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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Esta nossa barra..

Se há coisa com que lido mal é com acidentes no mar. Sou filho, neto e bisneto de pescadores, e estas tragédias tocam-me profundamente, até porque tenho antepassados que tiveram o mar como sepultura eterna.
Daí, apesar de ter tido conhecimento da triste ocorrência,  praticamente no momento em que estava a ocorrer, só agora ter  arranjado estofo para publicar este post.
Entretanto, recuei até ao já longínquo ano de 1996. Manuel Luís Pata,  no extinto  Correio da Figueira, a propósito da obra, entretanto  concretizada,  do prolongamento do molhe norte da barra da nossa cidade para sul, publicava isto.
 “Prolongar em que sentido? Decerto que a ideia seria prolonga-lo em direcção ao sul, para fazer de quebra-mar.
Se fora da barra fosse fundo, que o mar não enrolasse, tudo estaria correcto, mas como o mar rebenta muito fora, nem pensar nisso!..
E porquê?... Porque, com  os molhes tal como estão (como estavam em 1996...), os barcos para entrarem na barra  vêm com o mar pela popa, ao passo que, com o prolongamento do molhe em direcção ao sul, teriam forçosamente que se atravessar ao mar, o que seria um risco muito grande...
Pergunto-me! Quantos vivem do mar, sem o conhecer?”
 
Imagens de Pedro Agostinho Cruz
 
Hoje, aconteceu mais um acidente grave na barra da Figueira.
Esta tarde, por volta das 17h30, uma embarcação de pesca  da Póvoa de Varzim afundou-se à saída da barra da Figueira da Foz – molhe sul do Rio Mondego, junto à praia do Cabedelo.
Três pescadores estão ainda desaparecidos e um dos cinco entretanto resgatados está em estado muito grave no hospital.
“Jesus dos Navegantes” era o nome do barco.
“Iam dois barcos a sair e a vaga bateu num deles e virou-o”, disse à Lusa Mário Gomes, um pescador no local.
Um surfista também presente no local,  contou à Lusa que o barco subiu uma onda de três metros, rodou e bateu no mar já virado...
Entretanto, a barra do porto da Figueira da Foz está fechada a toda a navegação, pelo menos até ao início da manhã de sábado, até se aferir a localização da embarcação naufragada.
E fico por aqui... O momento assim o aconselha.

sábado, 8 de outubro de 2022

O Estado Novo em que os intelectuais não eram espancados, mas altamente vigiados, silenciados.

"Brandos Costumes… O Estado Novo, a PIDE e os intelectuais, com coordenação de Luís Reis Torgal, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2022, é um livro que resulta de um projeto de investigação que pretende desvelar o comportamento da polícia política e da censura do Estado Novo face a intelectuais que não eram nada amáveis com o regime forjado por Salazar. 
O coordenador fala-nos na introdução dos brandos costumes dentro do pensamento único exigido pelo ditador, como funcionavam os órgãos repressivos desse regime, como vigiava a PIDE quem afrontava ou procurava desmitificar a ditadura, chamasse-se Aquilino Ribeiro ou Soeiro Pereira Gomes, Amílcar Cabral ou Agostinho Neto. 
Há a preocupação de lembrar o papel da Censura, ela definia os livros cuja circulação era proibida, uma lista farta, incluía obras revolucionárias, obras que abordavam o comunismo, livros de teoria política como os de Maurice Duverger ou Raymond Aron, a obra de Sartre ou Simone de Beauvoir, não faltavam os portugueses como José Vilhena, Natália Correia, Manuel Alegre, como também algumas obras de Jorge Amado. E todos aqueles que assinavam documentos de índole política apelando à libertação de presos ou à reposição das liberdades de expressão iriam ter uma vida menos fácil.

Tomás da Fonseca, que para muitos era o Tomás das Barbas, escritor anticlerical em a quem se deve talvez o libelo mais demolidor sobre as aparições de Fátima, era alvo das atenções da PIDE, teve muitos livros apreendidos, a polícia tratava-o como simpatizante do PCP, que em todos os seus interrogatórios Tomás da Fonseca negou, a despeito das ligações fraternas que manteve com comunistas e companheiros de estrada. O seu funeral foi alvo de relatório da polícia secreta, não se escondeu que chegou um cortejo automóvel com cerca de 100 viaturas ao cemitério de Mortágua onde o esperava uma multidão de 800 a 900 pessoas.

