Zé Penicheiro faleceu no passado dia 15.
Na altura Fernando Campos escreveu o seguinte:
E como o prometido é devido cá está o "depoimento que foi um pouco para além da ditirâmbica palermice circunstancial" do Fernando Campos
(pode ser lido na íntegra, clicando aqui).
Termina assim.
“Quando o conheci, em 1981, trabalhei com ele em
publicidade. Aprendi imenso (a relevância do seu contributo para a linguagem
desta arte de comunicação dava para escrever um tratado, um capítulo à parte na
sua vasta obra criativa (só semelhante ao de outro figueirense, Cândido Costa
Pinto. Este até com obra teórica publicada sobre o assunto, embora nunca tenha
exercido actividade na região). Mas em 84 (ou 85), quando trabalhei para ele -
na impressão serigráfica dos seus trabalhos – já ele se dedicava finalmente, em
exclusivo, à sua paixão de toda a vida, a pintura. Tinha mais de sessenta anos.
Numa idade em que a maior parte dos homens calça as pantufas
e se senta ao borralho a olhar para ontem, Penicheiro preparava-se para começar
outra vida. Criativa. E para consumar a sua obra – uma obra que teria, contudo,
um carácter sempre reminiscente, também a olhar para ontem, numa espécie de
interminável “Amarcord”.
Todavia, ao contrário de Fellini, não existe em Penicheiro o
conflito, o pormenor, o improviso, a blasfémia, o humor (ou o sarcasmo), a
revolta, a gargalhada, a obscenidade, a subversão, o grito.
Não há rostos, nem olhares, nem expressões na sua obra. Nem
se vêem das mãos as linhas da vida, ou as unhas negras e as calosidades. Apenas
vultos. Os homens, de chapéu; as mulheres, de lenço na cabeça, sempre curvada.
Tudo sob um manto intrincado de manchas opacas, numa densa bruma esquartejada
de harmoniosas decomposições tonais atenuadas. E uma indelével impressão de
nostálgica e solene mansidão resignada.
Penicheiro não pinta o que vê, pinta o que viu. Ou melhor, a
impressão com que ficou.
Foi esta visão sentimental, silenciosa e velada pela
distância do tempo que talvez tenha tranquilizado os novos (e até os velhos)
burgueses. A-do-ra-ram. Penicheiro tornou-se mesmo o artista mais premiado e
homenageado pelos “clubes de
serviço”. Arrematavam tudo, em alegres e
selectas jantaradas. À peça ou à molhada.
A consagração popular veio depois, naturalmente. O povo,
como é sabido, aplaude sempre os vencedores.
Porém, a coroa de glória de Zé Penicheiro, a verdadeira
consagração, surgiu já quase no fim da sua vida (e carreira, que os artistas
trabalham sempre até ao fim), em 2004: a encomenda de um mural monumental pela
Universidade de Aveiro, para comemoração dos seus trinta anos.
Nada mal. Para um homem que se tinha feito a si próprio, que
se gabava de nunca ter ido à escola e de toda-a-vida ter nutrido um sincero
desprezo pelo conhecimento académico.”
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