Os desastres naturais em sítios com uma população (ou parte dela) pobre, são sempre um maná para os fotógrafos de ocasião - e para os outros. Há sempre algures uma criança orfã ou desalojada com olhos tristes e cara suja cujo desalento sobressai por entre os escombros. Sob a capa do "fotojornalismo" dito sério, na onda World Press Photo, o sofrimento humano extremo transforma-se, através da câmara, num evento triste mas delicodoce - tristezinho, vá -, que suscita por um lado a piedade alheia, mas, por outro lado, a admiração pela sensibilidade e sentido de oportunidade do fotógrafo em questão. Que, com um bocado de sorte, ganhará um prémio qualquer e o concomitantereconhecimento público. E, embora qualquer imagem comovente que se preste a metáforas lamechas seja de todo preferível à brutalidade frontal da última capa da Visão - Madeira (que mostra em grande plano um corpo enlameado em posição fetal - um pai, uma mãe, um filho de alguém - a ser retirado dos escombros), ambos os modos de "olhar" a tragédia debitam um exibicionismo pornográfico e um pressuposto venal que me repugnam. Ao invés de prazer, falamos de sofrimento, mas o princípio é o mesmo: descontextualizar, mostrar... e vender."