitos com o objectivo de regularizar, fiscalizar e moderar a actividade prestamista.
As mulheres deixavam o ouro que tinham em casa (ou emprestado por vizinhos) e traziam os escudos necessários a matar a fome ou para acudir a alguma aflição urgente. 
Mais tarde, quando os homens chegavam do bacalhau levantavam o ouro e entregavam os escudos do empréstimo e dos juros. Quando, no prazo estabelecido, não havia escudos suficientes para trazer o ouro para casa, iam-se pagando juros. 
Em última análise, perdia-se o ouro que era leiloado pelo prestamista.

Nas atribuições da Caixa Geral de Depósitos, de 14 de Julho de 1918, decreto nº 4 670, existem já alusões a operações relacionadas com empréstimos a curto prazo, sobre penhor de títulos, ouro, prata, pedras preciosas e outros objectos.
Nesta altura, o Conselho de Administração estabeleceu as condições gerais em que se poderiam fazer esse tipo de empréstimos, sobre penhores, a particulares, definindo a percentagem sobre as cotações e decididindo sobre o reforço dos mesmos penhores quando se tornasse necessário, assim como as quantias a aplicar a estas operações.
Para regularizar a actividade, surge então a necessidade de formar um organismo. É criada a Casa de Crédito Popular, por intermédio da Caixa Geral de Depósitos, com o objetivo de moderar esta actividade, de modo a conter os abusos, regular e moderar os lucros daqui provenientes, ao mesmo tempo, proporcionar às classes menos favorecidas, alguma assistência económica.
No Regulamento de 29 de Maio de 1922, estabelecem-se as normas, pelas quais, a Casa de Crédito Popular, se irá reger. As operações de crédito passavam a ser efetuadas na sede, assim como, nas diversas agências, que a administração entendeu criar, sobretudo, em localidades bastante populosas. Ao mesmo tempo, definia também, o limite das quantias cedidas de acordo com o valor dos penhores.

Comparem o que se passava então, com o que acontece hoje.
Portugal vive como quase sempre viveu: em crise  económica. 
Temos de novo "o regresso da sopa dos pobres como modelo social", outros, reconhecerão o mesmo olhar e a mesma resignação em largos milhares de nós. 
Contudo, o mercado do ouro continua pujante.
Mas como é que funciona agora o negócio do ouro?
Completamente desregulado. 
Quando alguém quer vender ouro, dirige-se a uma loja das muitas que para aí existem.
Primeiro, a peça começa por ser avaliada, com a loja a estabelecer um preço para a peça, conforme a cotação diária do ouro e com uma margem comercial que pode atingir os 20%.

Portugal padece de uma genética incapacidade nacional: a de conseguir construir uma sociedade evoluída seja a que nível for - cientifico, técnico, cultural, social ou económico.
Por sua vez, os políticos sempre tiveram como meta preservar esta situação: a sociedade de governantes e de governados, mantendo estes com rédea curta por via de favores e esmolas.
Construiu-se - e mantém-se, assim, uma sociedade favorecida, dentro de uma outra, de desfavorecidos. A dos empregos pelo partido e não pela competência, dos negócios pelos interesses e não pela qualidade orçamental, da governação pelos favores e não pela liberdade do voto em consciência.
Enquanto país, somos o que somos, desde 1143. Os governantes, que continuam a conseguir manter os governados em rédea curta, asseguram a estabilidade do sistema.
É assim que se perpetua a pobreza, a caridadezinha e a humilhação de não podermos ser cidadãos de corpo inteiro.

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Têm início hoje 5 dias de Festa em S. Pedro

Está quase a fazer uma ano: num domingo, a 3 de Julho de 2022, "os festeiros" Santana Lopes e Jorge Aniceto não deixaram morrer a Festa em honra de São Pedro na Cova e Gala.

Nesse dia, aconteceu algo inédito no concelho da Figueira da Foz. Para evitar a recolha da Bandeira ao interior da Capela, por não haver quem protagonizasse a continuidade e a realização da festa em honra do padroeiro na Cova e Gala, em 2023, Santana Lopes, presidente da Câmara da Figueira da Foz, e Jorge Aniceto, presidente da Junta de Freguesia de S. Pedro, "chegaram-se à frente e assumiram o papel de festeiros". Desta maneira, evitaram que, em 2023, houvesse uma interrupção numa Festa centenária, pois segundo João Pereira Mano, a Festa de S. Pedro da Cova e Gala, foi trazida de Ílhavo, em meados do século XVII, pelos habitantes que fundaram a Cova e, mais ou menos 40 depois, a Gala.

Como escrevi na altura, o caso é curioso. O que aconteceu, observado sobre o ponto de vista político e religioso, é interessante e merece reflexão.
Santana Lopes e Jorge Aniceto, assumiram o seu papel de "festeiros", enquanto pessoas ou enquanto políticos?
A sua Liberdade religiosa, enquanto pessoas, é total e absoluta e ninguém pode questionar ou colocar em causa. Porém, a sua liberdade de manifestação religiosa, enquanto políticos que representam um universo de pessoas que têm toda a Liberdade de outras opções religiosas, pois vivemos num estado laico, não é bem a mesma coisa. 
Há momentos em que determinadas manifestações religiosas podem colidir com a Liberdade religiosa de outras pessoas que os políticos representam.
 
Contudo, não faço disto uma questão decisiva e acredito que, mais do que a legislação, é o bom senso que deve prevalecer, equilibrando sem dramas as regras decorrentes do estatuto de estarmos num Estado não confessional, por um lado, e a preservação da história, dos  costumes e das tradições, por outro. 
A meu ver, a Liberdade, incluindo a religiosa, nunca pode ter um conteúdo negativo. Sou sempre pela possibilidade de expressão, de associação, de ensino, de visibilidade, de diálogo e reconhecimento público e institucional. 
Estas sim, de facto são questões decisivas, não negociáveis, da Liberdade, incluindo a  religiosa. A Liberdade de uns, nunca se pode fazer à custa da liberdade dos outros. 
A história da humanidade já nos ensinou as consequências trágicas dessa visão. No limite, pode conduzir a contornos revanchistas e totalitários.

A laicidade, ou melhor, a laicização - palavra que traduz melhor a ideia de um processo em movimento -, é uma marca comum a todas as sociedades democráticas: significa a autonomização da sociedade em relação à religião, processo através do qual a religião deixa de estruturar a organização social e legal. As diferentes instituições religiosas podem fazer campanha em defesa dos seus valores e ideias, mas não podem ter força legal para os impor. 
A Igreja Católica pode combater contra a Lei do Aborto, ou ser contra os casamentos homossexuais, mas não tem força legal para evitar isso se a maioria do povo, em eleições, assim o decidir.

