«As imagens da manifestação deste sábado dos professores lembram perigosamente – para o Governo e para a sociedade em geral – as imagens da manifestação de 2008, quando era ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues. A disparidade dos números avançados pela polícia e pelo sindicato é enorme. Mas, simbolicamente, esta manifestação, com muito menor enquadramento sindical do que a anterior, simboliza o esgotamento de uma classe inteirinha que Maria de Lurdes Rodrigues se esforçou por destruir, afogando-a em burocracias, e os governos seguintes nunca encontraram qualquer solução de fundo. Ouvir António Costa, primeiro-ministro há sete anos, vir dizer que a precariedade entre a classe docente é “inaceitável” rasa o absurdo. Se é “inaceitável”, o que é que o seu Governo fez para mudar o estado das coisas? Assim, de repente, não se está a ver nada de estrutural – e esta seria uma boa “reforma estrutural”, essas duas palavrinhas mágicas para um grande número de pessoas.
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
domingo, 15 de janeiro de 2023
Professores esgotados, um povo esgotado
A questão é que o Governo, ao repetir o mantra da “geração mais qualificada de sempre”, esquece que quem está a contribuir para esse dado estatístico é tratado abaixo de cão pelo Estado. Peço desculpa: é mesmo abaixo de cão. Basta ler a reportagem publicada este sábado no PÚBLICO para ficar com uma ideia.
O problema ou não problema da municipalização dos concursos de professores é apenas a gota de água, um disparar da pressão numa panela que está ao lume há um monte de anos. O Estado social – saúde e educação tendencialmente gratuitos – está a esboroar-se sob os auspícios de um governo socialista que até há um ano contou com os bons ofícios do Bloco de Esquerda e do PCP. Este colapso não favorece, de todo, a esquerda.
Convencido de que tudo o que se passou do Natal até agora pode outra vez ser arrumado naquilo que são, para António Costa, os “casos e casinhos” da “bolha mediática”, o secretário-geral do PS, na comissão nacional deste sábado, quase que ia ignorando a crise em que os socialistas se encontram desde que perceberam a reacção popular ao facto de a ex-secretária de Estado do Tesouro Alexandra Reis ter saído da TAP com uma indemnização de 500 mil euros – e daí transitando para a NAV e de lá para o ministério de Fernando Medina. Ficou só uma frasezinha, mesmo no fim do discurso: “Da escolha de presidente de junta de freguesia à de membros do Governo temos mesmo de ser muito exigentes, muito mais exigentes.”
Se Costa parecia ter mudado de discurso no debate do Parlamento na quarta-feira, percebe-se que foi apenas e só um exercício para inglês ver. A ideia de “virar a página” apressadamente ficou exposta nesta intervenção na comissão nacional. A questão é que a página não vira porque o primeiro-ministro decide: a página existe, porque o país é pobre, a sociedade é profundamente desigual e um professor de 50 anos ganha 1000 euros, enquanto uma administradora da TAP tem uma indemnização de 500 mil euros para sair da empresa e emprego de nomeação governamental no dia seguinte.
Na verdade, é uma sociedade organizada entre nobreza e povo – e, se ao povo pede-se tudo, à nobreza tolera-se evidentemente tudo e um par de botas. Esta é mais uma explicação para o tamanho da manifestação de professores. Já não se pode dizer “que se lixe a troika”, porque a troika já não está cá. Mas talvez se possa dizer “que se lixe o superavit” ou “há vida para além do Orçamento”, como disse em outra encarnação o Presidente da República Jorge Sampaio.»
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