quinta-feira, 21 de maio de 2020

Silêncios que nos deixam pendurados...


Os nossos olhares cruzaram-se, há muitos anos numa viagem de comboio. Ela vestia um vestido comprido, castanho, e uma blusa esverdeada. Tinha olhos raros:  verdes, em tom acizentado. E grandes. 
Ainda recordo que julguei ver neles dor,  mágoa, quiçá infelicidade. Estive quase para lhe falar. Para saber da sua tristeza, para lhe mostrar compreensão e solidariedade pelo que, presumo, ela estava a sentir. 
Não consegui dizer-lhe nada. Em Santa Apolónia, Lisboa, perdi-lhe o rasto e nunca mais a vi. 
Fiquei pendurado.
Nem todos os silêncios são de ouro. Nem todos os silêncios são dignos. 
Também os há ignóbeis, mesquinhos, pequenos - cobardes.
Hoje, é assim que me sinto: pendurado, à espera de uma vacina, ou de um remédio, para poder viver a vida com a normalidade de há 3 meses.
Dias difíceis, mas calmos, estes que estamos a viver, pendurados por um fio e pela indefinição da vida e do tempo. Porém, não existe pressa: tudo vai acabar bem. 
No ar, sinto a resignação. Mas, também alguma esperança. 
Pouca, mas alguma.
Peço desculpa por esta divagação. A vida continua dentro de momentos.

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