Nos países predominantemente católicos, como é caso de Portugal, marcados pelo conflito entre o Estado e a Igreja, a laicização foi normalmente imposta por cima, a partir do Estado. Nos países protestantes, onde as igrejas conheceram uma mutação interna profunda, a autonomização da sociedade em relação à religião partiu de baixo, da própria sociedade civil.
A laicização tomou formas diferentes em cada país, em função da sua história, das suas tradições e da sua cultura. Em Portugal, temos um estatuto de separação com cooperação com as diferentes confissões. 
Devia imperar a diversidade e a liberdade religiosa. 
Há países em quem não é assim. Nos EUA, onde moram muitos habitantes da Cova e Gala que para lá emigraram em busca de melhores condições de vida, embora o  sistema seja de clara separação entre o Estado e a Igreja, a religião tem uma forte presença não só na sociedade, mas nos próprios actos públicos. 
Em Portugal, isso seria considerado uma ofensa à laicidade e uma "beatice". Podemos entender esta perspectiva do ponto de vista histórico. Contudo, em minha opinião, isto revela uma visão errada da laicidade, entendida não como a condição de liberdade religiosa, mas como a condição da erradicação da religião. É que, apesar do que se diz em contrário, em certos sectores políticos, a religião continua a ser encarada como "o ópio do povo".
A meu ver, a tomada de posição de Santana Lopes e Jorge Aniceto, não encerra polémica nenhuma, pois são "festeiros" e vão realizar a Festa de São Pedro,  em 2023, enquanto pessoas crentes e devotas e não enquanto políticos.
"O Presidente da Câmara da Figueira da Foz e da junta de freguesia, Santana Lopes e Jorge Aniceto, lideram a Comissão de Festas em Honra de S. Pedro da Cova e Gala, em 2023, porque, em 2022, não houve quem quisesse assumir a organização". Via Diário as Beiras, fica a notícia que as Festas em Honra do Padroeiro da Cova e Gala, S. Pedro, têm início hoje.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Recordando a importância de João Bagão, um guitarrista nascido na Gala, na definição da Nova Canção de Coimbra

João Bagão, um dos mais importantes guitarristas do século 20, nasceu na Gala em 14 de Julho de  Julho de 1921. Morreu em 9 de Dezembro de 1992.
Vamos recordar, via coimbra.pt.

"A Canção de Coimbra foi  debatida, no dia 14 de julho, ao final da tarde, no Núcleo da Guitarra e do Fado de Coimbra, que funciona na Torre de Anto. “A importância da Guitarra de João Bagão na discografia da Canção de Coimbra: dos EP’s de Paradela d’Oliveira aos LP’s de Luiz Goes” foi o tema apresentado por Fernando Marques, guitarrista que integra diversos grupos de fado de Coimbra, no âmbito do ciclo de palestras “Canção de Coimbra: Cultores e Repertórios”, promovido pela Câmara Municipal de Coimbra em 2016.

A sessão foi centrada em João Bagão (n. 14 de julho de 1921; m. 9 de dezembro de 1992), por ocasião dos 95 anos do seu nascimento e no seu papel enquanto guitarrista da Canção de Coimbra. Fernando Marques começou por destacar alguns aspetos relacionados com o seu percurso musical e, sobretudo, com o papel que desempenhou, nos anos 60 do século XX, na definição de uma Nova Canção de Coimbra. 

Durante a palestra foi, essencialmente, focada a prestação de João Bagão nos trabalhos que gravou com Luís Goes, a partir de 1966, e que contribuíram para a inovação da Canção de Coimbra, com as músicas a serem mais adaptadas à guitarra. “João Bagão não tinha uma mentalidade fechada e tinha um carácter franco e honesto em relação à música de Coimbra”, referiu Fernando Marques, a propósito da faceta inovadora que o guitarrista trouxe à Canção de Coimbra.

João Bagão destacou-se ainda pela forma simples com que acompanhou Paradela de Oliveira e que representou um momento de viragem. “João Bagão nunca estava satisfeito com o que fazia e nos ensaios apresentava sempre novas propostas para os temas”, explicou Fernando Marques, acrescentando: “Era um perfecionista e criativo, que deixou uma marca fundamental e diferente do que se fazia na época.”

O orador fez questão de referir ainda a ida de João Bagão para Lisboa, o facto de ele, por lá, ter frequentado casas de fado, o acompanhamento que fez a Maria Teresa de Noronha, defendendo que todo este seu percurso abriu-lhe novas prestativas na forma de olhar para a guitarra. Fernando Marques terminou a sua palestra, que contou com momentos musicais protagonizados pelos alunos da secção de fado da Associação Académica de Coimbra, do grupo Desassossego, mostrando ao público uma guitarra sua que pertenceu a João Bagão.

Esta foi a sexta sessão do ciclo “Canção de Coimbra: Cultores e Repertórios”. Um total de oito palestras, organizadas pela CMC, com o objetivo de promover este género musical enraizado na cultura urbana da cidade e que projetou o nome de Coimbra para o mundo."


Nota de rodapé.

Outra Margem, 6 de Julho de 2006.

"João Bagão, era  meio irmão de Emília Maria, Poetisa nascida na Gala (ou na Costa de Lavos) a 16 de Março de 1909, de seu nome completo Emília Maria Bagão e Silva, que faleceu a 22 de Março de 1979, na Figueira da Foz.

A Poetisa era filha de Elísio dos Santos Silva, da Costa de Lavos, e de Clementina Bagão, mais conhecida por Clementina da Banca.
(Informação recolhida a partir do livro Terras do Mar Salgado, do Capitão João Pereira Mano)

domingo, 18 de setembro de 2022

CELEBREMOS O 24 DE AGOSTO NA FIGUEIRA DA FOZ E O LIBERALISMO CONTRA O FEUDALISMO...