Aquilino Ribeiro também não foi poupado, se bem que um dia Salazar lhe tenha tecido elogios, quando um jornalista francês que lhe pediu para conhecer a realidade nacional, o ditador respondeu: “Comece o seu inquérito por Aquilino. É um inimigo do regime. Dir-lhe-á mal de mim, mas não me importa: é um grande escritor.” 
Acontece que Aquilino era alvo de admiração de pessoas como Marcello Caetano, Santos Costa, António Ferro, Caeiro da Mata, Rafael Duque, incondicionais do salazarismo. O ensaio sobre Aquilino aborda o processo da rotura de Aquilino com o regime, a fúria com que foi recebido o romance Quando os Lobos Uivam, refere como Aquilino era indiciado por vários delitos, tais como: fazer perigar o bom nome de Portugal, bem como o crédito e o prestígio do Estado português no estrangeiro; fazer a apologia de crimes contra a segurança do Estado; injuriar e ofender o Presidente do Conselho e os demais ministros, etc., etc. Nem mesmo a sua indigitação para o Prémio Nobel da Literatura acalmou a vigilância da PIDE.

Com Ferreira de Castro, talvez por ser ao tempo o escritor com mais traduções, a repressão era selecionada, a PIDE considerava-o “desafeto ao regime”, sabia-se das suas ligações aos intelectuais de oposição, mas salvaguardavam-se as distâncias, Ferreira de Castro era nome sonante na literatura internacional, temia-se o ridículo pondo no Índex qualquer uma das suas obras.

Situação execrável foi o processo de Andrée Crabbé Rocha na PIDE. O marido, Miguel Torga, sempre recusou enviar as obras à censura prévia, a polícia política sentiu-se afrontada, Torga conheceu a cadeia do Aljube, livros queimados, apreendidos, proibidos. Andrée Rocha foi demitida da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1947 e cinquenta anos depois partilhou no Expresso as suas memórias: “[…] nunca nas minhas aulas de literatura portuguesa e de literatura francesa falei em política. Talvez tivessem descoberto que eu era mulher de Miguel Torga. […] nada pude fazer em relação à decisão. Passados 2 anos, abriu um concurso para professor extraordinário em que era necessário apresentar um trabalho. Preparei um sobre o Cancioneiro Geral de Garcia Resende. No dia das provas recebi um ofício da reitoria a dizer que não as podia prestar. Solicitei durante 21 anos a realização da prova, e durante todo este tempo me foi recusado. Fui obrigada a dar lições particulares em Coimbra, para onde me mudei, e frequentei outro curso, que me permitiu dar aulas em colégios particulares. Mas em 1955, até esse diploma me tiraram”. Andrée Rocha era classificada na PIDE como mulher do comunista Torga, só pôde retomar funções universitárias na Faculdade de Letras de Lisboa em março de 1970.

O percurso de Soeiro Pereira Gomes foi a de um regente agrícola que foi viver para Alhandra e se tornou empregado de escritório na fábrica Cimento Tejo, cedo se comprometeu com o ideário comunista, movia-se pela vontade de proteger os humildes, como é explícito na sua obra maior Esteiros, a vida de crianças conduzidas ao duro trabalho naquela região ribatejana. A PIDE tinha-o sob vigilância, ele teve um papel de grande importância na greve dos operários daquela fábrica, Soeiro teve que fugir, vai conhecer a clandestinidade mais dura, é um intelectual comunista. Esteiros recebeu mesmo elogios de Marcello Caetano, é obra escrita em 1941, havia uma réstia de esperança na vitória dos Aliados e que esta comportaria a queda do regime de Salazar. Dado curioso, a obra foi lida e autorizada pelo tenente-coronel Salvação Barreto, diretor da Censura, muitos anos depois esta mesma Censura considerou que o livro deveria ter sido proibido quando apareceu, “mas agora deve ser ignorado”, pois que a proibição agora só serviria à sua propaganda no nosso meio”. O escritor, agitador e quadro de topo do PCP morreu muito novo, em 1949, conceituados escritores como Ferreira de Castro reconheciam o seu imenso talento.

O leitor encontrará ainda nesta obra trabalhos bem elucidativos sobre a vigilância da PIDE a Fernando Namora, Jorge de Sena, as obras teatrais, o trabalho dos informadores da polícia política, as péssimas relações de figuras da Igreja Católica com o Estado Novo a partir da década de 1960, a PIDE no encalço de Agostinho Neto e Amílcar Cabral. Luís Reis Torgal não deixa de referir na conclusão que não passou de um mito a ideia de intolerância branda, e se é certo que a ação policial da PIDE não é comparável com os sistemas racistas e antissemitas ou com as práticas da violência sem limites no estalinismo, o regime de Salazar quis-se intransigente, perseguindo ou asfixiando as ideias e práticas anarquistas e comunistas, mas também as simplesmente liberais, católico-progressistas ou até monárquicas; e a guerra colonial veio a justificar a permanência dessa repressão deixando bem claro que isso dos brandos costumes não passou de um mito.
A pedir leitura urgente."
Mário Beja Santos