“Uma mãe com uma filha menor, desempregada, sob a iminência
de ser despejada de casa em pleno inverno, conseguiu manter o domicílio e a sua
pequena célula familiar graças à intervenção e ao esforço de várias instituições
de solidariedade social do nosso concelho.
No entanto, esta célula familiar era beneficiária do chamado
“rendimento mínimo”: 90 euros por mês.
Uma fartura! Quando tomei conhecimento deste valor, veio-me à memória
uma rapsódia de discursos contra o “rendimento mínimo”. Um conhecido
intelectual escreveu que os beneficiários do rendimento mínimo que tinham
piscinas despoletavam a cólera dos pobres.
Uma jovem licenciada jurou-me que crianças ciganas do
rendimento mínimo se exibiam frequentemente com notas de 500 euros.
Uma empregada de uma bomba de gasolina berrava no posto que
se fosse primeira-ministra a primeira coisa que fazia era “acabar com o
rendimento mínimo a esses malandros”.
Num país supostamente católico, esse discurso populista que
atiça pobres contra pobres encontra paradoxalmente terreno fértil. O nosso vice-primeiro-ministro
é um dos peritos desse desporto digno das arenas do Império Romano. Já aqui
escrevi que não sou crente, mas ainda me recordo do que aprendi na catequese.
Não foi nada disto. Já seria um grande progresso se nesta época natalícia os
católicos (e não só) combatessem esse cínico discurso populista.
Poderá ser tão útil quanto oferecer um reconfortante pacote
de arroz ao Banco Alimentar Contra a Fome.”
Em tempo.
Depois de ler este texto no jornal AS Beiras, até porque estamos numa semana um
bocadinho mais crente, lembrei-me daquela espantosa tese hindu: o mundo nasceu como uma
ilusão, mas Deus, compadecido das criaturas iludidas, fez com que o mundo se
tornasse real.
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