Crónica publicada na edição do mês de Agosto da Revista ÓBVIA

Na Figueira e no País, 24 de Agosto é um dia e uma data especial.
Foi neste dia, em 1820, que através de uma revolução, foi instalado o Liberalismo.
Foi nesta data que, há duzentos e dois anos, se começaram a dar os primeiros passos, que estão a ser longos, demorados, dolorosos e tímidos, para ultrapassar o principal problema estrutural deste País: o feudalismo, um sistema caracterizado pelo elitismo económico monopolista e tacanho, pela feudalização jurídico-política que nos conduziu pelos caminhos do "chico-espertismo" de caciquismo ridículo e oportunista.
Desde a Idade Média que, neste país, secularmente periférico e subdesenvolvido, mesmo depois da revolução de 1820, com especial relevância no período da ditadura do Estado Novo (desde a aprovação da Constituição portuguesa de 1933 até ao seu derrube pela Revolução de 25 de Abril de 1974) e depois, que os resquícios do feudalismo continuam e estão muito longe de serem ultrapassados e, muito menos, resolvidos.
Também por isso, o 24 de Agosto tem de continuar a ser recordado na Figueira.
Presumo que ninguém desconhece que, em 1820, na chegada do Liberalismo ao nosso país, foi determinante o jurista Manuel Fernandes Tomás.
Citando o meu Amigo e saudoso Capitão João Pereira Mano, no seu livro «Terras do Mar Salgado» (uma das maias importantes e obras que, desde sempre, foram escritas e publicadas sobre a História Marítima e Local da Figueira da Foz), "a família de Manuel Fernandes Tomás era uma família dos ambientes marítimos e comerciais da Figueira da Foz".
Para a afirmação de uma República livre e responsável, o exercício da "cidadania" na construção do Estado, tendo em vista a mudança da sociedade no sentido da modernização e do futuro, é acção decisiva e determinante.
Manuel Fernandes Tomás, que viveu entre 1771 e 1822, foi um dos principais obreiros da decisiva revolução de 1820. Para além da sua acção organizativa e política para a vitória da revolução de 24 de Agosto de 1820, antes, «foi um importante jurisconsulto apontado para a modernização e racionalização do ordenamento jurídico português, por isso o autor que produziu o "Repertorio geral ou índice alphabetico das leis extravagantes do reino de Portugal, publicadas depois das ordenações, compreendendo também algumas anteriores que se acham em observância", em 1815.»
Em 2022, duzentos e dois anos decorridos após a revolução e a Constituição Liberal de 1820, continua a ser pertinente recordar a figura do "Patriarca da Liberdade”.
A celebração da memória, faz parte do combate pelo Progresso e pelo Futuro.
Na Figueira, sempre foi proibido questionar convenções. Quem o faz, é imediatamente alvo de campanhas de ostracização.
Se algo ameaça a postura convencional, então é porque é extremista, ou marginal, ou pior.
Assim, não é de surpreender que – talvez na Figueira mais do que em qualquer outra cidade - os génios sejam quase todos póstumos.
É biografia recorrente aquela que acaba por concluir que, em vida, a excelsa pessoa nunca foi compreendida ou admirada. Manuel Fernandes Tomás foi preciso morrer na miséria e na amargura para postumamente lhe reconhecerem o devido valor.
Vivemos na Figueira, uma cidade em que no ano de 2022, a realidade continua a não coincidir com a representação da realidade. Isto, não obstante a realidade da representação da realidade.
O que significa que, enquanto realidade, nos encontramos algures, menos na cidade chamada Figueira da Foz, onde em 31 de julho de 1771 nasceu Manuel Fernandes Tomás, e onde todos devíamos abertamente falar de liberdade...
Numa democracia, não se entende a necessidade de existirem organizações secretas, compostas por elementos afectos, transversalmente, às diversas instituições públicas e privadas. Existem elementos da política, dos partidos, dos poderes judiciais, do poder económico e empresarial, entre outros...
Putativamente, até os cangalheiros, gatos e os periquitos devem estar representados (porque estes também são dignos de defenderem os seus interesses). Ao longo dos anos, muitos escândalos rebentaram ligados a estas organizações, de gente livre e de bons costumes, como soe dizer-se na linguagem maçónica. Os casos abanam as confrarias, mercearias, regulares, irregulares, mas cair não caiem, aguentam-se nos pilares, ou nas colunas dos templos, como eles dizem. Os interesses instalados, são muito sólidos e resistentes. Existem muitas coisas, demasiado importantes, que são
decididas à luz da vela, sob chão axadrezado, que os profanos (os Zézitos do Povinho), segundo os iluminados, não conseguem ver o alcance da coisa. Nestes espaços, são escolhidos candidatos a deputados, Presidentes de Câmara, vereadores, dirigentes da administração pública afectos aos partidos de poder (PS, PSD, CDS) e são escolhidos elementos em lugar chave da sociedade dita civil, numa lógica de nacional porreirismo fraterno, onde se trocam favores e a meritocracia é engavetada.
Isto, contraria a bondade dos objectivos desta organização secular e as boas práticas. Ainda assim, existem bons exemplos, como é o caso do homenageado - Fernandes Tomás, que morreu na penúria, para honrar os altos valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Mas, o que abunda são os beatos,
que batem com a mão no peito nas missas... É caso para dizer: bem prega Frei Tomás, olha para o que ele diz e não para o que faz.
Adiante: estamos próximo do “24 de agosto, dia de arejar os aventais”.

terça-feira, 5 de julho de 2022

"Os festeiros" Santana Lopes e Jorge Aniceto não deixaram morrer a Festa em honra de São Pedro na Cova e Gala

No passado domingo, aconteceu algo inédito no concelho da Figueira da Foz. Para evitar a recolha da Bandeira ao interior da Capela, por não haver quem protagonizasse a continuidade e a realização da festa em honra do padroeiro na Cova e Gala, em 2023, Santana Lopes, presidente da Câmara da Figueira da Foz, e Jorge Aniceto, presidente da Junta de Freguesia de S. Pedro, "chegaram-se à frente e assumiram o papel de festeiros". Desta maneira, evitaram que, em 2023, houvesse uma interrupção numa Festa centenária, pois segundo João Pereira Mano, a Festa de S. Pedro da Cova e Gala, foi trazida de Ílhavo, em meados do século XVII, pelos habitantes que fundaram a Cova e, mais ou menos 40 depois, a Gala.
Imagem via Diário as Beiras

O caso é curioso. O que aconteceu, observado sobre o ponto de vista político e religioso, é interessante e merece reflexão.
Santana Lopes e Jorge Aniceto, assumiram o seu papel de "festeiros", enquanto pessoas ou enquanto políticos?
A sua Liberdade religiosa, enquanto pessoas, é total e absoluta e ninguém pode questionar ou colocar em causa. Porém, a sua liberdade de manifestação religiosa, enquanto políticos que representam um universo de pessoas que têm toda a Liberdade de outras opções religiosas, pois vivemos num estado laico, não é bem a mesma coisa. 
Há momentos em que determinadas manifestações religiosas podem colidir com a Liberdade religiosa de outras pessoas que os políticos representam.
 
Contudo, não faço disto uma questão decisiva e acredito que, mais do que a legislação, é o bom senso que deve prevalecer, equilibrando sem dramas as regras decorrentes do estatuto de estarmos num Estado não confessional, por um lado, e a preservação da história, dos  costumes e das tradições, por outro. 
A meu ver, a Liberdade, incluindo a religiosa, nunca pode ter um conteúdo negativo. Sou sempre pela possibilidade de expressão, de associação, de ensino, de visibilidade, de diálogo e reconhecimento público e institucional. 
Estas sim, de facto são questões decisivas, não negociáveis, da Liberdade, incluindo a  religiosa. A Liberdade de uns, nunca se pode fazer à custa da liberdade dos outros. 
A história da humanidade já nos ensinou as consequências trágicas dessa visão. No limite, pode conduzir a contornos revanchistas e totalitários.

A laicidade, ou melhor, a laicização - palavra que traduz melhor a ideia de um processo em movimento -, é uma marca comum a todas as sociedades democráticas: significa a autonomização da sociedade em relação à religião, processo através do qual a religião deixa de estruturar a organização social e legal. As diferentes instituições religiosas podem fazer campanha em defesa dos seus valores e ideias, mas não podem ter força legal para os impor. 
A Igreja Católica pode combater contra a Lei do Aborto, ou ser contra os casamentos homossexuais, mas não tem força legal para evitar isso se a maioria do povo, em eleições, assim o decidir.

