Pedro Cruz e a exposição-panfleto
Quando, há uns anos, me debrucei sobre o já então notório
talento do jovem foto-jornalista Pedro Cruz, o que nele me chamou a atenção foi
que, entre outras coisas, ele não era bem-bem um jovem como os outros. O tempo
tem vindo a dar-me razão.
Neste tempo em que, por ignorância, egoísmo, medo do
compromisso ou estupidez natural, os jovens manifestam grande desprezo pela vida cívica e um quase
total desinteresse por tudo o resto, o jovem foto-jornalista é uma excepção
nessa espécie de abulia colectiva que contamina toda uma geração.
Em Janeiro deste ano, uma sua exposição de fotografia (um
alerta sobre a tragédia ambiental que é a desagregação do litoral costeiro a
sul da foz do Mondego) foi objecto de um alvar acto de censura na junta de
freguesia de S. Pedro, posteriormente reiterado em assembleia municipal pelo
garboso voto de qualidade do seu presidente. O argumento era que o jovem Pedro
teria inconfessáveis propósitos políticos.
Pois bem, Pedro acaba de dar de novo provas - não de talento
que isso ele já não tem que provar - mas de génio (engenho e orgulho). E um
exemplo, raro, de activismo cívico consciente, de cidadania generosa. Eu explico:
- em vez de simplesmente não “mexer” mais no assunto, ou de
as expôr noutro local mais permissivo ou tolerante, Pedro pegou nas fotos da
exposição censurada e, com a ajuda de alguns amigos - que fizeram a composição gráfica - concebeu e
pagou do seu bolso uma edição de quinhentos exemplares em papel e formato de
jornal da sua exposição maldita - o lançamento foi na Casa do Pescador, Costa
de Lavos, na passada Segunda-Feira, dia dos Oceanos.
Uma exposição-volante. Uma espécie de panfleto ilustrado que
distribui gratuitamente, com o objectivo de divulgar e sensibilizar o maior
número possível de cidadãos para um problema que ele acha que é de todos. Junto
a isto providenciou uma pequena caixa de pau-feita para recolher donativos, que
se compromete a desbaratar na aquisição de árvores, de cujo plantio metódico
depende a consolidação do areal da sua praia. No fim da “apresentação”, Pedro
Cruz proferiu: “a areia que quiseram atirar-me para os olhos faz muita falta na
praia de S. Pedro”. Segundo os jornais, foi a sua única declaração “política”.
Eu acho que este jovem é admirável. Na razão directa, e inversa,
da demissão massiva de todos os da sua geração.
A verdade porém é que se houvesse mais alguns como Pedro
talvez a arte neste país não fosse a pessegada da Joana Vasconcelos em grande
no Portugal dos pequenitos; talvez a literatura não fosse o desfile merdiático
de hugos-mãe e demais peixotos em sentimentais e monetários concursos Leya;
talvez a educação não fosse a ignóbil doutrinação nessa praxe obrigatória que é
o novo catecismo do empreendorismo; talvez a cultura não fosse esse
entretenimento triste; talvez a comunicação social não fosse o meio onde
triunfa este analfabetismo cínico e acanalhado; talvez a religião não fosse
esta idolatria e o futebol esta religião; talvez a economia não fosse esta
alarve transfega de escravos; talvez que um imbecil jamais pudesse ser eleito
deputado ou presidente de Câmara, de assembleia municipal, da República - ou
sequer de junta, em S. Pedro.