Acabava de entrar o ano de 1872.
E o novo ano que chegava interrogava o ano velho. "- Fale-me agora do povo", pedia o novo ano.
E o velho: "- É um boi que em Portugal se julga um animal muito livre, porque lhe não montam na anca; e o desgraçado não se lembra da canga!"
"Mas esse povo nunca se revolta?", insistia o ano novo, espantado e respondia o velho: "- O povo às vezes tem-se revoltado por conta alheia. Por conta própria, nunca" . E uma derradeira questão:
"- Em resumo, qual é a sua opinião sobre Portugal?" E a resposta lapidar do ano velho: "- Um pais geralmente corrompido, em que aqueles mesmos que sofrem não se indignam por sofrer".
Este diálogo deve-se a Eça de Queirós. O mesmo Eça que escreveu sobre o Portugal de então.
"O povo paga e reza. Paga para ter ministros que não governam, deputados que não legislam (...) e padres que rezam contra ele. (...) Paga tudo, paga para tudo. E em recompensa, dão-lhe uma farsa".
Nota:
- nunca é demais sublinhar: estávamos, repito, para que não subsista qualquer dúvida, em 1872.
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
2 comentários:
Qual a diferença?
Não dá para procurar as 7 diferenças como é hábito nos desenhos....
Já não estranhamos... vivemos entranhados.
Abraço
Actualmente a diferença não é notória.
Parece-me que se reza menos,porque o povo habituou-se ao inferno e já não tem medo.
Abraço.
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