Nos países predominantemente católicos, como é caso de Portugal, marcados pelo conflito entre o Estado e a Igreja, a laicização foi normalmente imposta por cima, a partir do Estado. Nos países protestantes, onde as igrejas conheceram uma mutação interna profunda, a autonomização da sociedade em relação à religião partiu de baixo, da própria sociedade civil.
A laicização tomou formas diferentes em cada país, em função da sua história, das suas tradições e da sua cultura. Em Portugal, temos um estatuto de separação com cooperação com as diferentes confissões. 
Devia imperar a diversidade e a liberdade religiosa. 
Há países em quem não é assim. Nos EUA, onde moram muitos habitantes da Cova e Gala que para lá emigraram em busca de melhores condições de vida, embora o  sistema seja de clara separação entre o Estado e a Igreja, a religião tem uma forte presença não só na sociedade, mas nos próprios actos públicos. 
Em Portugal, isso seria considerado uma ofensa à laicidade e uma "beatice". Podemos entender esta perspectiva do ponto de vista histórico. Contudo, em minha opinião, isto revela uma visão errada da laicidade, entendida não como a condição de liberdade religiosa, mas como a condição da erradicação da religião. É que, apesar do que se diz em contrário, em certos sectores políticos, a religião continua a ser encarada como "o ópio do povo".
A meu ver, a tomada de posição de Santana Lopes e Jorge Aniceto, não encerra polémica nenhuma, pois são "festeiros" e vão realizar a Festa de São Pedro,  em 2023, enquanto pessoas crentes e devotas e não enquanto políticos.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Figueira, obviamente uma cidade de mar e rio

A crónica de António Agostinho publicada na Revista Óbvia em Dezembro de 2021

Sou filho, neto e bisneto de pescadores da "faina maior", a pesca do bacalhau. 

A pesca do bacalhau, à linha, com dóris de um só homem, uma heróica e sofrida singularidade portuguesa, foi uma autêntica escravatura. "Maus tratos, má comida, má dormida... Trabalhavam vinte horas, com quatro horas de descanso e isto, durante seis meses. A fragilidade das embarcações ameaçava a vida dos tripulantes".

A  pesca do bacalhau, nas primeiras décadas do século XX, contribuiu decisivamente  para o desenvolvimento da Figueira da Foz. Nas campanhas de 1913/14, foi o nosso porto que mais navios enviou à Terra Nova: 15 , ou seja, quase metade de toda a frota nacional. 

No final do século passado, o poder político pensou colocar um monumento no molhe norte, para homenagear aqueles que, durante décadas, fizeram da pesca do bacalhau um marco na história marítima da Figueira da Foz.

Essa ideia dos políticos, não deixou de constituir outra singularidade, mas esta figueirense.

Cito Manuel Luís Pata:  "o lugar escolhido não era uma homenagem, mas sim falta de bom senso. O acrescento ao molhe norte foi uma obra sem qualquer estudo racional. Considero que o aumento de 400 metros foi uma obra criminosa,  porém, como apregoam que vivemos em democracia, sinto-me com o direito de proibir que o meu nome e dos meus familiares falecidos sejam colocados em tal local! O lugar certo seria no "José Cação", o último bacalhoeiro da Figueira da Foz."

Recorde-se: em 1998, houve uma tentativa de  transformar  este navio em museu. Santana Lopes tinha tomado posse de presidente da Câmara Municipal há poucos meses. O Dr. António Cação chegou a oferecê-lo à Câmara Municipal. Porém, a oferta não foi aceite. Sem o apoio da Câmara, acabou por ser demolido em 2002-2003. Hoje, poderíamos ter o navio "José Cação" transformado em Museu, instalado numa abertura feita na Morraceira, junto à Ponte dos Arcos. 

Recordo as palavras do vereador  Miguel Almeida: “esta proposta (a oferta do navio que o dr. António Cação fez em devido tempo à Câmara Municipal da Figueira da Foz, presidida na altura por Santana Lopes) foi o pior que nos podia ter acontecido”.

Como disse na altura Manuel Luís Pata, “nem toda a gente entende que na construção do futuro é necessário guardar a memória”.  

Ílhavo tem um belo museu, o navio Santo André, e tem o casco do Santa Maria Manuela. E o que tem a Figueira que honre os seus filhos que andaram na "faina maior"?

Quem quiser saber a importância que a "faina maior" teve na Figueira da Foz, até à década de 80 do século passado, tem de recorrer aos livros que Manuel Luís Pata publicou em 1997, 2001 e 2003. Lá estão coligidas notícias, referências escritas e testemunhos orais, textos, comentários e recordações pessoais, sobre a Figueira da Foz e a relevância da Pesca do Bacalhau no desenvolvimento do nosso concelho.

Como escreveu Pinheiro Marques: "se a Figueira da Foz tem reunidos os elementos para a sua História Marítima nos séculos XIX-XX, deve-o à Cova-Gala (São Pedro): deve-o ao Capitão João Pereira Mano e ao Senhor Manuel Luís Pata."

E, já agora, por ser justo, ao Dr. Pinheiro Marques e ao "Centro de Estudos do Mar (CEMAR) que esteve na publicação dos seus livros, desde 1997."

A Figueira tem uma história rica e importante  no panorama marítimo português.  Porém, ao contrário do que acontece, por exemplo, em Ílhavo, pouco existe como testemunho da forte ligação dos figueirenses ao mar e ao rio. 

Na Figueira, é esta a situação no final de  2021, ano em que o Dr. Pedro Santana Lopes foi de novo eleito presidente. No acto de posse disse:  “as pessoas têm de saber que quando quiserem estudar, investigar e tratar de assuntos do mar o melhor sítio em Portugal é a Figueira da Foz”.

Presumo que o Dr. Pedro Santana Lopes não desconheça que o Governo vai investir 87 milhões de euros na economia do mar e à Figueira não vai tocar nada. No passado dia 16 do passado mês de Novembro, Ricardo Serrão Santos, Ministro do Mar, na abertura do Expo Fish Portugal, em Peniche, "afirmou que o Governo vai investir 87 milhões de euros, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), em centros de investigação e de desenvolvimento de produtos para a economia do mar no Algarve, Lisboa, Oeiras, Peniche, Aveiro e  Porto. Nos Açores haverá um hub similar financiado por outro projeto da componente Mar no PRR".

Os figueirenses sabem que, desta vez,  o Dr. Santana Lopes prometeu cumprir três mandatos, o máximo permitido por lei. Porém, para quem quer uma Figueira “na frente, liderante”, o tempo começou a contar. Para “a Figueira  vir ser a capital do mar, liderar na investigação e na ciência, e, para isso, fazer nascer um centro de investigação em ciências do mar”, dada a fortíssima concorrência (por exemplo de Aveiro), vai ser necessário muito trabalho.

A Figueira é uma  terra de mar e rio. Tem cabimento,  pois, a ideia de tornar a Figueira "no melhor sítio para estudar, investigar e tratar de assuntos do mar em Portugal.” Contudo, sem esquecer o que ainda não foi feito: prestar tributo à memória.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

CELEBRAR O DIA 24 DE AGOSTO E O LIBERALISMO, CONTRA O FEUDALISMO, NA FIGUEIRA DA FOZ DO MONDEGO

«O dia de hoje, 24 de Agosto, é um dia muito especial. Não somente por outras razões — e a menor delas não é seguramente o facto de ser o dia, de marés vivas (antigamente), que em Portugal é considerado como sendo "o dia de São Bartolomeu" ou "dia em que o Diabo anda à solta"… e por causa disso em São Bartolomeu do Mar, em Ponta da Barca, e em outros locais, as comunidades marítimas e fluviais o festejarem especialmente com rituais antiquíssimos que fazem parte da Cultura Popular Marítima Portuguesa — mas também porque esta data de 24 de Agosto é a data em que neste país ocorre a efeméride da revolução de 24 de Agosto de 1820… através da qual foi aqui instalado o Liberalismo, e assim se começaram a dar os primeiros passos decisivos (que, depois, ainda iriam ser muito demorados, dolorosos, e incompletos), para a ultrapassagem daquele que, desde sempre, e para sempre, foi, é, e continua a ser, o principal problema estrutural deste país que se chama Portugal, e da sua História: o Feudalismo… O regime senhorial-feudal caracterizado pelo senhorialismo económico monopolista e provinciano, pela feudalização jurídico-política, de tipo local, autenticamente vassálico, e que, muitas vezes, anedoticamene, ou tragicamente, chega a situações extremas, e ridículas, de caciquismo mafioso.

