Escrevo, tal como vivo: de maneira muito simples, transparente e muito nua.
Por isso a minha vida, tal como a minha escrita, fere por ir direita e directa ao alvo...
Anoiteceu e o frio apanhou-me por dentro.
Não sei se é por isso, mas não consigo encontrar palavras agradáveis nem amorosas.
Uma vida com memória, como a minha, deu muito trabalho.
Foi pelo passar dos dias, que o senhor António que agora eu sou, precebeu que muita água passou sob as pontes, que os dias também se escoaram e ficou o passado.
Agora, o senhor António que agora eu sou, tem uma vida de lorde.
Levanta-se cedo, aí pelas 6 e trinta da manhã. Mas, porque quer. Se lhe apetecer fica na cama toda a manhã.
Mas, não: levanta-se cedo porque gosta. Começa logo a trabalhar. Lê jornais, ouve rádio, vê televisão, escreve e publica.
Depois de um pequeno almoço frugal - chá e pão -, abala de casa, normalmente rumo ao Cabedelo.
De bicicleta ou a pé se não chover. O frio não o incomoda. Só vai buscar o carro à garagem se estiver a chover.
Vai ver o mar. O senhor António, aquele que agora sou e o do passado, sempre gostou do mar.
Agora, o senhor António que eu sou, tem uma vida de lorde. Só trabalha 10/12 horas. Dantes, trabalhava 18. Era duro. Foi preciso muita força de cabeça, para não deixar o corpo cansado mandar. Quando se sentia cansado, pensava nos pescadores...
Agora, o senhor António, que eu sou, tem uma vida de lorde.
Continua a adorar o mar.
Gosta de ondas, nortadas e espuma branca.
O senhor António, que eu agora sou, continua a gostar do que lhe tira o fôlego.
Tem fascínio pelo improvável.
Almeja o quase impossível.
Porém, o coração do senhor António que eu agora sou, continua a ser livre, mesmo amando tanto.
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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1 comentário:
Mais mãos tivesses.
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