Eduardo Galeano
Foto sacada daqui |
Percebi isso muito melhor na passada segunda-feira.
Levantei-me cedo, como todos os dias. Mas, nesse dia havia um compromisso horário a cumprir, o que nesta altura da minha vida é coisa rara: pelas oito horas da manhã tinha de estar no Hospital da Figueira da Foz para um pequeno acto cirúrgico.
Pensava que era ir e voltar...
Contudo, por vezes temos surpresas: apanhei um susto e tive de permanecer no Hospital, onde fui magnificamente tratado, até ontem à tarde.
A Figueira, como é óbvio não tem tudo mal: entre aquilo de que os figueirenses devem ter orgulho, está o seu Hospital. Simplesmente magnífico.
O corpo é um empréstimo que pagamos com a vida.
O que importa, neste momento, é esquecer isso.
O esquecimento reabre a oportunidade de poder continuar sem muitas preocupações.
As preocupações inibem, complicam e atrasam a vida.
Para mim, passou o tempo de antropologia.
Também já não é tempo de ressaca ou porquês.
A recuperação navega em bom ritmo.
O corpo é um empréstimo que pagamos com a vida.
Portanto, o despojamento com que sempre vivi, vai continuar a ser forma única de resistência.
A Liberdade é uma coisa séria.
Na Figueira, há muita incompreensão por quem é diferente e gosta de viver marginalmente.
Os que preferem permanecer no cárcere, mimoseiam quem ousa desobedecer ao politicamente correcto com nomes carinhosos. Por exemplo, bimbos, miseravéis e loucos.
Como dá para verificar, na Figueira, a Liberdade passou a ter outros nomes.
Continuarei como sempre: "Serei tudo o que disserem/ por inveja ou negação:/ cabeçudo dromedário/ fogueira de exibição/ teorema corolário/ poema de mão em mão/ lãzudo publicitário/ malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!"
No fundo, e isso é o que verdadeiramente me interessa, depois deste percalço, vou continuar a tratar bem o corpo, pois só desta maneira é possível que ele me dure uma vida inteira.