   
O senhorialismo feudal, típico do "Antigo Regime", desde a Idade Média, e que, neste país, secularmente periférico e subdesenvolvido, mesmo depois dessa revolução de 1820, tem deixado resquícios que têm demorado demais para serem totalmente ultrapassados.

E, hoje, 24 de Agosto de 2020, não se celebra só uma efeméride qualquer e igual a todas as outras, nos outros anos, rotineiramente (não é também somente a data do nascimento do grande escritor mundial, o argentino, de origem portuguesa, Jorge Luis Borges). Hoje, em 2020, celebram-se os duzentos (200) anos do 24 de Agosto de 1820.

E portanto o CEMAR (Centro de Estudos do Mar), com sede na Figueira da Foz do Mondego — embora sempre primacialmente vocacionado para outras matérias, de História e de Património Histórico Marítimo, que não as da História Política portuguesa e metropolitana — não poderia nunca deixar de aqui recordar esta data especialmente significativa, pois ninguém ignora, nem deve ignorar, que nessa revolução de 1820, e na consequente instauração do Liberalismo em Portugal, desempenhou um papel determinante um homem notável provindo desta cidade da Foz do Mondego, o jurista Manuel Fernandes Tomás. Como mostrou o Asssociado Honorário do CEMAR Capitão João Pereira Mano, no livro "Terras do Mar Salgado" que foi editado pela nossa associação científica, a família de Manuel Fernandes Tomás era uma família dos ambientes marítimos e comerciais da Figueira da Foz (vide Cap. João Pereira Mano, Terras do Mar Salgado. São Julião da Figueira da Foz - São Pedro da Cova-Gala - Buarcos - Costa de Lavos e Leirosa, Figueira da Foz: CEMAR, 1997).
   
É mesmo uma curiosa e significativa coincidência o facto de, na História de Portugal, para a afirmação da nacionalidade livre e responsável (o que, hoje, numa República, chamamos "a cidadania") — para a construção do Estado e para a reforma da sociedade no sentido da modernização e do Futuro (no foro decisivo, que é o jurídico-político e constitucional) —, terem tido reflexões teoréticas estruturantes, e papéis políticos determinantes, a quase quatro séculos de distância (!),  duas figuras históricas que, por acaso, se deu a coincidência de terem estado ambas ligadas a esta região, aberta, comercial e progressiva: no século XV o Infante Dom Pedro (1392-1449), Duque de Coimbra e Senhor de Buarcos, Montemor, etc., que governou o país e mandou promulgar as decisivas (civil e "constitucionalmente""Ordenações Afonsinas" de 1446; e no século XIX o jurista Manuel Fernandes Tomás (1771-1822), que nasceu na Figueira da Foz e foi um dos principais obreiros da decisiva (civil e "constitucionalmente") revolução de 1820.
   
O  primeiro foi o verdadeiro responsável não só pela reflexão filosófica e politológica pessoal que ficou consignada no "Livro da Virtuosa Benfeitoria" de c.1431 mas também pela pioneira e fundacional organização jurídica, sistemática e colectiva, que ficou consignada nas primeiras "Ordenações", em 1446; e o segundo, para além da sua acção organizativa e política, e ainda antes dela, foi também um jurisconsulto apontado para a modernização e racionalização do ordenamento jurídico português, e por isso o autor que produziu o "Repertorio geral ou índice alphabetico das leis extravagantes do reino de Portugal, publicadas depois das ordenações, comprehendendo também algumas anteriores que se acham em observância", em 1815.
   
Ambos por isso merecem ser evocados especialmente nesta cidade da Foz do Mondego (e têm-no sido), e os seus exemplos podem e devem ser aproximados (e ainda não o foram suficientemente), e é isso que, pela parte do CEMAR, hoje, aqui, se está a fazer. O exemplo de Fernandes Tomás, que a partir do Porto preparou uma revolução, e deu um futuro ao país, tem sido recordado, em termos cívicos e políticos, por quem tem obrigação de o recordar; e a figura do malogrado Infante Senhor de Buarcos que foi assassinado em Alfarrobeira, às portas de Lisboa (e, nessa ocasião, não por acaso, tinha aí consigo os Pescadores de Buarcos), tem sido sobretudo evocada pelo CEMAR (como nos compete, por sermos uma associação científica local apontada para o Património Cultural Marítimo desta região da Beira Litoral e Foz do Mondego).

Neste ano de 2020 — no ano que é, em números redondos, dos dois séculos da revolução e da Constituição Liberal de 1820 — espera-se que, portanto, sejam possíveis as celebrações, verdadeiramente significativas, que ainda venham a poder ser feitas, no decorrer do ano, e até ao seu fim, na sua cidade da Figueira da Foz, do jurisconsulto e homem político que aqui nasceu em 1771. Ao que parece, infelizmente, não veio a concretizar-se a ideia que havia sido proposta numa conferência de S.E. o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, realizada no Salão Nobre da Câmara Municipal da Figueira da Foz, promovida pelo seu anterior Presidente de Câmara (um jurista nascido nesta mesma cidade em que veio a ser autarca, depois de ser Juiz Desembargador no Tribunal da Relação de Coimbra, o Exº Senhor Dr. João Ataíde, entretanto precocemente falecido): a ideia de que esta cidade natal de Fernandes Tomás tomasse a dianteira, caminhasse nesse sentido, e trabalhasse para isso, e assim fosse a cidade em que viessem a ser centralizadas celebrações verdadeiramenete nacionais, e significativas, da figura do "Patriarca da Liberdade”.

Pela parte da nossa pequena associação científica privada — que nisso não poderia nunca ter especiais responsabiidades, ou capacidades, pela exiguidade dos nossos recursos (sempre sem querer receber e gastar dinheiro público) e por não ser essa a nossa vocação estatutária — aquilo que desde há muito temos praticado, e consideramos a nossa própria celebração do Liberalismo oitocentista, estando sediados na Figueira da Foz, foi a publicação (e a distribuição, gratuita, e generalizada, oferecidos a quem quer que no-los peça) dos dois grossos e sólidos volumes (tão grandes em dimensão quanto em qualidade, erudição, e interesse) da obra do nosso querido e saudoso associado Professor Hélio Osvaldo Alves, professor catedrático da Universidade do Minho, doutorado pelo University College da Universidade de Londres, presidente da Associação Portuguesa de Estudos Anglo-Americanos, etc., e que tivemos o prazer e a honra de ter como segundo presidente da Assembleia Geral do Centro de Estudos do Mar (sucedendo nessas funções ao também saudoso Dr. Luís de Melo Biscaia, vereador da Cultura da Câmara Municipal da Figueira da Foz, entretanto também ele já falecido).

