O sempre subtil, fino, penetrante, delicado e agudo Miguel Esteves Cardoso
«Os coros das claques do futebol são particularmente interessantes porque juntam a musicalidade à irreverência, ao prazer de ser do contra e à necessidade absoluta de exprimir uma opinião. Comparadas com as claques de outros países, tendem a dirigir-se mais ao treinador do que à equipa.
O treinador é tido como responsável mas não é só isso: o treinador é mais vaidoso e tem a mania que a culpa é dos jogadores, pelo que é muito mais engraçado deitá-lo abaixo.
É uma espécie de bullying antiautoritário, uma tomada da Bastilha à inglesa, em que o único alvo é o reizinho irritante que chegou cheio de promessas e, por ser nhurro, foi incapaz de fazer milagres.
Um dos melhores cânticos é o do Arsenal e reza assim: “You’re shit and you know you are.” Ou seja: “És uma merda e sabes que és uma merda.”
Para apreciar a acusação, é preciso imaginar o treinador (ou qualquer profissional) que não presta para nada, mas está convencido de que é uma maravilha. Acontece muito, não acontece? Trata-se de um indivíduo iludido, tragicamente vaidosão, que tem dificuldade em perceber o que se passa à volta dele.
Mas pronto, coitado, não é capaz de ver que não presta — e isso constitui, apesar de tudo, uma espécie de desculpa. Agora o sacana que não presta e, ainda por cima, sabe que não presta é imperdoável. É mesmo um ladrão. Está ali a enganar toda a gente. Quanto mais gesticula, mais fácil é odiá-lo.
Claro que o esforço musical da claque que canta “You’re shit and you know you are” esconde uma réstia de afecto.»
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