Nota de rodapé, via Jornal de Notícias.
"O último inquérito do INE sobre a pobreza traça o retrato de um país miserável. Há um dado positivo, é certo: de um ano para o outro, são menos 20 mil portugueses na pobreza. O problema é que continuam a ser mais de 1,7 milhões no total. Descontada essa irrelevância estatística, tudo o resto é deprimente. Começando pelos mais velhos, não havia tantos pobres desde 2007: mais de meio milhão de pessoas, com uma incidência brutal entre os que vivem sozinhos. Este dado demonstra que as subidas das pensões dos últimos anos não foram capazes de compensar o agravamento do custo de vida. Serviram apenas para afagar o ego de políticos pouco competentes. Quando se olha para os dados relativos à privação social e material severa, ou seja, para os mais pobres dos pobres, e apesar de uma ligeira melhoria, o cenário é igualmente catastrófico: aproximam-se do meio milhão de pessoas (crianças incluídas). Estar nesta categoria de mera sobrevivência significa que não se consegue aceder a pelos menos sete de uma lista de 13 bens e serviços básicos. Aliás, quando se observa o detalhe dessa lista, a miséria é avassaladora: 250 mil pessoas não conseguem fazer refeições de carne ou peixe; 600 mil têm a renda, o empréstimo ao banco ou as contas da casa atrasados; 650 mil não conseguem comprar roupa nova, por muito que precisem dela; mais de milhão e meio não têm dinheiro para aquecer a casa. Não consta que nada disto vá ser alvo de uma sessão especial no Parlamento. E muito menos discutida numa comissão de inquérito. A pobreza não é sexy. Não dá soundbites. As testemunhas não seriam apresentáveis. O oposto dos ilustres dos bancos, das TAP e de outras vigarices disfarçadas com perfumes caros e almoços em restaurantes de luxo. É pouco provável que os deputados gastem o seu tempo com minudências e é pena. Porque podia ser que algum, fosse ele populista ou moderado, de direita, centro ou esquerda, aproveitasse tal debate para a proposta que aqui deixo: indexar os salários dos políticos (de todos eles, da autarquia ao palácio) à pobreza. Quanto menor a taxa (incluindo idosos, crianças e quem vive em privação severa), melhor o salário. Quanto mais pobres no país, pior o salário."
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