A distribuição, gratuita e desinteressada, que desde há anos fazemos (e vamos continuar a fazer, para quem no-los peça) desses dois importantes volumes sobre História do século XIX que o CEMAR invulgarmente editou na Figueira da Foz (e que são, na carteira editorial global das dezenas de edições do CEMAR, algo de verdadeiramente único e excepcional, por não dizerem especialmente respeito à vocação estatutária desta associação apontada para o Mar e a História Marítima) é a nossa maneira de celebrarmos o Liberalismo oitocentista (a Revolução Francesa, e os seus reflexos em toda a Europa, em Portugal, e até mesmo em Inglaterra).

Estes volumes ainda hoje continuam a ser oferecidos a partir da Figueira da Foz.

A outra forma através da qual o CEMAR vai prestar o seu contributo para a celebração do Liberalismo, na Figueira da Foz, neste ano emblemático de 2020, vai ser através da manutenção do Encontro do Mar (embora, devido à pandemia da Covid 19, em teleconferência e emissão telemática, e não ao vivo e com público presente) que estava previsto, na culminação do ano, e na culminação dos Encontros do Mar, para o dia 12 de Dezembro de 2020, com o Professor José Adelino Maltez (do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa), sob o tema "(Re)Pensar a Regeneração de Há Duzentos Anos (1820-2020).

A celebração da memória do Progresso, desde a Idade Média — e o resgate da "maldição" dessa "memória" — têm sido, desde há vinte e cinco anos, um combate do Centro de Estudos do Mar nesta cidade da Figueira da Foz; e no que diz respeito à figura medieval do Regente da Coroa de Portugal que foi Senhor de Buarcos e deu a Portugal o seu primeiro código sistemático de leis — um momento, fundacional, da construção do Estado Português, contra o Feudalismo — esse combate vai continuar a ser travado, para futuro, no âmbito do processo para a definitiva e inadiável criação do Museu do Mar da Foz do Mondego nesta cidade. Um processo que, no entanto, continua numa situação incompreensível, sem que acerca dele existam quaisquer desenvolvimentos, pelos quais se continua a aguardar.

O combate pelo Progresso e pelo Futuro, nas regiões da Beira Litoral do antigo Ducado de Coimbra do Infante Dom Pedro e do seu neto e herdeiro político, o "Príncipe Perfeito" Dom João II (a quem o cronista chamou, logo no século XV, "próprio e verdadeiro coração da república"), é um combate que o CEMAR faz desde a sua fundação, em 1995, com a publicação, logo nesse primeiro ano, do livro de Alfredo Pinheiro Marques, A Maldição da Memória do Infante Dom Pedro e as Origens dos Descobrimentos Portugueses (Figueira da Foz: CEMAR, 1995).

Os inimigos desse Progresso e desse Futuro são aqueles que, desde o princípio, nos séculos XV-XVI, sempre o foram (e já se instalaram cá na Beira Litoral para isso mesmo, para asfixiar estas regiões). Os seus expoentes principais são o senhorialismo, de tipo eclesiástico (mesmo quando dito "pós-moderno"… e sempre hipocritamente "intelectual"), da Universidade que foi trazida de Lisboa, juntamente com a criação da Inquisição, em 1536-1537, precisamente para asfixiar política e culturalmente, e oprimir económica e socialmente, estas regiões da Beira Litoral (intitulando-se, desde então, com o nome de "Universidade de Coimbra", e ao longo dos séculos seguintes semeando a ignorância, o reaccionarismo e a hipocrisia à sua volta), e o senhorialismo feudal e nobiliárquico de um ramo colateral da Casa de Bragança, o dos Duques de Cadaval (Condes de Tentúgal e Marqueses de Ferreira), que, desde o século XVI, foram instalados em Tentúgal e em Buarcos precisamente para asfixiarem todas estas regiões da Beira Litoral que haviam sido do Ducado de Coimbra, e ao longo dos séculos seguintes o fizeram sempre. E por isso não é de admirar que, depois, nas décadas iniciais do século XIX, essas duas entidades senhoriais e feudais, a Universidade dita "de Coimbra", instalada no antigo Paço da Alcáçova onde havia vivido o Infante Dom Pedro, e os Duques de Cadaval instalados no Paço de Tentúgal onde também havia vivido o autor da "Virtuosa Benfeitoria", fossem regionalmente os dois expontes máximos do reaccionarismo absolutista, caceteiro, e boçal, que em nome do Feudalismo tentou impedir o advento do Liberalismo em Portugal.

Os Duques de Cadaval, latifundiários e feudais em pleno século XIX, e por isso odiados pelas populações locais (quer pelos camponeses de Tentúgal, quer pelos pescadores de Buarcos), foram por fim desalojados pelo triunfo do  Liberalismo, e o antigo Paço do Infante Dom Pedro em Tentúgal (que ocupavam desde há três séculos!), por ser seu, incendiado pelas populações.

O outro exponte regional do Absolutismo caceteiro e reaccionário, a Universidade trazida de Lisboa juntamente com a criação da Inquisição em 1536-1537, e desde então já instalada em Coimbra desde há mais de dois séculos, e por isso auto-intitulando-se com o nome, abusivo e erróneo, de "Universidade de Coimbra", teve por fim nas primeiras décadas do século XIX que se conformar com o triunfo do Liberalismo que não conseguiu impedir (nem ela, nem o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra… ao qual, desde o princípio, sempre esteve umbilicalmente ligada, pela hipocrisia clerical e pela ignorância doutoral, apropriando-se ambos do nome da "Sophia" do Infante Dom Pedro, e a partir de Coimbra se digladiando feudalmente e judicialmente pela posse dos senhorios económicos da Beira Litoral, desde o castelo de Buarcos até Leiria, etc.).

E assim essa Universidade continuou pelo século XIX adiante, para na sua segunda metade sobre ela ser dito o que havia para ser dito, como merecia, por Antero de Quental e Eça de Queirós. E pela célebre frase, habitualmente atribuída a Guerra Junqueiro, sintetizando tudo.

O que essa Universidade continuou a fazer sempre — não por acaso… (e, assim, cobrindo-se de ridículo…) — foi continuar a ensinar, nos bancos das suas aulas de História e de Direito, ainda em pleno século XX (praticamente até à data de 25 de Abril de 1974…!), a curiosíssima concepção, tão reveladora, de que "em Portugal nunca existiu o Feudalismo"… [sic]…  Era, e continuou a ser, para sempre, a Universidade em que, em pleno século XX, a História poderia vir a ser ensinada, e dirigida (como veio), por alguém como Torquato de Sousa Soares…

Trata-se, aqui, em tudo isto (que é a História de Portugal…), de facto, da questão, de sempre, do Feudalismo e do Liberalismo. E, agora, estamos em 2020, duzentos anos depois.»

sábado, 11 de agosto de 2018

A Aldeia e a vila que não existe...

