fotos de Pedro Agostinho Cruz |
Um tipo de pesca, um tipo de património cultural marítimo, e um tipo de comunidade de pescadores que, paradoxalmente, ao mesmo tempo que em Portugal têm sido sempre infindavelmente exibidos como emblemáticos, turísticos e paradigmáticos, tem também sido sempre, ou quase sempre, desprezados e esquecidos (quando não perseguidos e asfixiados); e que por isso têm vindo a extinguir-se, e têm desaparecido "como neve diante do sol".
A Arte de Pesca de Arrasto para Terra, modernamente
designada legalmente pelas instituições administrativas e fiscais do Estado
português com o nome oficial de "Arte-Xávega" (nomeadamente segundo a
Portaria 488/96 publicada no D.R., 1ª Ser., nr. 213, de 13.09.1996) —praticada
com utilização das incomparáveis e belas embarcações artesanais portuguesas de
madeira chamadas “Barcos do Mar”, ou “Barcos da Arte” (a embarcação mais
popularmente conhecida com o nome de “Meia-Lua”, e que consideramos “o mais
belo barco do mundo”) —, é um tipo de pesca artesanal e uma realidade humana,
sociológica, tecnológica e civilizacional absolutamente única e fascinante, que
não tem equivalente em qualquer outra parte da Europa e do Mundo, e que seria
um enorme crime (um crime sem perdão) se alguma vez viesse a ser deixada
morrer.
É um tipo de pesca muito específico, muito especializado e
bastante diferente (pois, na sua aparente simplicidade, é muito mais heróico e
muito mais difícil e perigoso do que julgam os que nada sabem de mar), e que
por isso não pode ser comparado com qualquer outro tipo de pesca praticada em
qualquer outro litoral oceânico do mundo inteiro. É mesmo muito diferente, e
muito mais impressionante, em coragem e em esforço, do que os próprios modelos originais
mediterrânicos da “Xávega”, islâmica, andaluza e algarvia, que lhe estiveram na
origem há muitos séculos atrás, mas que entretanto já se extinguiram (ao longo
do século XX), e que já não existem hoje em dia (no século XXI).
A Arte de Pesca de Arrasto para Terra, característica dos
litorais portugueses da Ria de Aveiro e da Beira Litoral (hoje, legalmente,
dita “Arte-Xávega”), é uma arte que nos nossos dias ainda continua a ser
praticada por muitas centenas de homens e mulheres, desde as praias de Espinho
até à Praia da Vieira de Leiria, e actualmente com o coração na Praia de Mira
(depois de, outrora, ter irradiado sobretudo a partir das praias do Furadouro,
Torreira e Ílhavo), e é uma das realidades mais impressionantes, mais
autênticas e mais simbólicas — e, por isso, mais importantes — daquilo que
continua a ser, ainda hoje, Portugal: um país dividido entre o Passado e o
Futuro, um país sempre adiado, e sempre sem conseguir descobrir o seu caminho,
entre a tradição que não consegue manter e a modernidade que não consegue
construir. Um país sempre mergulhado no seu subdesenvolvimento secular e na sua
insustentabilidade económica. Mas que, nem por isso, pode ou deve sacrificar os
mais autênticos e verdadeiros exemplos da sua identidade nacional e da sua
cultura secular em nome de quaisquer cegas burocracias estatais normalizadoras,
ou de quaisquer imbecis aculturações televisivas, ou de quaisquer bizantinismos
“culturais” “modernizadores”, ignorantes das verdadeiras tradições e
identidades locais.
Centro de Estudos do Mar - CEMAR
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