"Nos séculos passados, é evidente o que deve ter acontecido"…
"(…) Alguns lembram-se de ouvir a mesma coisa aos velhos e teimam: — Somos de Ílhavo… Viemos de Ílhavo… — Também tenho a ideia de que foram os cagaréus que povoaram os melhores e mais piscosos pontos da costa. Ontem como hoje, vinham por aí abaixo, aos dois e três barquinhos juntos, até ao Algarve. (…) O peixe era tanto como no princípio do mundo (…)"
(…) Isto, de que não se deram conta os historiadores que têm tratado do mais célebre capítulo da História de Portugal, sabem-no os etnólogos que têm estudado as pobres comunidades piscatórias, da Póvoa a S.João da Foz, da Afurada à Murtosa, de Ílhavo a Buarcos, da Nazaré a Peniche. Sabem-no até os escritores e poetas que têm observado os pescadores e o seu largo mundo de miséria e de azul.
Apeteceria convidar os historiadores dos Descobrimentos a lerem Pedro Homem de Mello: (…) Virei costas à Galiza; voltei-me antes para o sul… (…) Virei costas à Galiza, voltei-me antes para o mar… (…).
Apeteceria convidá-los a lerem Raul Brandão: (…) Fito-os. É o mesmo tipo que conheço de Aveiro, de Caparica e de Sesimbra. O patrão Joaquim Lobo, de grandes barbas brancas, afirma que esta gente veio de Ílhavo. Alguns lembram-se de ouvir a mesma coisa aos velhos e teimam: — Somos de Ílhavo… Viemos de Ílhavo… — Também tenho a ideia de que foram os cagaréus que povoaram os melhores e mais piscosos pontos da costa. Ontem como hoje, vinham por aí abaixo, aos dois e três barquinhos juntos, até ao Algarve. Aparecia-lhes toda a costa incógnita, os penedos nascidos no meio do mar, os fios de areia reluzindo e as baías entranhadas nos paredões. À aventura iam ter às águas do peixe. E eu sinto como eles a primeira impressão dum panorama nunca visto e duma frescura que ninguém respirou. Descobriram os sítios a que a sardinha se encosta, os fundões que dão a pescada e o cherne, e os melhores abrigos para refúgio do mau tempo. Sabiam a costa a palmos. Voltavam um dia com a mulher, os filhos, a rede e a panela da caldeirada. Fixavam-se no areal, construíam os palheiros, cobrindo-os com rama, e fundavam uma nova povoação. O peixe era tanto como no princípio do mundo (…).
Já no nosso século, o processo continuou, semelhante ao que sempre deve ter sido nos séculos anteriores: como mostram Octávio Lixa Filgueiras e o Com. Gomes Pedrosa, as inovações contemporâneas (como a traineira) alastram a partir da zona basca e cantábrica: uma década mais tarde usam-se na Galiza, duas décadas depois usam-se em Peniche. Os exemplos de fixação galega contemporânea, como Vila Praia de Âncora, junto ao Forte da Lagarteira, simplesmente nos exemplificam os processos congéneres anteriores, ocorridos nos séculos passados em Buarcos, na Ria de Aveiro ou em Peniche.
Nos séculos passados, é evidente o que deve ter acontecido. Os historiadores dos Descobrimentos parecem até hoje não se ter apercebido de que o primeiro dos Descobrimentos Portugueses foi… precisamente… o do litoral português…
E os Descobrimentos seguintes, mais para sul… foram a continuação natural do anterior… e feitos pela mesma gente… (…)
ALFREDO PINHEIRO MARQUES
A Maldição da Memória do Infante Dom Pedro e as Origens dos Descobrimentos Portugueses
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