A foto acima foi obtida pelo bloguista a partir da zona do farol do molhe sul, num dia de vento e ondas.
Neste local, onde até os pensamentos têm cor, podemos encontrar a verdadeira e própria liberdade.
São os solitários, os poetas, os que precisam do mar, das ondas e do seu som, para que os seus pensamentos vão com elas e caminhem pela liberdade dos grandes e amplos espaços.
Quem, como eu, gosta de coisas simples e de borla, fazer uma caminhada pelo paredão do molhe sul do estuário do Mondego, é ir ao encontro de um mar limpo e fresco. Caminhando obrigatoriamente para poente, chega-se junto ao farol que sinaliza a ponta do molhe - aí, o mar já se esqueceu do rio e encontrou a sua vocação atlântica.
Entretanto, mesmo por muito distraído que se seja, percorrendo aqueles cerca de 900 metros, contados a partir do Parque de Campismo do Cabedelo, damos conta que existem dezenas de pescadores desportivos. Dá também para observar facilmente que alguns - poucos - peixes morrem pela boca, no anzol das canas dos pescadores.
Um dia destes, naquela muralha artificial, de cimento e pedras, que entra pelo mar dentro e que serve também para separar o rio do mar, e a que chamam molhe sul, um peixe em agonia, atirado para cima da superfície rugosa e imperfeita do piso do molhe por um pescador, quase que parecia que me queria atacar os pés.
Ultrapassado o percalço, prossigo, determinado e firme, a caminhada pelo molhe em direcção a poente, rumo ao farol, no local onde as ondas embatem nas pedras com violência, como se dissessem ao paredão que, dado o barulho, as palavras aí são desnecessárias, por incompreensíveis.
Contudo, ainda ouço alguém, que ficou para trás, dizer: “este é dos gordos…”
No ar havia um cheiro intenso a maresia - lembrava um perfume tépido.
O vento, era apenas uma miragem, como que uma bruma coberta de sonho.
Do céu, limpo de nuvens, o sol enviava raios de calor.
Assim somos todos nós. Num dia cheios de imaginação e vida, ligamos aos pormenores.
No outro, já somos apenas uns restos, que a natureza se encarregará de desintegrar.
Depois, seremos esquecidos pela maioria.
Um dia, ninguém sequer saberá que um dia existimos.
Tudo perfeito, portanto: um dia o incauto compreenderá o chão que pisa.
Fica aqui partilhado este meu primeiro olhar de hoje.
Como, aliás, acontece em silêncio todos os dias, foi na direcção ao mar da minha Aldeia - forte, imenso, límpido, azul e denso.
Talvez, quem sabe, apenas a sonhar com poesias feitas de mar.
Bom domingo para todos.
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
1 comentário:
SONETO IMPERFEITO DA CAMINHADA PERFEITA
Já não há mordaças, nem ameaças, nem algemas
que possam perturbar a nossa caminhada,
em que os poetas são os próprios versos dos poemas
e onde cada poema é um bandeira desfraldada.
Ninguém fala em parar ou regressar.
Ninguém teme as mordaças ou algemas.
─ O braço que bater há-de cansar
e os poetas são os próprios versos dos poemas
Versos brandos… Ninguém mos peça agora.
Eu já não me pertenço: Sou da hora.
E não há mordaças, nem ameaças, nem algemas
que possam perturbar a nossa caminhada,
onde cada poema é uma bandeira desfraldada
e os poetas são os próprios versos dos poemas.
Sidónio Muralha
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