No Público de hoje, versão impressa, pois o link limita-se a isto, está
um texto de leitura obrigatória de Manuel Loff, sobre
Cavaco Silva e o seu longuíssimo
percurso no Portugal pós 25 de Abril.
Pelo
interesse, publica-se alguns excertos “gamados” aqui:
«Quando
no próximo 25 de abril se completarem 40 anos de democracia em Portugal, Cavaco
terá cumprido mais de oito como Presidente da República (2006-14), a que se
somam os dez como primeiro-ministro (1985-95) e o ano (1980-81) em que foi
ministro das Finanças – 19 no total, praticamente metade do período
democrático. Na história destas quatro décadas, é Cavaco quem emerge. É
terrível, e deprimente, mas é assim. O regime político em que hoje vivemos,
aquilo em que ele se transformou, a articulação perversa entre poder económico
e político, é, sobretudo, o resultado do cavaquismo dos
anos 1985-95, replicado sem cessar desde então, com o próprio, o Presidente
menos votado da nossa democracia, na chefia do Estado. (...)
Cavaco,
o homem que, desde Salazar, e muito mais que Caetano ou Sá Carneiro, melhor
sintonizou com as direitas portuguesas, é o responsável máximo pela
re-oligarquização do Estado e do poder político em Portugal, pelo regresso às
formas mais elitistas de dominação política que caraterizavam o sistema
liberal-conservador, que a I República breve e fragilmente interrompeu, mas que
se reconstituiu, com muito mais força, com o salazarismo. O cavaquismofoi essa espécie de marcelismo adaptado
às regras formais da democracia política (Cavaco chamou ao poder muitos dos
pseudotecnocratas que Marcelo promovera), que, tendo beneficiado da bazófia
ideológica do fim da História, procurou convencer os portugueses de que as
ideologias tinham morrido, o que havia era economia, progresso e uma
naturalíssima desigualdade social que só o mérito individual (e não quaisquer
políticas sociais!) poderia corrigir. (...)
Eis
o legado que nos deixa o homem que dizia na última campanha eleitoral: “Para
serem mais honestos do que eu tinham que nascer duas vezes.” (Imprensa,
23/12/2010.) Ele, que se rodeou no poder daquela que se revelou a mais
descarada clique de trapaceiros das finanças de que há memória desde,
provavelmente, Alves dos Reis. Ele, que, depois de 34 anos de atividade
política ininterrupta, gosta de derrapar pelo discurso antipolíticos como
se não fosse um deles, e que em 1981 era (com Eurico de Melo e Santana) o
campeão das conspirações internas no PSD contra Balsemão, que, à
la Portas, se demitiria para logo a seguir ser
reconduzido. Ele, que depois de dez anos da mais intensa política deliberada de
inviabilização social e económica do mundo rural e piscatório português,
discorre hoje pateticamente sobre as maravilhas do regresso ao campo e ao mar.
(...)
O
“melhor povo do mundo” deve ter alguma responsabilidade em que este homem tenha
chegado aonde chegou. Mas tudo indica que não acredita mais. Nele ou nos seus
pupilos.»
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