sábado, 3 de agosto de 2013

Cavaquismo: legado e auto-história

No Público de hoje, versão impressa, pois o link limita-se a isto, está um texto de leitura obrigatória de  Manuel Loff,  sobre  Cavaco Silva e  o seu longuíssimo percurso no Portugal pós 25 de Abril.
 Pelo interesse, publica-se alguns excertos “gamados” aqui:

«Quando no próximo 25 de abril se completarem 40 anos de democracia em Portugal, Cavaco terá cumprido mais de oito como Presidente da República (2006-14), a que se somam os dez como primeiro-ministro (1985-95) e o ano (1980-81) em que foi ministro das Finanças – 19 no total, praticamente metade do período democrático. Na história destas quatro décadas, é Cavaco quem emerge. É terrível, e deprimente, mas é assim. O regime político em que hoje vivemos, aquilo em que ele se transformou, a articulação perversa entre poder económico e político, é, sobretudo, o resultado do cavaquismo dos anos 1985-95, replicado sem cessar desde então, com o próprio, o Presidente menos votado da nossa democracia, na chefia do Estado. (...)

Cavaco, o homem que, desde Salazar, e muito mais que Caetano ou Sá Carneiro, melhor sintonizou com as direitas portuguesas, é o responsável máximo pela re-oligarquização do Estado e do poder político em Portugal, pelo regresso às formas mais elitistas de dominação política que caraterizavam o sistema liberal-conservador, que a I República breve e fragilmente interrompeu, mas que se reconstituiu, com muito mais força, com o salazarismo. O cavaquismofoi essa espécie de marcelismo adaptado às regras formais da democracia política (Cavaco chamou ao poder muitos dos pseudotecnocratas que Marcelo promovera), que, tendo beneficiado da bazófia ideológica do fim da História, procurou convencer os portugueses de que as ideologias tinham morrido, o que havia era economia, progresso e uma naturalíssima desigualdade social que só o mérito individual (e não quaisquer políticas sociais!) poderia corrigir. (...)

Eis o legado que nos deixa o homem que dizia na última campanha eleitoral: “Para serem mais honestos do que eu tinham que nascer duas vezes.” (Imprensa, 23/12/2010.) Ele, que se rodeou no poder daquela que se revelou a mais descarada clique de trapaceiros das finanças de que há memória desde, provavelmente, Alves dos Reis. Ele, que, depois de 34 anos de atividade política ininterrupta, gosta de derrapar pelo discurso antipolíticos como se não fosse um deles, e que em 1981 era (com Eurico de Melo e Santana) o campeão das conspirações internas no PSD contra Balsemão, que, à la Portas, se demitiria para logo a seguir ser reconduzido. Ele, que depois de dez anos da mais intensa política deliberada de inviabilização social e económica do mundo rural e piscatório português, discorre hoje pateticamente sobre as maravilhas do regresso ao campo e ao mar. (...)


O “melhor povo do mundo” deve ter alguma responsabilidade em que este homem tenha chegado aonde chegou. Mas tudo indica que não acredita mais. Nele ou nos seus pupilos.» 

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