segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Os gostos discuten-se, porque isso é discutir o País. O que não se discute é a terra árida que é a falta de gosto

Segundo o jornal Público, a Drª Margarida Balseiro Lopes, «é uma presença frequente na Universidade de Verão do PSD, mas na primeira vez que se dirigiu aos alunos enquanto governante que tutela a área da Cultura, queixou-se de falta de dados estatísticos sobre o sector, anunciou regulamentação para o Fundo de Fomento Cultural e ainda deixou notas mais políticas de que é “preciso evitar ditadura do gosto” e não ter “palas ideológicas”

João Sardo, escreve o que havia a escrever sobre esta prestação da ministra. Sem mais delongas aqui vai.

Na foto, a Drª Margarida Balseiro Lopes

«A frase, se não fosse sintomática, seria apenas ridícula. A ministra teme a “ditadura do gosto”. Eu temo a falta dele. E, já agora, temo o discurso morno, a ideia vaga e o receio de chamar as coisas pelos nomes.

Comecemos pelo essencial. Os gostos discutem-se. Sempre se discutiram, sempre se hão-de discutir. Só um povo amorfanhado pode acreditar que “os gostos não se discutem”. Discutem-se os gostos porque se discute o que nos molda, o que nos forma, o que nos transporta para cima ou nos arrasta para baixo. Discutir os gostos é discutir o país. É perceber porque é que deixamos que a televisão dite o que é entretenimento e porque confundimos “popular” com “pobre”. O que não se discute, ou melhor, o que não merece sequer discussão, é a ausência de gosto. Essa sim, é uma terra árida.

Esta máxima que nos é impingida desde tenra idade de que “os gostos não se discutem”, é o álibi perfeito para o conformismo. Uma almofada macia para quem não quer ser incomodado pela exigência, pela diferença, pelo risco. É a frase que legitima a repetição do banal. Se não se discutem os gostos, então tudo é aceitável: tanto faz Saramago como Gustavo Santos; tanto faz a Rádio Universidade de Coimbra como a RFM.

E discutem-se porque há gostos que abrem horizontes e outros que os fecham. Há escolhas que elevam e outras que entretêm. A política cultural deveria assumi-lo sem medo: não é tudo igual. Mas em vez disso, refugia-se em frases vagas, como esta, que não significa nada.

Ora, discutir os gostos não é ser elitista ou arrogante. Não é perseguir ninguém. Não é instaurar tribunais estéticos nem censuras encapotadas. É, pelo contrário, dar vitalidade ao pensamento crítico. Que há artistas que fundam mundos e outros que se limitam a vender. Que há valor, diferença e importância (e ausência deles).

E aqui chegamos ao coração do problema: este ministério. Ou melhor, saco de retalhos onde cabe tudo e, por isso mesmo, nada pesa. É um gesto político revelador: quem junta cultura, juventude e desporto não está a procurar sinergias: está a esconder a cultura. Está a desvalorizá-la.

Meus queridos, reparai no contraste: o desporto tem a sua força própria, visível todos os domingos, transmitida em direto, contabilizada em milhões. A juventude tem sempre garantido espaço mediático: slogans, programas, festivais de verão, discursos sobre o futuro. E a cultura? A cultura dilui-se. Desaparece entre os campeonatos e os “jovens empreendedores”. Passa a ser uma subsecção discreta, uma linha no organigrama, um gabinete sem autonomia.

O sinal político é claríssimo: a cultura, em Portugal, não merece ministério próprio. Não é prioritária. É apêndice, é decoração, é brinde. E um país que trata assim a cultura está a confessar que tem medo dela. Medo da sua capacidade crítica, medo da sua exigência, medo da sua diferença. O futebol é controlável, a juventude é manipulável mas a cultura é indomável. Por isso é escondida.

Enquanto isto, a ministra lamenta a falta de dados. Não percebe que não são dados que faltam. O que falta é critério. O que falta é coragem para assumir que há diferença entre gosto e ausência de gosto. O que falta é a noção de que governar a cultura é fazer escolhas difíceis, não é agradar à maioria (relativa).

Esse nivelamento preguiçoso pelo banal não fica por aí: infiltra-se, metastiza-se e e acaba inevitavelmente por ocupar os palcos mais solenes. E o resultado foi aquele espetáculo grotesco e simbólico: o cinquentenário do 25 de Abril celebrado em São Bento com Tony Carreira. Nada contra o cantor e quem gosta dele.

Trata-se de perceber o gesto.»

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