sábado, 19 de fevereiro de 2022

Liberalismo

"EDP propõe aos trabalhadores aumentos salariais de 0,5%"

"Uma das maiores vitórias do neoliberalismo reside nas transformações registadas na cultura material das sociedades.
Por exemplo, a água potável nas nossas torneiras ainda está longe de ser entendida como uma simples mercadoria, à imagem e semelhança de uma Coca-Cola ou de uma água do Luso.
Por exemplo, a electricidade. Liberaliza-se o mercado, privatiza-se a produção e a electricidade passa a ser uma mercadoria como as outras. O problema é que não é. Este ciclo neoliberal encerra contradições e falhas que precisam de ser resolvidas, sob pena de colocar todo o processo em causa. O aumento dos preços aos consumidores finais acarreta um problema irresolúvel. Por mais que o entendimento da electricidade se altere, quem não tem rendimento deixa de pagar a conta e de ter acesso. Isto é um problema para o vendedor de electricidade e um problema político, pois torna a contradição entre interesses privados e interesse público mais saliente. Neste contexto, criou-se a tarifa social de electricidade. Assim, em 2011, já depois da liberalização do mercado, o Estado impôs um desconto por via da tarifa destinada às franjas mais desfavorecidas. Este desconto é teoricamente suportado pelos fornecedores de electricidade, embora quase 20% do desconto final seja suportado pelo Estado, via IVA. Ainda assim, o impacto é marginal nos proveitos das empresas,O ciclo fecha-se. Os problemas do acesso ficam supostamente resolvidos, conquanto o esforço dos que têm menor rendimento seja cada vez maior, beneficiando os accionistas das novas empresas privadas. A tarifa social é um resíduo social da nova organização do sector guiada pelos preços, que legitima uma transformação profunda do nosso entendimento do que era antes um serviço público.
Argumentarão que isto é melhor do que nada e que irá beneficiar quem menos tem. Será verdade, embora os limites deste modelo sejam claros quando pensamos que um indivíduo, que viva sozinho e ganhe o salário mínimo, está excluído desta tarifa. Contudo, terá de ser claro que aceitar a tarifa social como forma de intervenção pública na electricidade é abdicar parcialmente de alternativas universais ao neoliberalismo na provisão de bens e serviços. A missão de um governo passa a ser entendida como a de resolver, com base em estratégias dependentes de condições de recursos, eventuais falhas sociais de um mercado à priori aceite como modo ideal de coordenação das economias. Todo um programa."

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