"A Cova-Gala, tem origem na fixação de pescadores, oriundos de Ílhavo, nas dunas da praia da Cova, por volta 1750/1770.
De acordo com alguns documentos, estudados pelo único Homem que realizou verdadeira pesquisa histórica sobre as origens da Cova e Gala, o Capitão João Pereira Mano, tempos houve em que pescadores naturais de Ílhavo, desceram a costa portuguesa à procura de peixe e água potável que lhes permitisse a sobrevivência.
Sediaram-se na cova de uma duna, um local a que passaram a chamar de Cova.
A Gala, é uma povoação mais recente, nasceu cerca de 40 anos depois, quando alguns dos pescadores se deslocaram para nascente e ergueram pequenas barracas ribeirinhas, para recolha de redes e apetrechos de pesca.
Apesar do passado de cerca de 250 anos destas duas povoações, a Freguesia de S. Pedro é recente, foi criada em 1985.
A Vila de São Pedro, criada em 5 de Junho de 2009, é a “a povoação de São Pedro ( uma coisa que não existe!..), no concelho da Figueira da Foz, distrito de Coimbra, elevada à categoria de Vila”.
Se duvidam disto, leiam o Diário da República nº. 150, 1ª. Série, Lei nº. 58/2009.
Um Povo que não preserve o seu passado e as suas raízes não tem futuro. E a Cova e a Gala têm um passado de que todos nos devemos orgulhar.
E, temos de saber preservar, com rigor e com verdade, e não ao sabor conjuntural dos interesses politiqueiros, seja de quem for."
António Agostinho, 7 de dezembro de 2009

Enquanto que a fundação da Aldeia se estruturou em torno da satisfação de necessidades elementares das suas gentes, que ela enquanto Aldeia garantiu de facto ao maior número, a invenção de uma vila que não existe, estando longe de garanti-las adequadamente à maioria dos seus habitantes, moveu-se por outras causas:  o desejo de imortalidade do homem, manifestado pela criação de monumentos.

Porém, a verdade histórica está escrita...

segunda-feira, 26 de março de 2018

Quando a entrevista custa a arrancar, a malta do Entre os Ventos e as Marés, até canta!..

Ontem, foi dia de gravação de mais um programa Entre Os Ventos e as Marés.
Cova Gala é uma Terra com gente, com história e com memória, como deixou registado, para todo o sempre, o único Homem que realizou verdadeira pesquisa histórica sobre as origens da Cova e Gala, o Capitão João Pereira Mano.
Tempos houve, por volta de 1750/1770, em que pescadores naturais de Ílhavo, desceram a costa portuguesa à procura de peixe e água potável que lhes permitisse a sobrevivência. 
Sediaram-se na cova de uma duna, um local a que passaram a chamar de Cova. 
A Gala, é uma povoação mais recente, nasceu cerca de 40 anos depois, quando alguns dos pescadores se deslocaram para nascente e ergueram pequenas barracas ribeirinhas, na margem do braço sul do rio Mondego, para recolha de redes e apetrechos de pesca. 
Apesar do passado de cerca de 260 anos destas duas povoações, a Freguesia de S. Pedro é recente, foi criada em 4 de outubro de 1985. 
Adelaide Sofia, nossa entrevistada da emissão que vai para o ar na próxima quinta-feira, pelas 22 horas, nasceu a  11 de fevereiro 1985, no HDFF, na Gala, então Freguesia de Lavos. 
Portanto, tem mais 8 meses de idade do que a freguesia de S. Pedro. 
É uma mulher linda e uma bela “artista”, “fadista” e “cantadeira”.
É, também, política: faz parte da bancada do PS na Assembleia Municipal da Figueira da Foz.
O Olímpio fez gazeta (a idade não perdoa...) e a despesa da emissão ficou a meu cargo e do To Zé Carraco... Talvez, por isso, a coisa não estava fácil... Faltava o charme do "zé barbeiro"!..
Para descontrair e aquecer as vozes, aconteceu a brincadeira. O resultado pode ser visto clicando aqui.
Depois, a entrevista arrancou e fluiu. O resultado vai para o ar na próxima quinta-feira, na antena da Foz do Mondego Rádio.
Não percam...

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

À memória do Capitão Álvaro Abreu da Silva recentemente falecido...

FALECEU O CAPITÃO FIGUEIRENSE ÁLVARO ABREU DA SILVA, UM DOS ÚLTIMOS CAPITÃES PORTUGUESES DA PESCA LONGÍNQUA DO BACALHAU À LINHA; PIONEIRO DA TRANSFORMAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO DESUMANAS DOS PESCADORES PORTUGUESES DESSA PESCA; E ASSOCIADO HONORÁRIO DO CENTRO DE ESTUDOS DO MAR (CEMAR)
Diário de Coimbra de 18.1.2018

O Centro de Estudos do Mar e das Navegações Luís de Albuquerque (CEMAR) cumpre aqui a obrigação de anunciar a triste notícia do falecimento do seu Associado Honorário, e figura significativa da História Marítima portuguesa e da Foz do Mondego, o Capitão figueirense Álvaro Abreu da Silva, que nos anos 60 do século XX foi um dos últimos capitães portugueses da pesca longínqua do bacalhau à linha, e teve o mérito de ter sido pioneiro da transformação das condições de trabalho desumanas dos pescadores portugueses desse tipo específico de pesca.
Álvaro Abreu da Silva nasceu em 1933 na praia da Vieira de Leiria, numa família numerosa e proprietária de uma das "Artes" (pesca de cerco e alar para terra) da pesca local. Completou os estudos liceais na Figueira da Foz, onde desde a adolescência começou a praticar vela e a participar em regatas.
Fez a sua formação em Lisboa na Escola Náutica, e aí terminou o curso de Pilotagem em Julho de 1957. Logo no mês seguinte realizou o seu sonho de embarcar, como piloto, para o mar alto. Depois de experimentada a pesca de arrasto lateral, onde chegou a fazer duas viagens num só ano (desde logo em onze meses no mar), passou em 1960 para a pesca longínqua do bacalhau à linha, nos mares da Terra Nova e da Gronelândia (no navio "Senhora do Mar", do Porto), e ficou chocado com a vida duríssima dos homens dos dóris. Desiludido com essa experiência, voltou nesse mesmo ano à pesca de arrasto, como imediato, nos litorais africanos do Cabo Branco e da Mauritânia. Aí, em 1961, desempenhou pela primeira vez funções de Capitão.
Comandou, portanto, então, em 1961, um navio de pesca português nos mesmos litorais africanos que haviam sido os litorais reconhecidos pelos Portugueses quinhentos e vinte anos antes (no século XV, em 1441), exactamente ao mesmo tempo em que em Portugal (nesse mesmo ano de 1961) estavam a acabar de ser orquestradas e oficiadas as grandes Comemorações oficiais desses tais "Descobrimentos Portugueses" (os ditos "Descobrimentos Henriquinos" [sic], no Cabo Branco e na Mauritânia…), por ordem dos dirigentes políticos portugueses do regime desse tempo (1960-1961): uns Exos. Srs. chamados Prof. Doutor Oliveira Salazar (Universidade de Coimbra), Alm. Américo de Deus Rodrigues Thomaz, etc., em pomposos cortejos litúrgicos e em anedóticos rituais que foram trombeteados em Sagres (!), Tomar, Viseu, Lisboa, etc..
Quer isso dizer que, nesses mesmos anos de 1960-1961 (que, para alguns, foram anos de celebrações bizantinas, e para outros foram anos de trabalho regular), aconteceu a situação espantosa e impressionante de que quem efectivamente estava a navegar e a comandar um navio português nos litorais inóspitos e desérticos do Saara, no Cabo Branco e na Mauritânia — os litorais cuja navegação oceânica havia sido iniciada na década de 40 do século XV pelos navegadores Nuno Tristão, Gomes Pires, Álvaro Fernandes e outros, nas navegações portuguesas ordenadas nessa década de 40 em que o Regente de Portugal foi o Infante Dom Pedro, Duque de Coimbra e Senhor de Montemor-o-Velho, Buarcos (Foz do Mondego), Mira, Aveiro, Ílhavo, etc. — continuou a não ser ninguém proveniente de Sagres, ou de Viseu... e foi sim um jovem Capitão português que, por acaso, era proveniente da Beira Litoral… da Foz do Mondego…
E esse trabalho foi feito ao mesmo tempo que o Doutor Salazar (UC) e o Alm. Américo Thomaz, em terra, celebraram as anedóticas mentiras políticas da "Escola de Sagres", etc., etc..
A História, ainda que paradoxal, é sempre exemplar, para quem for capaz de a escutar.
No ano seguinte, de 1962, Álvaro Abreu da Silva teve que voltar à pesca à linha, como imediato, num navio de Lisboa. Em 1965, foi pela primeira vez, como imediato, no navio "José Alberto", da Figueira da Foz. Mas dois anos depois (em 1967), nesse mesmo navio de quatro mastros "José Alberto" (o mais célebre dos navios figueirenses), e então já como Capitão, foi Álvaro Abreu da Silva que comandou a viagem à Terra Nova e à Gronelândia no decorrer da qual veio a ser filmado pela National Geographic Society o filme documentário "The Lonely Dorymen" [Os Solitários Homens dos Dóris] (1968), o melhor filme desse tipo sobre a pesca longínqua do bacalhau à linha (a pesca que os Portugueses, anacronicamente, em pleno século XX, continuavam a praticar, em condições absolutamente desumanas, com um homem sozinho em cada dóri, no Árctico, usando tecnologias pouco mais do que medievais).
Se este capitão figueirense não tivesse aceitado (na verdade, querido aceitar) essa equipa de reportagem a bordo do seu navio — precisamente para levar ao mundo a revelação do que era aquela incrível realidade… —, esse documento, único e irrepetivel, em plena década de 60 do século XX, não teria ficado, para sempre, à disposição do olhar dos vindouros. Assim, ficou.

