O escritor João Tordo publicou ontem no seu blogue uma carta ao
pai, o músico Fernando Tordo, que aos 65 anos emigrou para o Brasil.
Termina assim:
“Os nossos governantes têm-se preparado para anunciar,
contentíssimos, que a crise acabou, esquecendo-se de dizer tudo o que acabou
com ela. A primeira coisa foi a cultura, que é o património de um país. A
segunda foi a felicidade, que está ausente dos rostos de quem anda na rua todos
os dias. A terceira foi a esperança. E a quarta foi o meu pai, e outros como
ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste
país - do país que ele, e milhões de pessoas como ele, cheias de defeitos,
quiseram construir: um país melhor para os filhos e para os netos. Fracassaram
nesse propósito; enganaram-se ao pensarem que podíamos mudar. Não queremos
mudar. Queremos esta miséria, admitimo-la, deixamos passar. E alguns de nós até
aí estão para insultar, do conforto dos seus sofás, quem, por não ter trabalho
aqui - e precisar de trabalhar para, aos 65 anos, não se transformar num
fantasma ou num pedinte - pegou nas malas e numa guitarra e se foi embora.
Ontem, ao deitar-me, imaginei-o dentro do avião, sozinho, a sonhar com o futuro;
bem-disposto, com um sorriso nos lábios. Eu vou ter muitas saudades dele, mas
sou suspeito. Dói-me saber que, ontem, o meu pai se foi embora.”
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