«No seu discurso de encerramento do 41.º Congresso do PSD, Luís Montenegro teve um daqueles momentos de humildade que os eleitores veneram: “As pessoas esperam mais de mim do que eu fui capaz de mostrar até agora”, disse. Passou um mês, mudou o ano e as últimas sondagens provam que o líder do PSD continua a não mostrar nada de jeito. Pode ser por falta de carisma. Pode ser por causa da casa de Espinho sobre a qual ainda faltam explicações. Pode ser pela ausência de ideias mobilizadoras, pela solidão que mostra, pela memória do “passismo” ou pela sua dificuldade em despir-se daquele sorriso ambíguo com que ilustra as suas intervenções. Pode ser por tudo isso, mas Montenegro pode também ser vítima do conformismo.
No mundo assustador em que vivemos, Portugal parece estar feliz com a sua condição periférica de país remediado. A incerteza reclama prudência e mudar implica riscos. O Portugal “do mal, o menos”, do “vamos andando”, do “nunca pior”, do “antes assim” tornou-se uma ferramenta do conservadorismo pátrio. E não, a culpa não é dos eleitores ou apenas dos eleitores. O PS alimenta essa visão com pragmatismo e eficácia e, depois de Rui Rio ter ensaiado uma aproximação a esse conservadorismo, Luís Montenegro institucionalizou-o. Se o adversário ganha pelo apoio dos pensionistas e funcionários públicos, é aqui que ele acredita que tem de apostar. Mais do que política, move-o a contabilidade.
O reformismo do velho PSD ou o liberalismo quase radical de Pedro Passos Coelho foram, assim, para a gaveta. O PSD decidiu disputar o programa do PS, não por convicção doutrinária, mas por constatar que funciona. O partido entrou no leilão das promessas para o vasto eleitorado do partido-Estado não por causa das ideias, mas por oportunismo. Ana Sá Lopes percebeu o que estava em causa logo no congresso, escrevendo que Montenegro “cumpriu um objectivo essencial para quem quer ganhar as eleições, que foi a de começar a reverter a dinâmica de um PSD contra os pensionistas”. Como o conseguiu? Tornando o PSD um apêndice do PS.
A opção levanta à partida duas questões: primeira, a de criar uma mensagem ambígua nem seduz o seu eleitorado, nem o eleitorado tradicional do PS; segunda, a estratégia de combater o PS no seu terreno e com as suas armas parte da ideia falsa de que os funcionários públicos ou os pensionistas são uma massa informe que vive à espera da distribuição de migalhas. Haverá muitos que decidem lógica e naturalmente em função da melhoria das suas pensões ou salários. Mas haverá muitos mais que se preocupam com o país ou com os custos da letargia para os seus filhos e netos. Podem estar preocupados com aumentos ou com a recuperação integral do tempo de serviço, mas, como cidadãos, querem acima de tudo um país dinâmico, próspero e justo.
Por estes dias, esses cidadãos hão-se sentir-se órfãos. Os que se habituaram a ver no PSD um partido corajoso, capaz de arriscar, de ousar reformas, de se aliar aos sectores mais dinâmicos da sociedade e apresentar uma visão de conjunto para o país em vez de o fatiar na falsa dicotomia público/privado só podem estar desconfortáveis. “Eles”, os partidos de poder, são cada vez mais iguais, até na forma como pretendem ser diferentes. Pedro Nuno Santos quer a quadratura do círculo, propondo-se ser herdeiro de António Costa e a antítese de António Costa embalada no voluntarismo; Luís Montenegro ensaia uma pirueta na mesma improvável ao querer um PSD reformista que, ao mesmo tempo, dá máxima prioridade às contas das pensões, dos subsídios e dos salários públicos. Entre um Portugal medroso e calculista e um país ambicioso, Montenegro escolheu. Entrou no campo onde o PS demonstra ser imbatível.
O que pode por isso explicar as dificuldades de Luís Montenegro e do PSD nas sondagens é a sua crença em que o país vota apenas por desejo e vontade de “viver habitualmente”, como outrora. Os jovens ouvem-no e ficam a pensar que é apenas mais um defensor dos interesses dos incumbentes, não dos que lutam por um lugar decente no país. Os empresários ouvem-no e, na dúvida, hão-de valorizar as contas certas. Os outros terão dificuldades em ver o que muda e deixam-se estar. Montenegro bem pode dizer que Pedro Nuno Santos é “comunista e bloquista” e que os eleitores podem optar “por um caminho ou outro”, como se em causa estivesse a escolha entre a moderação e o risco de uma deriva esquerdista. O dilema não é credível: os dois maiores partidos não se distinguem pelo programa, nem pela prática. Ambos se mancomunaram num conservadorismo entorpecente.
Montenegro espera que a memória dos casos e casinhos do Governo que caiu, que o desperdício da maioria absoluta, que o crescimento abaixo dos pares comparáveis da União Europeia ou que a crise profunda da educação e do SNS bastem para concretizar a mudança. O balanço negativo do passado e umas promessas para o futuro bastam para ganhar. Está completamente errado. O PS de Pedro Nuno Santos já percebeu que o seu grande trunfo é a previsibilidade, a rotina e a segurança da navegação à vista legados por António Costa. O plano é mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma. E o PSD?
Depois do trauma do ajustamento da troika, os anos da "geringonça" transformaram o PS no partido do mal menor. O último reduto contra as ousadias neoliberais, as ameaças da extrema-direita e os perigos estatizantes da esquerda radical. Não acelera, mas vai andando. Se os pensionistas, os funcionários públicos e todos os que integram o “grupo dependente” do Estado (na definição do economista Vítor Bento num ensaio publicado no Observador) estiverem seguros e razoavelmente contentes, o PS continuará no poder – afinal, representam dois terços do eleitorado e em democracia o que conta é a vontade soberana do povo. A sondagem da Católica para o PÚBLICO/RTP/Antena 1 de Janeiro de 2022 mostrava que o PS era o partido preferido pelos portugueses com mais de 65 anos e com menores qualificações académicas. Para ganhar, o PS tem de ser PS.
Entre a coragem da alternativa e o calculismo de imitar o PS, Luís Montenegro escolheu. O Bloco Central de um programa conservador de esquerda está instituído. O país mais jovem, dinâmico, qualificado, competitivo e europeu continua sub-representado. Entre a armadilha do rendimento médio na qual Portugal caiu este século e a necessidade de proteger os mais pobres, não parece haver uma visão global e integrada. Resta o fatalismo de um país que, sem saber como criar riqueza, se dedica a discutir como a redistribuir. Com o PSD tão alinhado ao discurso do PS, o que pode Montenegro mostrar de novo?»
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