Em 1972, considerando cada vez mais difícil de justificar tanto sofrimento e sacrifício dos homens dos dóris (sozinhos durante tantas horas a bordo de botes tão pequenos em pleno Mar Árctico), Álvaro Abreu da Silva teve um papel decisivo na grande e inédita revolução então operada: conseguiu convencer o armador a um plano de renovação da modalidade de pesca, que deixou de usar botes e linhas e passou a usar redes de emalhar (sem que os pescadores tivessem que sair do navio, que passou a ser aquecido interiormente, com as redes de emalhar largadas e recolhidas pelo próprio navio, e o trabalho dos homens realizado por turnos).
Álvaro Abreu da Silva considerou essa transformação das condições de trabalho como uma sua grande realização, e disso sempre se orgulhou. Em 1985 fez a sua última viagem, e reformou-se. Teve a felicidade de nunca ter perdido um só homem das suas tripulações, ao longo de toda a sua vida profissional (e com isso também sempre se alegrou).
Em 1998, na companhia do historiador autodidacta local Manuel Luís Pata, e de outros, foi o Capitão Álvaro Abreu da Silva que fez ouvir a sua voz em defesa da tentativa (que, no entanto, veio a revelar-se inglória…) de a Figueira da Foz conseguir salvar da sucata o seu último navio da pesca longínqua do bacalhau (o navio, chamado "Sottomaior", que, depois, veio a chamar-se "José Cação"). O próprio Álvaro Abreu da Silva havia comandado esse navio, no passado; e o tipo de embarcação de que se tratava, e as transformações pioneiras por que havia passado, serviriam exemplaremente para o fim museológico que se pretenderia. Mas, infelizmente, a salvaguarda desse último exemplar de Património Cultural Marítimo figueirense, e a paralela criação, logo então, do Museu do Mar (que nesta cidade da Foz do Mondego já era ansiada desde há tantas décadas), não foram então possíveis.
O navio foi para a sucata, e o Museu do Mar ainda hoje continua sem ter sido criado.
Não há dúvida de que, quando esse Museu for criado (e ele vai ter que ser criado, mais cedo ou mais tarde), a memória de Álvaro Abreu da Silva vai ter que ser lá evocada (tal como as memórias de João Pereira Mano, ou de Manuel Luís Pata).
O Centro de Estudos do Mar, em Março de 2008, por decisão da sua assembleia geral realizada na Praia de Mira, passou a ter como os seus dois primeiros Associados Honorários os dois Capitães portugueses do século XX que tão bem representavam as gerações de homens do mar que, secularmente, saíram para o mundo pela Foz do Mondego: o Capitão João Pereira Mano, capitão da Marinha Mercante, e autor principal da História Marítima figueirense (cujos livros foram todos publicados pela nossa associação científica) e o Capitão Álvaro Abreu da Silva, capitão da Marinha de Pesca, nascido na Praia da Vieira, e figueirense por adopção.
Nessa ocasião, em 2008, foi organizada uma Homenagem a Álvaro Abreu da Silva e a Manuel Luís Pata, na Praia de Mira, pelo Centro de Estudos do Mar e a Câmara Municipal de Mira, e foi publicada a tradução portuguesa, pelo CEMAR, do texto do filme "The Lonely Dorymen" [Os Solitários Homens dos Dóris] (USA, NGS, 1968).
Actualmente está em curso o projecto, dinamizado pelo CEMAR, no sentido de se tentar editar uma edição digitalizada desse filme de 1968 protagonizado por este Capitão figueirense, a sua tripulação, e o seu navio.

Texto: Centro de Estudos do Mar - CEMAR

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Para a história do GRUPO DESPORTIVO COVA-GALA, que hoje completa 40 anos de existência

Fundado a 5 de Outubro de 1977, foi legalizado em 19 de Maio de 1978, tendo  sido gerido por uma Comissão Directiva até 9 de Junho desse mesmo ano.
Nessa noite, em casa emprestada, na sede do Centro Social da Cova e Gala, realizou a sua primeira Assembleia Geral , com a seguinte ordem de trabalhos :
1º - Apresentação de contas ; 2º - Informações ; 3º - Apresentação e aprovação dos Estatutos ; 4º- Eleição dos corpos gerentes .
A única lista apersentada a sufrágio, foi eleita por maioria.
Assembleia Geral: 
Presidente, Carlos Alberto Jesus Lima ; 1º Secretário, António Catulo ; 2º Secretário, Carlos Mano .
Direcção: 
Presidente , José Assunção Afonso Lima ; Vice-Presidente, António Lebre; Secretários , Domingos Casqueira e António Samuel Samuel ; Vogais Alexandre, João Cura e Gafanhão, Suplentes Armando, José Luís Ramos e José Xico.
Conselho Fiscal: 
Presidente, Nelson ; Secretário, Domingos Roda ; Relator, Luís Pereira Mano.

Na foto, de frente, está José Assunção Afonso Lima, 40 anos depois.
Parabéns a todos os que contribuiram, ao longo dos tempos, para a realidade que o GRUPO DESPORTIVO COVA-GALA é hoje.