Não sei se sempre foi assim, mas de há uns anos a esta parte, dei conta que tinha um estranho poder: o poder de poder fazer desaparecer alguém em mim.
Não sei se é bom, ou se é mau e, francamente, isso pouco me importa.
Sei, isso sim, que na minha vida é um dado adquirido e de facto.
Refiro-me à pura e simples liquidação de alguém: inexorável, inelutável, impediosa, insensível e implacável - numa palavra, fatal.
Porém, isto não acontece sempre que quero: só consigo matar em mim, quem foi importante e significou alguma coisa.
Todavia, creio que é fácil de entender este aparente paradoxo: quem nunca significou nada para nós, não é susceptível de ser morto em nós, porque, em nós, significou sempre nada.
Por isso, nunca hei-de compreender os que necessitam de eliminar fisicamente alguém. Porque não matá-los simplesmente em nós?
É o que tenho feito ao longo da vida e sem dificuldades de maior...
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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